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BRASIL

Projeto quer acabar com a proteção dos rios: a boiada segue passando

No dia 25 de agosto a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 2.510 de 2019, que reduz a proteção a rios em áreas urbanas. Agora no Senado, o projeto deve ser votado nesta quinta-feira (07/10). Há uma grande pressão de ruralistas e construtoras para que este PL seja aprovado. Entenda os interesses por trás do projeto e os seus impactos ecológicos.

Matheus Hein Souza*, de Porto Alegre, RS
Wikimedia/Andre Silvestri

O Brasil se encontra em plena crise hídrica, que já é a pior dos últimos 90 anos. Esta realidade levanta o debate sobre a ineficiência do atual modelo energético, já que um dos efeitos sentidos diretamente por toda população é o aumento nas contas de luz. Entretanto, outro fator de extrema importância e que já é sentido por muitos brasileiros é a escassez da água —  pela seca ou pela poluição. Nos centros urbanos é comum ver rios cruzando as cidades, mas na sua maioria a condição destes corpos d’água é de profunda deterioração. Seja pelo tratamento inadequado dos esgotos, o lançamento indevido de rejeitos ou o avanço de construções, a poluição dos rios em regiões urbanas é uma realidade presente e grave no Brasil. É esta realidade que o PL 2.510 de 2019 irá agravar radicalmente. 

O Código Florestal vigente estabelece uma regra geral de proteção, mas o PL propõe que esta administração seja transferida para o nível municipal.

Centralmente, o projeto visa alterar o Código Florestal. O atual código estabelece a existência de faixas de proteção às margens dos rios. A depender da largura do rio, as faixas podem ir de 10 a 500 metros. Assim, o Código Florestal vigente estabelece uma regra geral de proteção, mas o PL propõe que esta administração seja transferida para o nível municipal. Com a alteração, caberia aos municípios determinar não apenas a área de proteção, mas também quais projetos possuem impactos negativos aos corpos d’água. Isto é, sem um regramento nacional, ficará a cargo dos interesses de cada gestão municipal definir o que deve e o que não deve ser protegido. Isto, por si só, é grave. 

Basta uma breve olhada nos principais financiadores de campanhas municipais pelo país para verificar que entre os maiores doadores se encontram as construtoras. Os interesses deste setor estão constantemente em violenta contradição com a preservação sócio-ambiental. Um exemplo claro disto é a atual disputa que está ocorrendo em Porto Alegre, onde a prefeitura quer impor transformações no centro da cidade e permitir o avanço de construções sobre o rio Guaíba, principal corpo d’água não só da capital, mas de toda região metropolitana. Com a aprovação de um projeto como o PL 2.510 de 2019, será muito mais fácil passar este tipo de empreendimento.

Além de permitir o avanço na poluição de rios, o PL também abriria margem para a redução, ou até total eliminação, da vegetação que se encontra na beira dos rios. A vegetação que margeia os corpos d’água é crucial para a filtragem da poluição, mas também para a prevenção de inundações. O resultado da destruição destas barreiras naturais pode ocasionar em impactos graves para a população, especialmente aquela que já não conta com grande assistência em situações de desastres ocasionados por eventos extremos. O atual Código Florestal  destaca o caráter crucial das Áreas de Preservação Permanente (APPs), da qual muitas vezes fazem parte estas vegetações próximas aos rios, para a proteção ecológica e da população. A transferência da responsabilidade e estipulação de regramentos aos municípios abre margem para que estas áreas sejam atropeladas pelos interesses econômicos das elites locais.

Ainda no tocante às APPs, o PL prevê a inclusão de irrigação e reservatórios para pecuária como sendo de “utilidade pública”. Na prática, isto irá acelerar o processo de instalação destas infraestruturas em regiões de sensibilidade ecológica e social, sem a necessidade de processos criteriosos de análise ambiental, além de desconsiderar interesses populares ligados aos rios e outros corpos d’água que serão impactados pela instalação de tais estruturas. Um dos pontos mais graves é o barramento de rios para a criação de reservatórios de pecuária. A prática consiste em desviar o curso natural dos rios com propósito da criação dos reservatórios, o que pode ter consequências drásticas na ordem natural da região afetando as espécies nativas, desregulando o balanço ecológico e impactando profundamente o fornecimento de água para a população da região. 

O PL 2.510 de 2019 é mais um passo da boiada que o governo Bolsonaro e sua bancada na Câmara e no Senado querem aprovar. É um projeto que ocasionará um grande impacto nos rios tanto em centros urbanos, quanto em zonas rurais. Impacto que não é só relacionado ao próprio rio ou às espécies que dele vivem, mas às próprias populações humanas que dependem destes corpos d’água para viver. Como tudo que envolve conflitos ambientais, a pecuária e as construtoras estão do lado da destruição e devastação. Precisamos nos colocar radicalmente do lado da preservação e da vida.