*Publicado originalmente em Comunistas Cuba
Semelhante ao que ocorreu na burocracia soviética, o governo cubano vem se distanciando da realidade da classe trabalhadora no país. O exemplo mais retumbante disso está nos protestos de 11 de julho. A isso se soma, como mais um sinal de desconexão, a forma como os protestos vêm sendo conduzidos no ‘discurso oficial’, criminalizando-os e reduzindo-os a meros instrumentos da ‘contra-revolução’.
a burocracia não conhece a realidade do país; Ou sabe dela, mas transmite um discurso triunfalista que causa descontentamento entre amplos setores da classe trabalhadora cubana.
Depois das manifestações de 11 de julho, o governo cubano não percebeu a necessidade urgente de criar novos mecanismos de participação cidadã. A forma como o governo entendeu se aproximar da classe trabalhadora não foi estimulando a democracia socialista, mas apenas visitando bairros populares. Em geral, essas visitas, planejadas verticalmente de cima e anunciadas com antecedência, acabam sendo uma maquilagem da área por onde passará o alto oficial, e depois tudo continuará igual.
Em recente entrevista a uma imprensa estrangeira, um importante dirigente cubano declarou que em Cuba não havia fome, nem desemprego, nem pobreza. Este grave caso de ruptura com a realidade só pode ter duas razões. Ou, o mais perigoso: a burocracia não conhece a realidade do país; Ou sabe dela, mas transmite um discurso triunfalista que causa descontentamento entre amplos setores da classe trabalhadora cubana. Em dezembro de 2020, o ministro da Economia Alejandro Gil informou que em 2021 o Produto Interno Bruto cresceria 6%. Ao contrário, nas últimas sessões do parlamento, Gil anunciou que o PIB havia caído -13%. O mesmo governante anunciou em maio de 2021 que este ano Cuba receberia pelo menos 2 milhões de turistas. Segundo o Escritório Nacional de Estatística e Informação de Cuba, até setembro o país não ultrapassava 190 mil turistas e as restrições sanitárias para visitantes estrangeiros só serão suspensas no dia 15 de novembro. Em três meses, dos quais apenas 45 dias sem restrições para os viajantes internacionais, Cuba não poderá receber os 1 milhão 810 mil turistas de que necessita para cumprir a cifra anunciada em maio pelo ministro da Economia; até mesmo e Gil sabia que até aquele mês apenas 120 mil turistas haviam entrado em Cuba.
Soma-se a este cenário preocupante um fato perigoso: um importante setor da juventude cubana está cada vez mais despolitizado, identificando o socialismo com o estagnado ‘discurso oficial’. Os jovens contrastam o triunfalismo do Partido Comunista com uma realidade cotidiana cada vez mais crítica, marcada por uma profunda escassez de suprimentos, longas filas para comprar alimentos básicos e uma concentração significativa de bens básicos oferecidos nas lojas em que só se paga com cartão lastreado em moeda estrangeira. Desse modo, um setor importante da juventude cubana acaba repelindo as ideias marxistas, caindo na apatia política e, no pior dos casos, virando-se para a direita.
Ao mesmo tempo, esta profunda crise econômica e política levou ao surgimento de novas e jovens figuras na esquerda crítica cubana. A maioria deles tem um denominador comum: encontram no livro de Trotsky, ‘The Betrayed Revolution’, uma análise que lhes é útil para compreender a crise cubana. Com exceção dos expurgos stalinistas, as complexidades que um estado multiétnico acarreta e a distância no tempo, aqueles jovens que se posicionam publicamente à esquerda do Partido Comunista, descobrem como características perigosas da burocracia soviética são reproduzidas na burocracia cubana.
Esta jovem esquerda socialista vê que Cuba está sendo cada vez mais marcada pela separação da burocracia cubana com a realidade das maiorias, o discurso ideológico estagnado e vazio, a ascensão de jovens oportunistas a cargos públicos, os níveis de vida desiguais entre os líderes enobrecidos e maiorias operárias, bem como padrões políticos duplos, entre outros fatores típicos de um projeto socialista que se degenerou politicamente. A nova esquerda marxista cubana encontra, portanto, um cenário muito semelhante ao descrito por Trotsky em A revolução traída.
