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MOVIMENTO

7º Congresso do PSOL: as polêmicas e um passo à frente na luta contra Bolsonaro

Deborah Cavalcante*, de São Paulo, SP

Em 26 e 27 de Setembro de 2021, o 7º Congresso do PSOL reuniu 402 delegados(as) de forma online. Votaram 51 mil pessoas, o dobro do congresso anterior. Portanto, parte do melhor do ativismo brasileiro foi às urnas para eleger teses que foram ao debate nos Congressos Estaduais e Nacional.

Há dois grandes blocos no interior do partido. De um lado, o bloco do “PSOL de Todas as Lutas”, formado pela unidade de dois campos: o PSOL Semente, formado pela Resistência [1], Insurgência [2], Subverta [3], Maloka Socialista [4], Viva o PSOL [5] e Carmen Portinho [6], além de militância independente [7] e o PSOL Popular, formado por Primavera Socialista (maior corrente que indicou o novo Presidente, Juliano Medeiros) e Revolução Solidária (corrente de Guilherme Boulos e MTST). O PSOL de Todas as Lutas contou com 228 delegados, sendo 61 do PSOL Semente e 167 do PSOL Popular.

De outro lado, o autointitulado bloco da “oposição de esquerda”, que reúne o MES (corrente da Luciana Genro), Comuna (corrente de João Machado), APS, Fortalecer, CST, LS (as duas últimas seções da UIT-CI) e correntes locais. Todo esse bloco reuniu 173 delegados. Quem se portou de forma independente aos dois blocos foi a LSR, seção brasileira da ASI, que possuía 1 delegado e não lançou chapa à direção nacional. 

Os dois blocos se formaram especialmente em 3 momentos: 1) Em 2016 diante da das mobilizações massivas das direitas em favor do golpe institucional contra o PT, quando a maioria do PSOL se colocou contra o golpe e denunciando a lava-jato (o oposto da minoria); 2)  Em 2018, quando a maioria investiu na relação com MTST (movimento dos trabalhadores sem teto) e APIB (movimento indígena), dois movimentos sociais de peso, para uma chapa do PSOL à Presidência, rumo a um processo de reorganização da esquerda. Com a campanha de Boulos e Guajajara, o PSOL acumulou forças para intervir nas manifestações Ele Não, dobrar sua bancada parlamentar e apoiar o movimento vira-voto no 2º turno, pedindo voto ao PT contra Bolsonaro; 3) Após a vitória do Bolsonaro e assassinato da Marielle Franco, com ameaças de prisão e morte à lideranças dos movimentos sociais como Stédile e Boulos, estivemos em favor da Frente Única, que se expressou em dois grandes pedidos de impeachment unificados (um dos partidos de esquerda e um em caráter de unidade de ação), nas mobilizações do Tsunami da Educação (primeira grande manifestação contra o governo) e, após o início da pandemia, no apoio ao primeiro protesto convocado pela Coalização Negra para, em seguida, constituir a Campanha Nacional Fora Bolsonaro, responsável pela convocatória dos grandes atos que a esquerda construiu pelo Fora Bolsonaro. Durante a pandemia, também se organizou enormes campanhas de solidariedade contra a fome, tendo destaque as Cozinhas Solidárias do MTST, as mais de 20 toneladas de alimentos distribuídas em campanhas, em que a Resistência fez parte e a participação na campanha “Tem Gente com Fome”.

Uma nova maioria foi formada neste Congresso com o PSOL de todas as lutas. Essa maioria é plural e terá grandes responsabilidades. A tese Nacional do PSOL Semente [8] tem um papel decisivo. Com 61 delegados  (15% do total), apresentamos uma visão internacionalista e consequente com a realidade brasileira, influenciando decisivamente nas vitórias obtidas no Congresso. 

A primeira armação política do Congresso é unitária e imediata: a reafirmação de que o PSOL não espera as eleições de 2022 para livrar o Brasil de Bolsonaro. Como mínimo, lutamos para que Bolsonaro não chegue politicamente vivo nas eleições de 2022. Derrotá-lo pela força das ruas, onde dedicamos nossas energias por ora, abriria as portas para uma mudança qualitativa na relação de forças. 

