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EDITORIAL

COP26: não é possível obter novos resultados com velhas práticas

Editorial
Allonda

Desde o dia 31 de outubro, ocorre, em Glasgow (Escócia), a COP26. A conferência acontece quase 3 meses depois da publicação da primeira parte do novo relatório do IPCC, algo que tomou os noticiários internacionais e o debate público. Os cientistas do IPCC apontam no relatório que é incontestável o papel da ação humana na crise climática, que muitos dos danos causados e processos colocados em curso já são irreversíveis e que a tendência é o agravamento das condições decorrentes da crise nos próximos anos. A partir do relatório, também fica claro que os próximos anos são cruciais para evitar os efeitos mais devastadores da crise climática. Para conseguir ficar dentro dos limites considerados “aceitáveis” ( preferencialmente 1,5ºC, no máximo 2ºC) é preciso que haja cooperação internacional para uma radical transformação em diferentes níveis da forma que a sociedade se organiza: matriz energética, produção de alimentos, manejo de terras, preservação, reflorestamento, meios de transporte, entre outros.

Além da carga colocada no encontro deste ano por conta do parecer do IPCC, a COP também tem a importância de ser responsável por trazer um primeiro balanço sobre o Acordo de Paris assinado em 2015 e se os países signatários de fato implementaram mudanças e ações compatíveis com os objetivos estabelecidos pelo tratado. Todas estas questões, somadas a um verão repleto de eventos climáticos extremos causando destruição e mortes no hemisfério norte, colocam um peso na COP26 maior do que em qualquer outra conferência do clima já realizada.

Apesar da importância de uma ação concreta e coordenada para conter a emergência climática, o que tem se demonstrado na COP26 é uma repetição de velhas práticas esperando obter novos resultados. O que impera no encontro deste ano é a forte aposta no “mercado de carbono”, nos “fundos de investimento verde” e na decorrente financeirização da natureza. Basicamente, o que todas essas medidas propõem é continuar poluindo como antes, deslocando o ônus do processo para os países da periferia do capitalismo e mantendo o lucro dos maiores interessados na continuação da destruição que nos levou até aqui: os grandes empresários e investidores da indústria fóssil, assim como dos negócios que decorrem dela. Há duas décadas falsas soluções como os mercados de carbono são aplicadas sem qualquer resultado significativo, sendo evidente a sua ineficácia na diminuição das emissões de gás carbônico.

A aposta central na financeirização é um passo a mais no investimento em medidas ineficazes do “capitalismo verde”, submetendo a proteção ecológica e enfrentamento à crise climática aos interesses de investidores e acionistas. De tal modo, qualquer iniciativa para mitigar os efeitos da emergência que vivemos deverá primeiro ser aprovada não nos critérios científicos em relação à ciência climática, ou sociais em relação à justiça ambiental, mas antes de tudo em critérios econômicos dentro dos padrões do capitalismo.

Outro agravante do que tem se apresentado como consenso em termos de medidas, é a forma pela qual a solução para a crise é posta nas mãos de empresas. Apesar das COP serem um espaço da ONU e, portanto, dos países signatários da convenção, o investimento privado sempre teve um espaço de relevância nos encontros. Neste ano, com a continuidade das propostas centralmente voltadas para mecanismos de mercado, a tendência é o aprofundamento da dependência em relação ao setor privado.

Além da ineficácia já mencionada, isto coloca especialmente os países da periferia do capitalismo à mercê do interesse privado, sujeitos à especulação do mercado financeiro global e com consideravelmente menos poder para influenciar nestas questões. Enquanto os países do centro do capitalismo poderão se apoiar em parcerias com o setor privado, os países da periferia serão explorados dentro desta dinâmica, aprofundando a condição do imperialismo ao qual estão submetidos.

O Brasil na COP26

A destruição ecológica provocada pelo governo Bolsonaro é sem precedentes na história recente do país. Desde que assumiu a presidência e compôs o Ministério do Meio Ambiente, o governo tem colocado em curso um projeto claro de desregulamentação de órgãos de proteção, precarização da fiscalização, perseguição à servidores, aproximação do poder público com empresas e indívudos envolvidos no desmatamento ilegal, facilitação do garimpo, entre outras tantas ações que só podem ser resumidas em uma palavra: ecocídio. Com os índices de desmatamento e queimadas batendo recordes históricos, o governo conseguiu a façanha de fazer a Floresta Amazônica emitir mais gás carbônico do que está conseguindo capturar. É importante lembrar que a preservação de todos os sistemas florestais é de extrema importância para o combate à catástrofe climática, mas que a capacidade de captura de carbono da Amazônia tem ainda mais relevância.

O fato da destruição ecológica no Brasil estar em tal nível que faça a Amazônia “colaborar” para a poluição atmosférica é um sinal claro da barbárie do atual governo. A troca de Salles por Joaquim Leite como ministro não trouxe nenhuma mudança no projeto efetivado pelo governo, ao contrário, demonstra plena continuidade.

