Pular para o conteúdo
Colunas

Cinco lições do Congresso do PSOL

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Quando um não quer, dois não brigam.
Quem com ferro fere, com ferro será ferido.
Sabedoria popular portuguesa

1 – Derrotar Bolsonaro

O PSol saiu fortalecido do seu Congresso, meio aos trancos e barrancos, mas inteiro. Há maioria e minoria, o que é normal. Congressos devem ser as reuniões mais importantes para um partido. Previsivelmente, são muito polêmicos. No PSol as controvérsias são públicas, e a democracia interna quase caótica. Infelizmente, a esquerda ainda precisa aprender a se proteger do ambiente tóxico de ofensas e escrachos que encontramos, às vezes, nas redes sociais. Este Congresso foi o primeiro depois do traumático assassinato de Marielle e Anderson. Sangue de lutadores foi derramado, o que nos obriga a sermos melhores. O centro de um Congresso é avaliar a orientação geral e eleger a direção, ou seja, balanço e perspectivas. O último Congresso do PSol foi no final de 2017. Nesse intervalo, se consolidou a situação reacionária no Brasil aberta pelo impeachment de 2016, foram votadas a reforma trabalhista e a lei do Teto de Gastos, Marielle Franco foi assassinada, Lula foi preso, Bolsonaro chegou à presidência pelo voto, uma nova contrarreforma da previdência aprovada, privatizada a Eletrobrás, Pantanal e Amazônia incendiaram como nunca, terras indígenas foram invadidas por mineradores de garimpos clandestinos, liberada e incentivada a venda de armas, se abateu sobre o povo um cataclismo humanitário que sacrificou seiscentas mil vidas na pandemia, e muito mais. O governo da extrema-direita veio se desgastando de forma ininterrupta, mas lenta e Bolsonaro foi capaz de levar centenas de milhares às ruas no último 7 de setembro, o que confirma que ainda não foi derrotado. A decisão central do Congresso do PSol de 2021 se resume em uma ideia: o PSol quer ser um instrumento útil para unir a esquerda para derrubar Bolsonaro, aqui e agora, nas ruas e, se o impeachment não for aprovado, nas eleições. Nada é mais importante. A aposta da maioria da esquerda anticapitalista que se organiza no PSol é que esta localização no interior da Frente Única não diminui o PSol. Ao contrário, agiganta o PSol diante dos setores mais avançados e, politicamente, ativos do povo pobre que percebem o PSol como uma ferramenta revolucionária séria.

2 – PSol mais forte porque fez um giro

Mas, evidentemente, esse processo não poderia ter sido indolor. O PSol foi desde sua fundação oposição aos governos do PT. A nova situação política após o golpe institucional de 2016 levou o PT para a oposição. A tarefa central da etapa, a luta para derrotar os neofascistas, passou a exigir uma relocalização do PSol ao lado do PT em uma Frente Única de Esquerda. Um giro abrupto era necessário. Giros produzem divisões. Na preparação do Congresso que reuniu cinco mil militantes em plenárias virtuais, e mais de cinquenta mil filiados em votações presenciais, as divisões eram incontornáveis. O PSol é hoje, surpreendentemente, maior do que era antes de 2016. Depois de tantas derrotas acumuladas, que disseminaram desalento e insegurança até na vanguarda mais lutadora, seria previsível que um partido com impulso revolucionário como o PSol tivesse diminuído sua influência. Ideias radicais são menos convincentes em conjunturas defensivas. Paradoxalmente, mesmo considerando as enormes dificuldades das lutas, o PSol é hoje, de forma incontroversa, mais forte do que nunca. Aumentou o respeito entre os trabalhadores, a audiência nos movimentos feministas, negros e LGBT’s, o apoio na juventude e nos movimentos indígenas e ambientalistas, a simpatia entre artistas e intelectuais, e Boulos é a liderança de esquerda com maior autoridade, depois de Lula, o que é algo imenso. A relação política de forças entre o PSol e o PT mudou, ainda que o partido de Lula seja majoritário. O Psol é um partido com influência de massas, ainda que minoritária. Como explicar este crescimento, senão como a confirmação de uma linha política?

3 – O Congresso não foi um “armagedon”

O debate foi áspero, porque há diferenças, realmente, importantes de avaliação da situação brasileira. Ela não se reduz à questão de lançamento de candidatura própria em 2022. Afinal, como há um acordo que o PSol deve votar em Lula em um possível segundo turno, a decisão sobre o voto no primeiro turno devia ser encarada como tática, não a dramatização de um “armagedon”, a luta final do “bem contra o mal”. As diferenças são mais graves. Mas ao contrário do que foi, levianamente, agitado elas não dizem respeito a negociações secretas imaginárias com a direção do PT para uma possível participação em um governo Lula, uma acusação, simplesmente, falsa. Elas remetem a uma avaliação de como lutar contra Bolsonaro, portanto, se ele é ou não é um neofascista. Três táticas dividiram o PSol nos últimos anos: (a) a quietista na linha de “não provocar” e esperar as eleições de 2022 e apoio à formação de uma Frente Ampla “até doer”, sacrificando a independência de classe; (b) a da ofensiva permanente na linha de ações “exemplares”, priorizando, curiosamente, a unidade na ação com a oposição liberal no lugar da Frente Única de classe, e transformando uma candidatura própria como estratégia; (c) a da Frente Única de Esquerda nas lutas e nas eleições. Infelizmente, não foi possível evitar a ruptura de Marcelo Freixo, porque ele decidiu apostar na linha da construção de uma Frente Ampla com partidos da oposição liberal. Mas, ocorreram, também, excessos da principal corrente de oposição interna que dramatizou, de forma exaltada e irascível, que o destino do PSol estaria em perigo de vida ou morte, um espantalho para justificar a manutenção da pré-candidatura de Glauber Braga, que é um direito, mas, também, uma linha de fração pública.

