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BRASIL

Transporte coletivo em Belém – parte II

Uma contribuição ao Tá Selado.

Por Luiz Henrique*, de Belém, PA
Divulgação / Diário do Transporte

Leia também: Transporte coletivo em Belém – Parte I

É necessário discutir o atual modelo de transporte e seu respectivo financiamento

Temos que ir ao cerne da discussão: qual modelo de transporte nós queremos? Trata-se de um direito a ser usufruído pela população, ou deve continuar a ser uma mercadoria a ser explorada por um punhado de empresários? E em relação ao seu financiamento, é justo o modelo atual? Como melhor financiá-lo? Para responder a essas perguntas, vamos estudar um pouco a lógica que trabalha o sistema e seu respectivo financiamento.

Quem paga a conta?

Hoje, a quase totalidade das receitas das companhias de ônibus advém do pagamento da tarifa pelos usuários. Isso significa que: o valor cobrado dos passageiros deve custear todo o sistema e mais garantir o lucro do empresário. Ou seja, a tarifa deve cobrir: o salário dos rodoviários, o valor gasto com combustível, com a manutenção da frota, com a aquisição de novos veículos, com a depreciação do capital (envelhecimento dos ônibus), e também com a mais-valia extraída pelo patrão.

Esse sistema possui uma série de problemas. Em uma situação pandêmica como estamos vivenciando e de crise econômica, há uma sensível redução do quantitativo de passageiros se transportando por dia. Seja porque estão desempregados e não estão se locomovendo, seja porque estão fazendo as suas atividades de dentro de casa, seja porque o preço da tarifa já é caro e se evita pegar ônibus, ou porque prefere-se outras modalidades de transporte para escapar da aglomeração dos coletivos.

Com a redução dos passageiros, diminui-se a base de custeio no cálculo do valor da tarifa, já que o número total de passagens diminuiu. O resultado é simples: ainda que os custos gerais se mantenham, com a redução do número de passageiros, a consequência lógica é o aumento da tarifa, como forma de compensar a retração da receita. Só que a perversidade se agrava. Afinal, com um valor mais caro, menos pessoas podem utilizar o transporte coletivo, reduz-se novamente o número de passageiros e é preciso incrementar mais uma vez a tarifa, levando a um ciclo de permanente encarecimento.

O sistema de encarar a tarifa como a única fonte de financiamento é simplesmente insustentável. Com a elevação dos custos, vide o preço dos combustíveis, só há duas possibilidades para a patronal manter o seu padrão de lucratividade: ou ela demitirá trabalhadores e diminuirá o número de ônibus nas ruas de Belém (o que já é possível observar), reduzindo, portanto, os custos. Ou pressionará pela elevação do valor da passagem, ampliando a sua receita, a fim de cobrir todas as despesas. De um jeito ou de outro, quem perde é a população.

E o mais interessante de tudo: caso alguma empresa venha a ser multada pela prefeitura pelo péssimo serviço prestado, no final das contas, esse valor será incluso também na planilha e repassado ao consumidor. É um modelo em que só um lado ganha, e o outro (o nosso), aquele que é sempre prejudicado.

O que fazer? Deve a Prefeitura custear parte da tarifa?

Esse modelo, do qual eu vou chamar de modelo “misto” existe em algumas cidades, com o Estado subvencionando parte da passagem. Como funciona: o poder público repassa para as empresas um determinado montante de recursos públicos, esse valor é abatido do cálculo da planilha de custos, e o restante do valor é cobrado em forma de tarifa do usuário do transporte. Na prática, o valor da passagem fica subvencionado pelo Estado.

Não entrarei no mérito se hoje a prefeitura dispõe ou não desses recursos e o quanto poderia aportar em uma situação hipotética. Mas essa forma “mista” de financiamento vem sendo defendida, inclusive por alguns setores da esquerda. Apontarei alguns dos problemas que esse modelo traz. O primeiro deles é, como já demonstrado no texto I, que a planilha de custos apresentada pela patronal é mentirosa, não tendo como o poder público se orientar por um documento eivado de vícios e erros conscientes ou inconscientes.

O segundo é que mesmo o Estado repassando os recursos para a iniciativa privada, em nada garante que as empresas efetivamente prestarão o devido serviço. É comum os empresários encararem como um valor já fixo que eles recebem, e com a tarifa e o serviço vão pra complementar os custos e garantir o seu lucro. Em matéria recente, divulgada pela imprensa, constatou-se que a Prefeitura de São Paulo pagou R$ 677 milhões para as empresas de ônibus na pandemia, enquanto as mesmas mantinham seus veículos parados nas garagens, e a população continuava sofrendo com ônibus superlotados no seu dia a dia, correndo sério risco de infecção pelo coronavírus.

Ou seja, na prática torna-se uma mera transferência de recursos públicos para entes privados, os quais mantendo a perspectiva de mercadoria do sistema e na busca do lucro, podem a seu bel prazer manter os ônibus nas garagens, reduzindo a oferta de veículos por linha, mantém salários rebaixados para seus trabalhadores, e continuarão buscando, sempre que possível, fazer aumentos na tarifa, a fim de acrescer a sua margem de lucro.

Apesar de na aparência, parecer ser algo bom, o estado subvencionando parte da tarifa, na prática com o decorrer do tempo, torna-se mera apropriação do dinheiro público pelo empresariado, e a perpetuação de um serviço ruim com um preço de passagem elevado para a população. Não se configurando assim, como uma saída de fundo para os problemas da população.

Qual a alternativa?

Se tanto o modelo atual de financiamento integral com as tarifas, quanto o modelo de subvenção parcial por parte do poder público não respondem às necessidades dos belenenses, é preciso apontar a saída. Se quisermos ter um transporte realmente público que tenha qualidade, com uma tarifa justa e por um preço baixo é preciso que comece-se a visualizar o transporte coletivo como um direito dos cidadãos, e não como uma mercadoria, retirando o sistema da mão dos empresários de ônibus, e o poder público passando diretamente a geri-lo.

De maneira imediata, já observa-se possibilidades concretas de redução da tarifa. Retirando o componente do lucro do empresário que a integra e que todos nós pagamos. Mas principalmente, pela organização do sistema que hoje funciona de maneira irracional. Afinal, para os capitalistas, quanto mais desorganizado e caótico for o sistema, melhor para lucrar, e quanto mais planificado e planejado, pior para os donos das empresas de ônibus.

Nesse sentido, podendo a Prefeitura avançar para organizar e oferecer diretamente o serviço, por meio de uma companhia pública de transporte, mais próximo estaremos de ter um sistema que funcione em benefício da população, e não do lucro dos empresários. Um sistema de transporte público estatal também permite que se abra a discussão do financiamento, a partir das contribuições do próprio orçamento de Municípios da região metropolitana e do Estado.

Se hoje, a educação, e a saúde públicas são vistas como um direito para a população, o transporte pode também ser encarado da mesma maneira (inclusive já é previsto no rol dos direitos sociais no art. 6° da Constituição Federal). Com investimento público, a depender das possibilidades orçamentárias, poderemos ter uma tarifa mais barata da que temos hoje com um serviço melhor, ou até mesmo um transporte gratuito com passe livre para toda a população.

É necessário que um governo de esquerda abra essa discussão com todo o povo belenense que democraticamente o elegeu. O que não podemos aceitar é ser extorquidos diariamente, pagando uma tarifa abusiva para usar um péssimo serviço oferecido pelos empresários do transporte.

*Luiz Henrique é da Coordenação Nacional do Afronte!, e Conselheiro do bairro do Marco pelo Tá Selado.