Por Pedro Cassiano
O agronegócio sempre soube da necessidade ideológica de se investir na educação de jovens e adolescentes. Um dos projetos pioneiros nessa temática foi o “agronegócio na escola” promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio de Ribeirão Preto (Abag RB), desde 2008 amplamente pesquisado pelo professor da UFRRJ, Rodrigo Lamosa [1].
Atualmente, dois novíssimos empreendimentos despontam nesse campo, o movimento “de olho no material escolar” e o “reino agrus”.
O primeiro surgiu através da iniciativa das “mães do agro” que começaram a se “incomodar” com o material didático dos seus filhos que continham mentiras sobre a questão agrária e agrícola no Brasil. Em 2018, elas criaram o movimento intitulado “de olho no material escolar” para vigiar o conteúdo dos livros didáticos de escolas públicas e privadas sobre o assunto da agricultura no Brasil. A organização possui uma página no Instagram (@deolhonomaterialescolar) que, atualmente, é o principal veículo de notícias e divulgação de suas ações. A inscrição como um membro do “de olho no material escolar” pode ser realizada por qualquer um através de um cadastro online e o pagamento de uma mensalidade no valor de 150,00 mensais para pessoas físicas e 500,00 reais mensais para pessoas jurídicas. Suas ações concentram-se em confecção de materiais publicitários sobre o agronegócio, realização de visitas de professores e membros da organização a editoras, entidades do agronegócio e instalações de institutos de pesquisa. Há ainda a intensa participação em eventos públicos e na mídia especializada sobre o tema e, principalmente, levantamento e denúncia dos materiais escolares de redes públicas e privadas.
Para elas, assuntos como reforma agrária, campesinato, luta pela terra, monocultura, latifúndio, trabalho análogo à escravidão e devastação ambiental provocada por queimadas intencionais de produtores rurais são visões distorcidas e equivocadas sobre o campo brasileiro. A questão dos agrotóxicos também possuiria uma abordagem equivocada. O correto seria demonstrar a pujança do agronegócio no país que carregaria os maiores índices de produtividade graças ao desenvolvimento tecnológico e à força do “agricultor brasileiro”.
Diversas entidades apoiam o projeto. Segundo o site “de olho nos ruralistas”, estão entre elas a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e o Conselho Superior do Agronegócio (Coasg), departamento ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Um dos principais apoiadores da organização das mães do agro é Francisco Graziano Neto, conhecido como Xico Graziano, agrônomo, ex-deputado federal pelo PSDB, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e um dos principais intelectuais conservadores do governo Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-2002)
Em diversas mídias, Graziano faz apologia ao projeto de fiscalização do material didático sobre o agro e as “mentiras que se contam” para as crianças.
As lideranças do projeto são Andréia Bernabé – diretora executiva da Associação de Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat) e consultora/CEO da “Agro b”– e por Leticia Zamberlini Jacintho – diretora da ZJ investimentos, uma empresa ligada ao setor agropecuário e sócia de seu marido, o agrônomo Sebastião Ferreira Jacintho, na produção de cana de açúcar em São Paulo.
Para elas, assuntos como reforma agrária, campesinato, luta pela terra, monocultura, latifúndio, trabalho análogo à escravidão e devastação ambiental provocada por queimadas intencionais de produtores rurais são visões distorcidas e equivocadas sobre o campo brasileiro. A questão dos agrotóxicos também possuiria uma abordagem equivocada. O correto seria demonstrar a pujança do agronegócio no país que carregaria os maiores índices de produtividade graças ao desenvolvimento tecnológico e à força do “agricultor brasileiro”.
