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OPRESSÕES

Entrar, permanecer, enegrecer. Afronte pauta nas universidades compromisso com a defesa da lei de cotas

A partir desta terca-feira (16), o Afronte, movimento nacional de juventude anticapitalista, inicia uma série de ações onde irá protocolar em diversas universidades do país um ofício em defesa da lei de cotas e pelo comprometimento das reitorias e entidades estudantis com o enegrecimento do ensino superior público. Leia abaixo na íntegra a carta do movimento:

Afronte!
Foto de um corredor da UnB. Ao centro, caminhando, uma jovem negra. ela usa calça jeans clara, camiseta cinza e um casaco verde, Carrega uma bolsa de couro no braço esquerdo. tem cabelos crespos, grandes, e usa brincos grandes, circulares. A cada lado, outros estudantes, brancos, desfocados.
Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

UnB foi a primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais.

Afronte Negro em defesa das cotas raciais: Entrar, permanecer e enegrecer as universidades

em defesa das cotas raciais. Entrar, permanecer, enegrecer!

O mito da democracia racial coloca que, no Brasil, após a abolição da escravatura e devido ao processo de miscigenação, os povos vivem em harmonia racial. Contudo, essa perspectiva apaga as marcas deixadas pelosr mais de 500 anos de extermínio de povos indígenas e mais de 300 anos de escravidão do povo preto. Essas marcas perduram até a atualidade, sendo visíveis nas desigualdades estruturais que dificultam o acesso de pessoas negras e indígenas aos mais diversos espaços, entre eles, o ensino superior. Por isso, aponta-se a necessidade de constante luta por uma atuação política que vise transpor as iniquidades ainda existentes. O racismo institucional, que atravessa a existência do povo preto, foi (e segue sendo) o pilar que mantém o acesso à educação e formação profissional dificultado e/ou negado, mantendo as universidades embranquecidas para atender aos interesses do Estado elitizado.

A primeira lei sobre educação no Brasil é datada de 1837 e nela o ensino é vedado a pessoas negras. Temos em nosso país, desde o processo de colonização e rapto dos africanos para estas terras, mais tempo no qual negras e negros foram vistos como objetos e submetidos a condições de escravizados, do que o período pós-abolição. Temos mais tempo no qual a educação foi proibida por lei para pessoas negras, do que a concepção da educação como um direito universal. A educação brasileira em seu início foi pensada e estruturada de forma racista, ainda hoje, as desigualdades raciais na educação são gritantes. De acordo com o IBGE menos de 60% dos jovens negros concluíram o ensino médio, enquanto entre os jovens brancos esse número é de mais de 75%.

 A evasão escolar é apenas uma parte que escancara as desigualdades raciais na educação. A escola como um todo, desde sua grade pedagógica e passando pelo modelo de ensino, é norteada e estruturada pelo racismo institucional. Não por acaso, ainda de acordo com o IBGE, desde o Ensino Fundamental é possível ver diferenças no aprendizado entre jovens negros e brancos.

Neste contexto, as ações afirmativas surgem como políticas públicas que objetivam reparar as desigualdades e violações vivenciadas por povos minorizados pelo Estado. Em 2012, a Lei Nº 12.711, conhecida como lei das cotas raciais, foi aprovada como a política pública de ação afirmativa na educação superior, após mais de décadas de debates e mobilizações do movimento negro brasileiro.

Desde sua concepção, as Universidades brasileiras têm sido centros de conhecimento voltados para os filhos das altas classes brasileiras. Isto se reflete até os dias atuais, quando vemos nas grades curriculares dos cursos a pouca ou nula presença de autores negros, quando observamos a concepção elitista sobre qual conhecimento é validado pela academia e o silenciamento de saberes negros, e também quando enxergamos a forma que os cursos são estruturados e ofertados, dificultando o acesso de estudantes negros a estes.

O fato é que, apesar de serem ainda espaços nada inclusivos para pessoas negras, nós estamos cada vez mais ocupando espaços. A lei de cotas modificou a realidade universitária. O número de negros matriculados nas Universidades Federais aumentou em 39% de acordo com o INEP, algumas outras pesquisas como do IBGE mostram números um pouco menores (30%), mas o fato é que nas UF´s caminham e se formam mais corpos negros do que no inicio deste século. As Universidades têm em seu corpo discente hoje mais cores e caras semelhantes ao conjunto do povo brasileiro.