Aproveitando que a palavra de ordem é a financeirização da natureza, o governo brasileiro aposta tudo naquilo que, dentro da lógica capitalista, é considerado uma das maiores riquezas no “mercado verde”: as florestas. Como o governo Bolsonaro age deliberadamente para a destruição destes sistemas, o que causa justificada preocupação internacional, as florestas brasileiras ganham “valor” no mercado. O Brasil já está com um rápido processo de privatização das suas florestas, como no caso do Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais do BNDES e também com o Adote um Parque.

Ambos programas visam a entrega das florestas brasileiras ao setor privado, seguindo uma prática antiga do capitalismo de precarizar ao máximo algo público, para depois vendê-lo. Ao passar a responsabilidade de preservação destas áreas naturais para empresas, também é passado o direito de determinar o modo desta preservação, o que será de fato preservado e também a relação destas áreas no contexto socioambiental que já era estabelecido, mas que agora fica entregue às decisões do setor privado.

A situação tende a piorar com a entrada das florestas nacionais na lógica dos mercados de carbono. As grandes potências internacionais e o setor privado priorizarão as florestas brasileiras com intenção de compensação de suas próprias emissões, sob a bandeira de proteção ambiental, mas da mesma forma que os programas nacionais não garantem a manutenção das relações socioambientais já estabelecidas — como a relação de comunidades locais, originárias e tradicionais com a região —, estas políticas internacionais não garantem justiça climática para as nações da periferia global que terão sua natureza negociada. A única coisa garantida é a ingerência externa ditando a forma pela qual a preservação se dará no Brasil, enquanto continuam devastando a natureza e emitindo cada vez mais gases de efeito estufa. Isto tudo feito, é claro, com a anuência e interesse do governo brasileiro.

A COP mais excludente

No ano de 2019 o mundo presenciou as maiores manifestações pelo clima já feitas. Mobilizando milhões de pessoas ao redor do planeta, especialmente jovens, as manifestações trouxeram a questão climática para o centro do debate político internacional de maneira que jamais havia ocorrido. Com impacto na COP25, realizada no mesmo ano das manifestações, a expectativa era que os protestos ocorressem novamente em 2020 e colocassem pressão para a COP26, que originalmente ocorreria no mesmo ano. A pandemia, entretanto, mudou completamente o cenário, interrompendo bruscamente o ascenso das lutas climáticas e adiando a COP para agora.

Já são muitas as denúncias e reclamações sobre o caráter excludente e anti-democrático da atual edição da COP. Não é o caso de considerar que as edições anteriores tenham sido um marco da democracia, mas a COP26 reduziu drasticamente o espaço possível para intervenção de movimentos e organizações da sociedade civil. Com o pretexto da pandemia, a organização da conferência tem feito de tudo para manter o encontro o mais afastado possível de qualquer participação com mínimo respaldo popular. Com os impactos dos protestos de 2019 e a retomada gradual das manifestações de rua, é possível que tal caráter antidemocrático da atual edição seja preventivo: manter a participação popular fora dos negócios e lucro privado. Conforme aponta Greta Thunberg em seu twitter: “A COP26 foi nomeada como a conferência mais excludente da história. Esta não é mais uma conferência climática. É um festival de ‘greenwashing’ do Hemisfério Norte”.

Por uma alternativa real

Estamos na beira de um precipício, mas ao invés de pararmos, apressamos o passo. A gravidade da crise climática é evidente, não se tratando mais de um futuro possível, mas de uma realidade concreta que já começa a demonstrar seus efeitos mais destrutivos. Infelizmente, a situação tende a piorar a cada ano que passa e a própria possibilidade de perpetuação da espécie humana está em risco. Temos muito o que mudar, mas pouco tempo para aplicar tais mudanças. Espaços como as COP, em que é possível reunir em um mesmo salão os principais líderes mundiais, deveriam ser onde os projetos mais ousados e as iniciativas mais eficazes fossem propostas. Contudo, o que é visto é um negacionismo velado, fantasiado de “capitalismo verde” e soluções de mercado. Mesmo quando são feitas propostas que podem realmente ter impacto, como o Acordo de Paris, o resultado fica sempre aquém das necessidades.

O que deve ficar claro em todos estes processos é a necessidade de propor uma alternativa real para a crise climática. Não um “equilíbrio” entre lucro e preservação, mas um projeto que coloque a vida no centro de qualquer iniciativa e preocupação. O capitalismo não é capaz de oferecer qualquer solução que vá neste sentido. A gravidade da crise climática nos impõe o desafio histórico de transformar completamente as bases da sociedade atual. Isto significa, em última instância, a superação do próprio sistema.

Qualquer saída para crise climática não virá daqueles que a causaram e muito menos através das velhas soluções que já se provaram falhas. A saída só pode ser construída através da mobilização popular, construída pelos povos originários, pela população negra, pela periferia do mundo. Os que lucram querem seguir lucrando, mas o lucro deles é a nossa morte. Cabe a nós dizer que basta! Se o caminho deles é a extinção, o nosso deve ser o ecossocialismo. Uma alternativa real e sustentável contra a barbárie.

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COP26: You can’t get new results with old practices

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