4 – Uma nova maioria se consolidou

As duas principais decisões do Congresso do PSol deste ultimo fim de semana foram: (a) o referendo da orientação dos últimos cinco anos e a defesa da tática da Frente Única de Esquerda; (b) a consolidação de uma nova maioria na direção com a integração da corrente animada pelo MTST, a Revolução Solidária, e do campo Psol Semente, que articula a Resistência, Insurgência e Subverta, além de coletivos regionais. Mas era inescapável um balanço.

(a)    A localização na denúncia do golpe do impeachment desde 2016, denunciando Sergio Moro e a operação reacionária para criminalizar a direção do PT, em oposição a uma neutralidade “técnica” diante da LavaJato;

(b)   a localização na campanha Lula Livre, preservando a independência do PSol e a defesa de seu balanço crítico dos erros dos governos do PT, em oposição à indiferença diante da prisão de Lula;

(c)    a iniciativa da Aliança com o MTST e a Apib e o lançamento da candidatura de Boulos/Sonia Guajajara, que impulsionaram a duplicação da bancada de deputados federais, em oposição ao lançamento de uma candidatura de um intelectual de esquerda;

(d)   a defesa da denúncia de Bolsonaro como o inimigo político central no primeiro turno da campanha eleitoral de 2018; o impulso da mobilização articulada pelos movimentos feministas pelo #elenão e a campanha Viravoto no segundo turno.

(e)    a linha da campanha eleitoral municipal de 2020, centrada na luta para retirar a extrema-direita do segundo turno, uma localização chave para a vitória eleitoral em Belém e para levar a campanha Boulos/Erundina para o segundo turno em São Paulo, além da eleição de vereadoras mulheres, negras e trans, além de lutadores sociais populares.

(f)    a iniciativa da campanha Fora Bolsonaro e a constituição de uma Frente Única dos movimentos sindicais e populares, de mulheres e negros, estudantis e ambientais, com os partidos de esquerda para organizar a resistência. A iniciativa da defesa do retorno às ruas, em plena pandemia, primeiro com as torcidas organizadas, em 2020, depois em 2021, sustentando a convocação da Coalizão Negra por Direitos no 13 de maio, abrindo o caminho para os Atos de massas, a partir do 29 de maio. A iniciativa parlamentar de organizar um pedido unificado de impeachment com os partidos de esquerda na Câmara dos Deputados.

5 – Quem não sabe contra quem luta não pode vencer

Temos um inimigo. Bolsonaro é um neofascista e estará disposto a tudo para permanecer no poder, ainda mais quando se sente acossado pelo perigo de ser investigado e ir a julgamento. Existe uma disputa na esquerda por influência entre o PSol e o PT, e ela é legítima. Mas ela acontece em um patamar, completamente, distinto. Além disso, o tempo tem a mesma importância na política que na vida. Cada dia tem a sua agonia. Os tempos se aceleram, em certas circunstâncias. Uma tática política deve responder sempre às conjunturas, não a possíveis situações futuras, muito menos a projeções de pesquisas eleitorais com um ano de antecedência. A antecipação do lugar do PSol como oposição de esquerda a um possível futuro governo Lula não pode ser a nossa preocupação “número um”. Derrotar Bolsonaro, sim. Lula não era favorito contra FHC, em 1994, até seis meses antes das eleições e não foi, implacavelmente, derrotado no primeiro turno? Ponderemos as consequências irreparáveis que esta derrota teve. Quem pode prever hoje qual será a força de Bolsonaro em 2022? Quem pensa que o PSol pode apresentar, alegremente, candidato próprio, e fazer campanha durante um ano, numa linha “nem Bolsonaro, nem Lula”, e depois, diante do perigo do abismo, fazer a curva na véspera das eleições e retirar a candidatura, já considerou, seriamente, que esse movimento não é possível? O argumento que esgrime a ideia que Lula não precisa do PSol para derrotar Bolsonaro no primeiro turno, mas admite o apoio no segundo turno, não está desconsiderando incontáveis imponderáveis? Ao definir que o Psol deve defender que se constitua uma mesa de esquerda para discutir um programa comum e definir um arco de alianças para o primeiro turno das eleições presidenciais, o Congresso do PSol não decidiu autorizar negociações para a possível participação em um governo do PT. O que será um governo do PT, se Lula vencer as eleições, não foi um tema no Congresso do PSol. Mas, de forma responsável, o Congresso votou, preventivamente, uma resolução que estabelece os critérios que preservam a independência de classe. O perigo que nos ameaça não é sucumbir diante do PT. O nome do perigo é Bolsonaro.

Marcado como:
psol