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BRASIL

Fim do auxílio emergencial deixará 39 milhões sem proteção das políticas sociais

Paola Carvalho*
Foto em São Paulo. Um grande painel colado em um muro, onde se lê em letras garrafais: A FOME VOLTOU. Abaixo, em letras vermelhas, BOLSOCARO. Pessoas passam em frente ao painel, caminhando na calçada. Um homem jovem, com uma mochila. uma mulher, com uma bolsa de couro, calça jeans e máscara. Ao centro, em sentido contrário, um homem idoso, negro, de cabelos brancos, camisa de manga comprida vermelha e quadriculada, e calça jeans. Ele usa chinelos de dedo, podendo integrar a população de rua.
Roberto Parizotti / Fotos Públicas

Estamos chegando ao final do mês de outubro de 2021. Com o término do mês, temos a última parcela do auxílio emergencial para 39 milhões de brasileiros e brasileiras. Chega ao fim o programa emergencial, mas os efeitos nefastos da redução das políticas sociais, antes mesmo da pandemia acabar, e as condições socioeconômicas agravadas pelo impacto do Covid-19, não terminam.

Falamos de um país com 100 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar e pelo menos 20 milhões passando fome. Falamos de um Brasil que mantém pelo menos 20 milhões de desempregados e desalentados e no qual também trabalhadores informais e autônomos enfrentam dificuldades para reconstruir seus espaços de trabalho com a inflação nas alturas e nenhum incentivo governamental.

Estamos falando de uma fila imensa de gente extremamente pobre, que busca comida nos caminhões de lixo e que tenta se alimentar com sobra de ossos e pés de galinha. Vale sempre lembrar que já perdemos mais de 600 mil vidas.

Proteção social não combina com improviso. A necessidade de ampliar os programas de garantia de renda está sendo comprovada desde o início da pandemia. Por isso, a agenda de renda básica universal está mais em alta do que nunca.

O teto de gastos, as isenções tributárias regressivas e mesmo o escândalo das emendas parlamentares não servirão a ninguém nem mesmo aos seus defensores, se deixarmos para trás milhões de famílias destituídas de qualquer renda.

No entanto, nada é capaz de sensibilizar um governo como o de Bolsonaro. No dia 9 de agosto de 2021, o presidente cometeu a irresponsabilidade de assinar a medida provisória 1.061/2021, acabando com o programa Bolsa Família. No lugar, colocou uma proposta muito aquém das exigências mínimas necessárias neste momento, intitulado Auxílio Brasil.

É difícil aceitar que essa proposta, costurada como está sendo feita, atenda somente os beneficiários do Bolsa Família e os que estão há anos na fila de espera, mas exclua os demais que foram incluídos pelo auxílio emergencial.

O novo programa não considera o preço dos alimentos, nem as mazelas graves que a pandemia trouxe

O novo programa não considera o preço dos alimentos, nem as mazelas graves que a pandemia trouxe – a exemplo das famílias que perderam membros responsáveis pelo sustento da casa. Mesmo com esse cenário, o governo acena com um programa que traz uma série de supostos benefícios, como a possibilidade de permitir o desconto de até 30% do valor do benefício para pagar consignados. Ao permitir isso, o governo autoriza e valida a possibilidade de endividamento dos beneficiários.

Muito além disso, suas medidas reforçam o preconceito com os mais pobres e o entendimento de que as pessoas estão na condição de miséria, por falta de esforço.

O auxílio Brasil proposto é, na verdade, uma Bolsa Eleição, já que o ajuste vai valer apenas para o ano de 2022. É preciso um esforço permanente de ampliação do Bolsa Família. Serão atendidos apenas 17 milhões de famílias, o que abrange o número atual de beneficiários e a lista de espera antes da pandemia.

Desconsidera o empobrecimento da população, as pessoas que não estão no Cadastro Único, as novas composições familiares que se reconstituíram inclusive com as mortes que impactaram a realidade de inúmeras famílias.

Para eles, pouco importa que, muito longe das riquezas de Dubai, os miseráveis do Brasil disputem restos de comida, pés de galinha, pescoço, pelancas, engrossando as fileiras da fome. Mas as urnas, no ano que vem, saberão dar a resposta para cada um dos desafios que foram impostos a todos nós por Bolsonaro e por seus asseclas e darão, sobretudo, uma resposta digna à política populista que ele tenta resgatar ao oferecer um auxílio que vai perdurar até dezembro de 2022.

*Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica