Esse texto pretende seguir o diálogo trazido pelo texto do camarada Lucas Marques, “Sobre o encontro de Lula com o Pastor-Sargento”, a partir de reflexões trazidas pela entrevista do presidente Lula para o programa Triangulando no Canal Thelminha.
O texto do camarada aborda muito bem as questões das pautas LGBTQIA+ implicadas por esse encontro entre Lula e o Pastor-Sargento-Deputado. Nossa intenção é apresentar outra perspectiva que fica explicitada na entrevista citada, a saúde mental.
O 10 de outubro, marca o Dia Mundial da Saúde Mental, dia importante para todas, todes e todos que lutam pelos marcos lançados pela Reforma Psiquiátrica, pela luta antimanicomial, pela dignidade para profissionais da saúde e usuários, muitas vezes vítimas da estigmatização, da desumanização, quando não privadas da liberdade, lançadas às ruas. Um dia principalmente em defesa da saúde como direito, defesa da saúde pública e do SUS.
O Pastor-Sargento-Deputado Isidório é responsável pela Fundação Dr. Jesus, Ong que trabalha com “dependentes químicos”, mais uma nas milhares de comunidades terapêuticas espalhadas pelo país, entidades privadas sem fins lucrativos, geralmente religiosas, autorizadas a “tratar” adicção. Isidório ficou conhecido ao apresentar um porrete aos internos da “casa de recuperação” como forma de disciplina.
Um levantamento recente da Agência Pública mostrou que o governo federal pretende destinar até o final de 2020 às comunidades terapêuticas R$ 300 milhões em contratos para as 11 mil vagas de internação em todo o Brasil. A verba é quase o dobro do orçamento anual para as unidades do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que integram o SUS e recebem R$ 158 milhões ao ano. O tratamento oferecido nos Caps, em específico os Caps AD voltados ao atendimento de usuários de drogas, é reconhecido internacionalmente como ideal.
Rui Costa (PT), governador da Bahia, além de aliado do partido de Isidório (AVANTE) é defensor e apoiador da instituição do pastor, e Lula não se furta a elogiar o trabalho de ajudar “drogados” realizado e afirma que pode ser realizado por diversas comunidades religiosas pelo país.
A defesa desse modelo vai na contramão do que apontam todos os estudos sobre como tratar a questão do uso problemático de substâncias psicoativas e da adicção.
Em agosto de 2015, o Ministério da Justiça regulamentou o funcionamento das (CTs) como parte do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). No papel, essas entidades oferecem tratamento, de modo voluntário, aos efeitos nocivos do vício em álcool e drogas e serviriam para ajudar as pessoas a reconstruir suas vidas. Na prática, há muitas denúncias de que as comunidades terapêuticas funcionam como manicômios disfarçados.
Uma fiscalização do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRPSP) realizada em 43 comunidades terapêuticas e clínicas para usuários de drogas no estado entre 2013 e 2015 gerou um dossiê, os resultados trazem à tona graves violações de direitos humanos nas CTs, que vão desde trabalho forçado e participação compulsiva em cultos religiosos a, medicalização excessiva, homofobia, transfobia e estupros. Há também relatos de mortes – quatro nas instituições inspecionadas durante as internações, sendo dois suicídios.
Semíramis Vedovatto, coordenadora da Comissão de Saúde do Conselho Federal de Psicologia e representante da Autarquia no Conselho Nacional de Saúde, contextualiza o surgimento das Comunidades Terapêuticas: “A primeira foi instalada em Goiás, no ano de 1968, já imersa em uma lógica que prevalece até hoje, em que a drogadição é vista como um problema individual e moral, e não da sociedade, com a ideia proibicionista, punitiva e eugenista, de que ‘precisa higienizar’”.
Vedovatto contraria toda essa descrição, começando pela internação voluntária: “algumas CTs inclusive mantêm uma equipe de remoção, que põe camisa de força, dá uma injeção e a pessoa acorda três dias depois já na comunidade. E outras vezes a família obriga, faz chantagem e ameaça. Também há quem aceite a internação para fugir de dívidas com traficantes”.
Essa lógica transforma o doente em produto, objeto de negócio onde o cliente é a família ou o Estado, vimos na CPI da Covid com o caso Prevent Senior o que é transformar o doente em mercadoria. Óbito também é alta!
Não podemos aceitar que o modelo de conciliação de classes de um novo governo Petista siga implementado a política privatista, proselitista e violenta de Bolsonaro e Osmar Terra a quem Isidório rasga elogios.
A frente única precisa ter como ponto de reivindicação inegociável a defesa intransigente da dignidade humana e da saúde pública. O dinheiro público precisa estar no CAPS e não alimentando um sistema de violência e opressão como as comunidades terapêuticas.
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