A existência de cotas raciais para o ingresso nos cursos de graduação trouxe importantes impactos para educação brasileira, apontando o caminho para aumentar a diversidade nos cursos de pós-graduação. Até agosto de 2021, de um total de 108 universidades públicas, apenas 29 instituições possuem um sistema de cotas raciais nos programas de pós-graduação. A primeira instituição a implementar cotas raciais em mestrados e doutorados foi a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em 2002; apenas 13 anos depois, a Universidade Federal de Goiás (UFG) adotou o sistema de cotas raciais na pós-graduação. Em 2015, apenas 7,8% dos pós-graduandos da UFG se autodeclaravam pretos e pardos; no ano de 2021, este número subiu para 26,5%.

Em 2015, apenas 7,8% dos pós-graduandos da UFG se autodeclaravam pretos e pardos; no ano de 2021, este número subiu para 26,5%.

A mudança no corpo estudantil das Universidades Federais impactou diretamente o funcionamento do tripé universitário (ensino, pesquisa e extensão), possibilitando debates amplos sobre raça e racismo sendo efetuados por pessoas negras, impactando no avanço da consciência racial no conjunto da sociedade e no crescimento da denúncia do mito da democracia racial. Temas como democracia universitária e permanência estudantil tomam novas proporções, pois a Universidade precisou e ainda precisa de infraestrutura e política de acolhimento para os estudantes cotistas.

Os dados numéricos supracitados reforçam a importância das políticas afirmativas no ingresso. Porém, nós sabemos que somente entrar não basta, nós queremos permanecer nas Universidades e para tanto é necessário projetos e programas de assistência estudantil de qualidade, que garanta a nossa permanência durante a graduação. Com a implementação do ensino remoto por conta da Pandemia, a evasão e a dificuldade para se manter na Universidade aumentaram e tiveram um impacto brutal sobre nós, estudantes negras e negros. A isto, soma-se ao processo de embranquecimento do ENEM, fruto do racismo que impõe as mesmas dificuldades educacionais para alunos do Ensino Médio. Corremos o risco de quando as Universidades retornarem às atividades presenciais no ano que vem, elas sejam muito mais brancas do que no período pré-pandemia.

Estamos vivendo um momento de desmonte e destruição da Universidade Pública e dos avanços educacionais adquiridos nas últimas décadas. Em 2022 teremos dez anos da implementação da Lei de Cotas que em seu artigo 7° prevê a revisão após esse prazo. Acreditamos que desde já é necessário avançar na defesa desta Lei e batalhar para sua ampliação.

A política de cotas nas universidades é uma política de vida, que combate a desumanização que pessoas negras sofrem há séculos no Brasil. É uma forma de combater o genocídio do povo negro no país em que a cada 20 minutos morre um jovem negro. Queremos defender as cotas por que elas garantem mudanças e perspectivas, tanto na nossa vida enquanto jovens negros, quanto para nossa família e comunidade. Nós queremos entrar nas universidades, permanecer, e enegrecer. Construir conhecimento e retorná-lo para os nossos iguais, para que assim mais jovens negros possam sonhar e trilhar seus caminhos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Por fim, nós do Afronte viemos por meio desta carta exigir o compromisso desta reitoria com a política de cotas em nossa universidade. Buscamos colocar a necessidade de avançarmos no combate ao racismo institucional dentro do nosso espaço acadêmico.

Para tal objetivo propomos:

– Que a Reitoria junto dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e do movimento estudantil elabore um Dossiê sobre os impactos da política de cotas em nossa Universidade

– Implementação da lei de cotas também na pós-graduação

– Políticas de assistência estudantil voltadas especificamente para estudantes cotistas

– Instauração do critério de ações afirmativas nos processos de Transferência Interna

– Ampliação e instauração de políticas de ação afirmativa na concessão de bolsas e demais editais de Monitorias de Graduação, Iniciação Científica e Projetos de Extensão

– Construção de Estratégias Institucionais para efetivação da reserva dos concursos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, em especial Docente, a exemplo da Lei N° 12.990, de 9 de junho de 2014.