Neste mês, o movimento entregou um relatório com o levantamento do conteúdo “mentiroso” sobre agricultura no Brasil ao ministro da educação, Milton Ribeiro. Na solenidade estavam presentes a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a deputada Federal Bia Kicis (PSL-DF) e o presidente do Instituto Pensar Agro (IPA), Nilson Leitão. O relatório entregue pelo movimento foi realizado pelo próprio IPA , principal entidade de assessoramento técnico da Frente Parlamentear da Agropecuária (FPA), que é mantida pela contribuição de entidades do agronegócio e dos deputados da bancada ruralista. A deputada federal Aline Sleutjes (PSL-PR), membro da Frente e presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados, é a principal porta voz do movimento no Congresso. Foi ela quem articulou o encontro com os ministros e o levantamento realizado pelo IPA.
Histórias de ninar do agronegócio: o reino agrus
Já que os livros didáticos supostamente publicam fantasias sobre o agronegócio, o jeito é criar seu próprio conto de fadas. O projeto do “reino agrus” tem esse objetivo. No site do movimento “todos a uma só voz” o reino agrus “é um storytelling em capítulos que narram o cotidiano dos personagens Rei Amós, Mago Antares, Rainha Ester, João Bovi, e Maria do Campo e tudo o que eles fazem para ajudar o povo com soluções que são originadas do Agro. Até agora foram produzidos dois capítulos. O primeiro intitulado “o sonho” conta a história de um sonho do rei Amós que tinha seus membros do corpo brigando entre si cuja moral da história é a defesa da união dos produtores rurais que é obtida após a decifração do sonho pelo mago Antares e a edição de um decreto pelo rei obrigando os produtores a se unirem. Após a bem sucedida união dos produtores rurais forma-se um brasão representando à unidade do reino agrus e seus súditos rurais.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=YihzOoTy1O4, acesso 24 de out. 2021.
O segundo capítulo chama-se “a sustentabilidade do reino” e discorre sobre programas de sustentabilidade diante da preocupação do Mago Antares com a preservação do meio ambiente sem atrapalhar a produtividade agrícola. Antares ensina ao rei Amós a necessidade de se preservar as florestas nativas, a criação de projetos de reciclagem e ainda o desenvolvimento da Integração Pecuária Floresta (IPF) [2].
Assim, a iniciativa voltada para o público infantil mistura mitologia medieval, bíblica, contos de fadas onde a união e a sustentabilidade são propagandeadas como iniciativas possíveis de serem realizadas conjugadas ao agronegócio. Os idealizadores do conto de fadas do agro é o movimento “todos somos uma só voz”. Criado em fevereiro de 2021 o movimento divulga em seu site o “manifesto à união do agro” com seus principais objetivos. O documento inicia-se em tom bíblico de exortação à bem-aventurança:
“Benditos sejam os homens e as mulheres que trabalham no campo provendo o que nos alimenta. Benditos sejam eles, que, não por acaso, são chamados de produtores. Que reconheçamos o empenho, amor e dedicação que esses valentes empenham todos os dias, ainda antes do galo cantar e desde o princípio, agora e sempre.”
Em seguida afirma que a ciência e a tecnologia foram fundamentais para a pujança do setor agropecuário brasileiro e que esse tipo de conhecimento precisa ser veiculado para os mais jovens. “Que as nossas crianças aprendam desde cedo que o Agro é a maior riqueza do Brasil e cultivem a empatia e a admiração pelos produtores rurais.”. Por fim, o manifesto exorta a necessidade de união de “toda cadeia produtiva” sob uma “única narrativa”. Esse movimento é um projeto encabeçado pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e reúne diversos de seus associados, entidades do setor de produção agropecuária e empresas de mídia do ramo [3].
Vemos, portanto, que o discurso do agronegócio almeja inculcação de sua ideologia desde a mais tenra idade e, para isso, promove através de inúmeros movimentos organizados e organicamente vinculados as entidades do setor a fiscalização dos livros didáticos até a criação de contos de fadas recheados de bondade, agrotóxicos e fantasia, nesse último caso, é imperioso ressaltar a aproximação da retórica religiosa, talvez, em uma tentativa de atrair o “rebanho” conservador cada vez mais. Seja como for, ainda não sabemos o final da história, mas a moral dela é que a galinha dos ovos de ouro do agronegócio possui a faixa presidencial.
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