Na tarde desta sexta, 22, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro promoveram uma coletiva de imprensa, com o objetivo de acalmar o mercado e anunciar a permanência do ministro no governo, desmentindo notícias de sua saída. A coletiva buscou apagar o incêndio após o pedido de demissão coletiva de assessores e da reação do mercado, com alta do dólar e queda da bolsa. O ministro tentou transmitir otimismo com a economia e normalidade na relação com Bolsonaro.
Os dois anunciaram o Auxílio Brasil, no valor de R$ 400,00, programa que será pago para 16 milhões de famílias (3 milhões a mais que o público beneficiado pelo bolsa-família), ao custo de R$ 30 bilhões ao ano. O programa também atenderá 700 mil caminhoneiros, diante da alta dos combustíveis, ao custo aproximado de R$ 3 bilhões ao ano. O financiamento para o programa “temporário” virá, segundo Guedes, da arrecadação de impostos.
O ministro descreveu a crise no governo nas últimas semanas em torno ao financiamento do programa como uma tensão entre duas alas, a “política”, que buscaria mais recursos para combater a crise social, e a “econômica”, mais preocupada em manter o teto de gastos e zerar o déficit. Ele insistiu que é possível conciliar os interesses dos dois lados, “achar um equilíbrio”. E que isso não teria sido compreendido por sua equipe, formada por “pessoas boas”, mas “jovens” – Guedes usou insistentemente o adjetivo, ao mesmo tempo em que ressaltou a experiência profissional do substituto, Esteves Colnago, apresentado como alguém “sênior, muito sênior”.
Em discurso ao andar de cima, Guedes repetiu inúmeras vezes, quase como um mantra, que o “arcabouço fiscal” – leia-se, o teto de gastos – não será afetado, que o mercado pode dormir tranquilo que o governo continua fiel à cartilha neoliberal. Afirmou que o auxílio é somente um programa temporário, e que a exceção do furo do teto de gastos é natural, que não há motivo para a Faria Lima se preocupar, pois o governo estaria apenas adiando por um ou dois anos o fim do déficit fiscal. Frisou que a arrecadação está crescendo, acima de R$ 200 bilhões, o que comportaria os custos do programa.
Passou a pregar que não há “dicotomia” entre o liberalismo e o social, que não há esse conflito… Que o liberalismo prevê gastos sociais e que esse tipo de auxílio, de renda, teria sido criado por Milton Friedman, seu mentor na Escola de Chicago. Sem limites na hipocrisia, chegou a defender distribuição de riqueza e taxações. “Vamos fazer distribuição de riqueza. (…) Vamos tirar juros e dividendos de quem não paga e dar aos mais frágeis. Não há nada de errado nisso”, afirmou o dono de uma empresa em um paraíso fiscal.
Antes que fosse mal compreendido por seus pares, lembrou que não existe almoço grátis. Defendeu a redução do estado, através das reformas e com privatizações, como condição para as medidas sociais. “Foi a lógica que usamos na pandemia. A gente dava recursos aos governadores, mas exigia que não tivesse aumento de salário”, afirmou.
Acenou ainda aos setores do capital contrários ao golpismo de Bolsonaro, mas que compartilham da agenda de contrarreformas. Repetiu insistentemente que acreditava na democracia, que servia a um presidente “democraticamente eleito”, além de seguidas menções ao STF e a parte da imprensa. A necessidade de exaltar a democracia chamou a atenção na coletiva, assim como o desconforto entre ele e Bolsonaro em um aperto de mão protocolar.
O que o ministro não contou
O que menos se viu foi a preocupação com as 19 milhões de pessoas que passam fome ou com os milhões que estão nesse momento sem o auxílio emergencial. Não é verdade que é possível conciliar o neoliberalismo com o combate à desigualdade e o fim da miséria. A realidade da pandemia, onde os mais ricos aumentaram as fortunas enquanto milhões pioraram sua condição de vida, é um exemplo desse antagonismo. O que o ministro e Bolsonaro propõem são medidas pontuais, insuficientes e que não tocam nos lucros e interesses dos especuladores e grandes empresas. Por exemplo, dar R$ 400,00 para os caminhoneiros parece piada, enquanto se preserva a política de preços (PPI) dos combustíveis da Petrobras, que favorece os acionistas. Não é a toa que os caminhoneiros, que estão parando por conta do preço do diesel, já chamam essa ajuda de “vale-esmola”. O programa de auxílio às famílias, se é necessário e urgente, também é insuficiente, pois não atinge ao menos 17 milhões de pessoas que se encaixavam nos critérios do auxílio-emergencial e que ficarão de fora. Também ficou evidente a falta de políticas integradas, voltadas para que as famílias ascendam socialmente, em um efeito escada.
Sem falar que boa parte do estouro do orçamento e do tal teto de gastos, não virá destas ações sociais, mas de emendas parlamentares, que estão sendo liberadas a todo vapor, para permitir a recomposição da base de apoio do governo, a aprovação da reforma administrativa e a formação dos palanques regionais e alianças para 2022. “Quanto mais próximo da eleição, mais fura teto tem”, reconheceu Guedes na coletiva.
A saída para combater a miséria e ajudar o povo começa por acabar de vez com o teto de gastos, mecanismo criado com o golpe de 2016 para sufocar o estado e impedir o acesso aos direitos sociais. E é possível financiar um programa de auxílio com valor superior ao dos insuficientes R$ 400 que o governo apresenta e que não deixe ninguém de fora. Através de medidas como a taxação das grandes fortunas, impostos sobre lucros e dividendos, e revisão das isenções fiscais, que hoje somam R$ 300 bilhões ao ano. O corte dos gastos com as emendas parlamentares, forma de compra de apoio político, também ajudaria a financiar estas medidas.
Ao mesmo tempo, é necessário enfrentar as causas da inflação, alterando a política de preços da Petrobras e congelando os preços dos itens da cesta básica, junto com uma política de geração de emprego, em setores estratégicos como moradia, educação e saúde, e que faria a economia voltar a crescer de fato. Ao contrário do que Guedes e Bolsonaro pregam, não é possível conciliar o combate à fome e a miséria com a vontade de lucro do andar de cima.
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