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Lula, a luta e Lampedusa: um comentário sobre os últimos atos do Fora Bolsonaro

Cena do filme O Leopardo, inspirado no romance histórico do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa.

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Lula e o PT evidenciam a cada dia que, a depender de sua vontade, tudo ficaria como está até outubro de 2022, já que, para eles, não só o único caminho para a derrota de Bolsonaro é o próximo pleito, como também, pelo desenrolar da conjuntura, o cenário eleitoral perfeito para o escrutínio já estaria dado hoje. Chegou cedo demais, por assim dizer. Se pudessem – não duvidem – Lula e o PT congelariam o processo político, de modo que a atual situação se mantivesse literalmente a mesma quando as páginas do calendário já estivessem em outubro do próximo ano.

Como, entretanto, tal freezer social não existe, e como entre este e o próximo outubro muitas heráclitas águas ainda vão rolar – e muitas covas ainda teremos que cavar – a opção das lideranças majoritárias da esquerda parece ser manter uma certa regularidade dos atos de rua, com vistas a mostrar a sua força enquanto oposição de esquerda, ao mesmo tempo em que procura tirar do horizonte dos próprios atos a derrubada de Bolsonaro. Os atos, assim, mantendo sua periodicidade e público, com algumas oscilações, acabam se convertendo em atos eleitorais antecipados, a ponto de até mesmo parte da juventude neles presente já vestir camisetas e outros adereços com os dizeres “Lula 2002” – e o fato de que as indumentárias tenham também versões retrô com a imagem do Lula operário de outrora não muda muito a coisa, ainda que a deixe mais atrativa para dirigentes de DCEs e frequentadores da São Salvador.

Ocorre que, em função da capacidade de convocação do movimento sindical não ir muito além das bases do funcionalismo público e dos vetustos sedentários dos seus próprios aparatos burocráticos, e de somente Lula ter potencial de transformar os atos em verdadeiros atos de massa, curiosa e paradoxalmente a única maneira desses atos adquirirem o perfil desejado por Lula é ele próprio não ir aos mesmos, sob pena de enchê-los demais – e, assim, talvez, gerar animação demais, possibilidades demais. Desse modo, temos atos eleitorais em que o seu candidato, o candidato dos atos, não comparece a eles, de modo que, sem sua atrativa presença lá, tudo fique mais ou menos como está, para que então, só daqui a um ano, as coisas possam, quem sabe, ter uma chance de mudar.

Enquanto isso, claro, o candidato dos atos, o nosso candidato – e isso já não dá pra mudar, se quisermos ganhar – busca novamente se aproximar daqueles que sabem que, à maneira de Lampedusa, tudo deve mudar para que tudo fique mais ou menos como está.