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MOVIMENTO

Relato da Greve da GM de São Caetano do Sul

Para poucos o paraíso, para a maioria a luta diária pela sobrevivência

Otávio Mendes*, de São Caetano do Sul, SP
Divulgação/ABCD Jornal

As primeiras horas da segunda-feira 04 de Outubro de 2021 trouxeram à vista duas realidades opostas do Brasil. De um lado revelou-se que o ministro da Economia Paulo Guedes e outros membros da cúpula econômica do governo Bolsonaro mantém investimentos em paraísos fiscais no exterior lucrando milhões com a desvalorização do real, a alta inflação e a disparada do dólar no câmbio. Do outro lado, trabalhadores e trabalhadoras da General Motors de São Caetano do Sul (SCS) reafirmam a greve da campanha salarial para defender a renda que a cada mês está sendo derretida pela inflação do último ano. Esse contraste é só mais um exemplo do abismo de desigualdade social em que o Brasil está em queda livre sob o governo Bolsonaro: enquanto a lista de bilionários brasileiros cresceu em 2020, a sombria situação de fome voltou à de milhões de brasileiros por conta do aumento dos preços dos alimentos e do desemprego. 

A General Motors, dona da marca Chevrolet, foi líder de vendas de automóveis no país nos últimos 5 anos, sendo o Brasil o seu maior mercado fora dos Estados Unidos, além de os carros fabricados por aqui serem também exportados para outros países da América Latina. Apesar de todo histórico altamente lucrativo, a empresa sempre fez jogo duro nas negociações salariais. A planta de São Caetano tem os salários mais baixos em comparação às outras montadoras da região do ABC paulista. Em anos anteriores o dissídio anual sequer corrigiu o INPC do período, com a empresa lançando mão dos “cala-boca” – nome dado ao abono salarial quando o reajuste vinha abaixo da inflação – o que fez com que os salários fossem ficando muito defasados ao longo do tempo.

Atualmente, a fábrica de SCS vem recebendo investimentos na casa dos milhões de dólares para adequar o processo produtivo ao segundo grande lançamento de modelo de carro da marca para a próxima década, assim como para contratação de novos funcionários. Esse cenário que combina a importância da planta para os planos da companhia, baixos salários acumulados e inflação atual corrosiva na renda faz com que a gente não aceite nada menos que o mínimo justo.

A Campanha salarial

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano Sul (Força Sindical) aprovou em Assembleia, em Agosto, a pauta de reivindicações da campanha salarial 2021 que tinha como principais itens: reajuste salarial de INPC + 5%, reformulação da progressão automática salarial, inclusão de vale alimentação, valor da PLR 2022, clausula para funcionários em Home Office. Após 7 reuniões com a empresa nenhum acordo foi estabelecido.

No dia 28/09/21 a empresa apresentou a contraproposta dizendo que o “momento é difícil” e “todos temos que fazer esforços para as operações da empresa continuarem saudáveis”: reajuste apenas do índice INPC a ser pago em Fevereiro de 2022, reajuste de 2022 já condicionado em 50% do INPC futuro a ser pago em Fevereiro de 2023 e retirada da Clausula 42 de estabilidade dos funcionários lesionados e/ou com doenças laborais, entre outros itens. Piada de mau gosto, difícil mesmo está sendo fazer a compra básica do mês no mercado.

Dia 29/09/21 a Assembleia rejeitou esse pacote de maldades e indicou 48hrs para uma nova contraproposta da GM, condicionando qualquer negociação à manutenção total da Clausula 42 de estabilidade.

Dia 0 – Inicio da greve, 01/10/2021, sexta-feira

Após 48hs, muitas fake News rolando no WhatsApp, a GM não abriu mão de discutir a Cláusula 42, e a Assembleia de forma unanime no inicio do 1ºturno decretou a greve. A revolta foi tanta que nem bem terminou a falação do presidente do sindicato o pessoal já foi buscar os pertences pessoais nas seções e foi embora da fábrica. A chefia assistia estarrecida ao nosso sentimento confiante e com “sangue no olho”. A gritaria era geral nos corredores: “É greve, é greve!”

Dia 1 – Início da semana em greve, 04/10/2021, segunda-feira

Na manhã da segunda-feira, a empresa apresentou uma nova proposta: reajuste salarial de 10,42% (valor integral INPC) para pagamento imediato, manutenção da Clausula 42 com ajustes a serem discutidos futuramente assim como a questão do vale alimentação que ficaria sem definição. Mais uma vez o recado da Assembleia foi em alto e bom som rejeitando a nova proposta e mantendo a greve.

Desde 2017, a retirada de direitos trabalhistas esteve na pauta dos governos Temer e Bolsonaro através da aprovação da Reforma Trabalhista. Temos uma situação do país tão crítica, que essa escalada faz com que as empresas não tenham vergonha em propor o fim da estabilidade à funcionários/as que venham se lesionar trabalhando; a ajuda para a compra mensal de mercado se tornou item indispensável para o bem-estar das famílias uma vez que o salário não chega até o final do mês.

Dia 2 – Continuidade da greve, 05/10/2021, terça-feira

Sem nova contraproposta da empresa a greve continua e seguimos animados com a mobilização. A diferença para os dias anteriores é que agora nós nem estamos indo para a seção guardar nossos pertences, só entra na fábrica para bater o ponto e já vai para assembleia sabendo que que a greve vai continuar. A GM se mantém intransigente e deu entrada na justiça do trabalho para declarar a greve ilegal. 

Os companheiros/as da planta de Mogi das Cruzes (produção de peças e componentes de carro) definiram paralisações pontuais durante essa semana em apoio a luta da planta de São Caetano.

Cabe ao sindicato agora, para além da realização de assembleias, apresentar um plano de mobilização e atividades para fortalecimento da greve caso as propostas da empresa ainda estejam abaixo do mínimo digno.

*Eletricista de Manutenção na GM de São Caetano do Sul