A suposta queda do governo cubano só levará à entronização de um regime anticomunista, com políticas econômicas neoliberais e voltado para os interesses políticos dos Estados Unidos
Este 09 de novembro marca outro aniversário da queda do Muro de Berlim, um fato que antecedeu o desaparecimento do chamado Campo Socialista da Europa Oriental e a desintegração final da União Soviética em 25 de dezembro de 1991. Há trinta anos, a classe A operária soviética não soube defender seus direitos, orientar a queda da burocracia para um novo processo revolucionário e levar a cabo a construção de um sistema verdadeiramente socialista. As centenas de jovens que cruzaram o Muro de Berlim naquele 9 de novembro de 1989 não o fizeram para carregar a bandeira vermelha da revolução para seus compatriotas alemães ocidentais e derrubar o capitalismo. Eles o fizeram buscando uma sociedade burguesa onde altos níveis de consumo eram prometidos. À custa de políticas financeiras predatórias – onde a Grécia aparece como o caso mais crítico – a Alemanha é uma das principais potências econômicas do mundo; mas se o governo cubano cair, Cuba cairá para um sistema capitalista subdesenvolvido correspondente às economias mais sérias do terceiro mundo. A suposta queda do governo cubano só levará à entronização de um regime anticomunista, com políticas econômicas neoliberais e voltado para os interesses políticos dos Estados Unidos. O projeto econômico neoliberal do Conselho para a Transição Democrática apresentado para uma futura Cuba socialista, apenas mostra qual seria o destino da nação caribenha sob um regime capitalista.
Em meio a uma crise política que se agrava cada vez mais, é dever urgente da esquerda crítica cubana agir, ou pelo menos se sensibilizar. Todo jovem socialista deve expandir suas idéias em seu campo de ação. Demonstrar aos seus colegas de estudo e de trabalho que os erros cometidos pelo governo cubano não são intrínsecos ao projeto socialista, que outro socialismo é possível, freando assim o discurso que taxa qualquer crítica como contra-revolucionária.
Trotsky não é o profeta de Marx. Vê-lo assim é destruí-lo. Trotsky é uma ferramenta marxista definidora para compreender e aplicar à atual crise política cubana. É perceptível a diferença de clareza entre os jovens cubanos que a incorporaram e aqueles que representam a burocracia ou proclamam um socialismo conciliador de classes. A lucidez política da nova esquerda marxista cubana se expressa no fato de assumirem o socialismo como um projeto emancipatório que só é viável se for construído em liberdade; mas a liberdade e a democracia construídas e administradas pela classe trabalhadora. A ingenuidade de que o poder econômico e político pode ser dividido igualmente entre a burguesia e a classe trabalhadora é algo que, por ser marxista, a jovem esquerda socialista cubana baniu.
Isso explica a posição da nova esquerda marxista cubana antes da manifestação de 15 de novembro: defende o direito à manifestação para aqueles que decidem marchar naquele dia, mas ao mesmo tempo se recusa a marchar em 15 de novembro, pois entende que é uma grave erro político dividir espaço com representantes de organizações neoliberais como o Conselho para a Transição Democrática. Essa é a grande diferença entre a frente única de Trotsky e as frentes populares de Stalin. O primeiro agrupava as forças progressistas, enquanto no segundo os comunistas podiam aliar-se até a figuras como o general Fulgencio Batista.
O governo cubano declarou ilegal a manifestação de 15 de novembro. Ele alertou na mídia oficial que quem participar da manifestação será punido por lei, mas às vezes algumas decisões judiciais não trazem consigo a necessária legitimidade política. Embora as manifestações de 15 de novembro tenham quase zero de apoio popular, elas têm um peso político significativo. Reprimi-los será, portanto, um grave erro político e uma violação do direito ao protesto pacífico. É verdade que a esquerda marxista crítica não deve participar da manifestação de 15 de novembro, mas se se posicionar a favor da repressão, estará cometendo o mesmo erro de marchar ao lado do Conselho de Transição Democrática. Essa é outra das grandes diferenças entre o projeto de Stalin e a proposta política de Trotsky. O primeiro tem a repressão como eixo central de seu programa político. O socialismo de Trotsky se deve à liberdade.
Nesta hora de definições que vive Cuba, tenhamos a lucidez política e a militância para ser e fazer dois, três, muitos Trotsky.
**Tradução: Pedro Ravasio
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