Pular para o conteúdo
BRASIL

Eduardo Leite na COP 26: de amigo da mineração à Capitão Planeta

Com a ausência de Bolsonaro na COP 26, os “postulantes da 3ª Via” aproveitam a oportunidade para demonstrar ser o “anti-bolsonaro” pela direita. Apostando no discurso de “direita consciente”, Eduardo Leite tenta convencer que tem preocupação com a causa ecológica. Mas quem conhece sua história, não se engana tão fácil.

Matheus Hein Souza*, de Porto Alegre, RS
Divulgação

Neste mês iniciou a COP 26, em Glasgow. Considerada a mais importante desde a COP 21, a edição deste ano tem um papel especial em realizar um balanço sobre o Acordo de Paris, a aplicação de medidas efetivas pelos países na contenção das mudanças climáticas, e o quão distante estão nossas metas – ou, quão próximo estão nossos limites. Dada a relevância do encontro, era de se esperar que os principais líderes mundiais fossem à Escócia acompanhar de perto o processo e participar ativamente das negociações. É claro, líderes de qualquer país minimamente estabilizado, já que no caso do Brasil já se esperava uma participação destoante de Bolsonaro. O que tivemos, entretanto, foi a total ausência do presidente, um claro gesto de negacionismo e uma declaração através do silêncio sobre a sua política ecocida. Por óbvio, o espaço deixado abre oportunidade para que os “postulantes da 3ª Via” tentem ocupá-lo, na tentativa de demonstrarem ser o caminho “ponderado”, “equilibrado” e “consciente” da direita. Entre os nomes da “direita consciente”, um dos que vem se destacando é Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. 

o espaço deixado abre oportunidade para que os “postulantes da 3ª Via” tentem ocupá-lo, na tentativa de demonstrarem ser o caminho “ponderado”, “equilibrado” e “consciente” da direita. Entre os nomes da “direita consciente”, um dos que vem se destacando é Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. 

Recentemente, Leite declarou em um podcast sua contrariedade aos projetos de megamineração no RS. Segundo ele, o projeto Mina Guaíba estava enterrado. O projeto visava construir a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil e ficaria localizado há poucos quilômetros de Porto Alegre. O movimento ecológico gaúcho se mobilizou contra o projeto, evidenciando os claros efeitos destrutivos para os ecossistemas da região, para a população das cidades próximas e das comunidades locais – na região onde se instalaria a mina está presente um assentamento de produção agroecológica e uma comunidade indígena. Durante mais de 1 ano o movimento ecológico lutou contra a aprovação do projeto, mas enfrentou um grande adversário: o governo Leite. Enquanto movimentos e especialistas lutavam para conseguir debater publicamente sobre o projeto e suas consequências, o governador recebia a diretoria da mineradora no Palácio Piratini. É seguro dizer que se não fosse a pandemia, que congelou processos grandes de infraestrutura, a Mina Guaíba estaria em pleno funcionamento. Afinal, a própria página nas redes sociais da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura fez postagem defendendo a mineração e dizendo que “existe mineração até na bomba do chimarrão”, em uma clara tentativa de apelar para a tradição gaúcha em defesa do setor. A postagem repercutiu de forma tão negativa que rapidamente foi apagada das redes.

O governo Leite também foi responsável pela destruição da Lei de Agrotóxicos do Rio Grande do Sul. O estado gaúcho carregou por décadas a distinção de ter uma das leis de proibição de agrotóxicos mais avançada do Brasil. Promulgada em 1982, ainda dentro da ditadura, a lei foi resultado de uma intensa luta do movimento ecológico gaúcho e conseguiu barrar a utilização de agrotóxicos que eram proibidos em seu país de origem. Apesar de ser exemplo no país, Eduardo Leite propôs o PL 260/2020 e fez dura pressão para a aprovação do projeto que acaba com as determinações da lei anterior. Assim, Leite conseguiu apagar uma das maiores conquistas ecológicas do estado. Somado a isto, o governo vem desmontando o setor ambiental desde o seu início. A própria fusão entre Secretaria de Infraestrutura e Secretaria do Meio Ambiente foi criticada desde o princípio, pois coloca interesses contraditórios em um mesmo órgão, sempre pendendo para os interesses das construtoras e mineradoras. Os servidores da área também apontam tentativas constantes do governo em precarizar e desmontar o setor ambiental, avançando na precarização da fiscalização ambiental e da submissão dos interesses ligados à proteção e preservação aos interesses da mineração e da construção. Cabe ainda destacar que Leite incluiu os parques estaduais no Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais do BNDES. Isto é, seguindo o mesmo discurso do governo federal, Leite defende que entregar os parques estaduais ao setor privado é um bom caminho para “gerar renda e preservar”. Uma das maiores falácias do capitalismo verde.

Quem conhece a trajetória de Eduardo Leite sabe bem que não há nada na sua história que o conecte com a luta ecológica. No sentido completamente oposto, as ações de Leite sempre foram a favor dos setores mais destrutivos da natureza, favorecendo iniciativas predatórias e destruindo as conquistas em relação à questão sócio-ambiental. A virada no seu discurso nada mais é do que um intento oportunista com o propósito de ser um “anti-bolsonaro” pela direita.  Antes garoto propaganda da mineração, Leite agora quer ser o Capitão Planeta. Mas nós sentimos o cheiro negacionista, mesmo quando vem perfumado.

* Mestrando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)