Mas o PSOL não se basta. É um partido minoritário (mas em ascensão) no interior da classe trabalhadora. Não teria como operar por si as lutas proletárias brasileiras. A entrada do MTST, nesse terreno, expressa uma enorme vitória, pois este é um dos movimentos sociais mais importantes no Brasil pelo tamanho de sua base, pela capacidade de organizar uma massa trabalhadora precarizada e pela radicalidade na ação. Na semana que antecedeu o Congresso do PSOL, o MTST ocupou a bolsa de valores de São Paulo para denunciar a fome e a inflação. 

Passo a informar as polêmicas do Congresso e seus resultados.

A primeira polêmica: Bolsonaro não derreteu

Havia no congresso uma polêmica a respeito da força do Bolsonaro, da sua capacidade de ação e reação. O bloco de oposição, embora diverso, apresentou uma visão que variava entre considerar Bolsonaro fora do jogo, como um governo que já derreteu, até considerar que a extrema-direita e o bolsonarismo certamente serão derrotados em um 2º turno das eleições de 2022 e, portanto, o PSOL teria um papel menor diante da derrota “já anunciada” do governo nas eleições, devendo preferir a sua auto-construção.

O PSOL Semente defendeu outra visão que, por força da unidade no bloco do PSOL de todas as lutas, foi vitoriosa. Com 57% dos votos (contra 42% da minoria), aprovou-se  a centralidade na defesa do Fora Bolsonaro e na luta de rua pelo impeachment

Não consideramos que Bolsonaro já derreteu ou há um caminho natural pré-determinado para sua derrota política e eleitoral. Nos atos governistas e golpistas de 07 de setembro, Bolsonaro levou centenas de milhares às ruas. Ainda que limitado à sua base mais fiel, o ato foi maior que o da oposição. Tudo para sobreviver e chegar em condições de disputar as eleições de 2002, pois caso não seja possível vencer as eleições, pretende acumular forças para uma aventura golpista a exemplo da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Bolsonaro já avisou que não aceitará pacificamente uma derrota eleitoral, seguindo o mesmo script de Trump com o discurso de fraude. Neste momento, não há condições para um golpe clássico, pois nem as Forças Armadas e nem a maioria das PMs sinalizaram que estariam dando suporte a um golpe ou provocação do tipo ocupação do STF. Porém, não descartamos o cenário de que Bolsonaro tente uma ação golpista mais à frente – antes, durante ou depois das eleições – caso consiga reunir condições para isso. Essa possibilidade por si só representa um elemento de destacada gravidade na atual situação.

A segunda polêmica: Frente Única e unidade de ação

A Resistência e o PSOL Semente se mantiveram firmes na defesa da Frente Única como a primeira tática para enfrentar a extrema-direita, pois sem a unidade não é possível derrubar o governo. Apostamos em construir a Campanha Nacional “Fora Bolsonaro” com centrais sindicais, movimentos populares e juventude que reúne PSOL, PT, PCdoB, PSTU e PCB. A partir dessa localização, todos os grandes atos nacionais da esquerda pelo impeachment foram convocados e massificados. Guilherme Boulos foi inquestionavelmente um dos principais porta-vozes da convocatória destas mobilizações.

Já a oposição de direita ao governo organizou um ato nacional, que foi o menor de todos. Estão espremidos e sofrendo as consequências de adotarem uma postura golpista no período anterior, abrindo alas para a eleição de Bolsonaro. Ainda assim, defendemos iniciativas de unidade de ação, para ampliar a luta pelo impeachment.

O bloco da oposição no PSOL é contrário à visão da Frente Única e construiu uma frente própria, “Povo na Rua” com a minoria do PSOL, UP e apoio do PCB, para a partir do lado de fora da campanha Fora Bolsonaro influenciar na unidade de ação com a burguesia pelo impeachment.

O Congresso do PSOL aprovou sua prioridade na Campanha Fora Bolsonaro e dentro dela a Frente Povo Sem Medo. Por dentro da Frente Única, lutamos contra o quietismo e o divisionismo. Lutaremos para ampliar as mobilizações em caráter de unidade de ação. Essa é a resposta fundamental a uma etapa de retrocessos em todos os níveis: econômico, social e político, o que se agrava com a pandemia do novo coronavírus. 

A terceira polêmica: frente de esquerda em 2022

A Resistência defende que o PSOL, caso Bolsonaro permaneça como um vetor de polarização política (cenário mais provável hoje), faça uma Frente das Esquerdas, sem a burguesia, onde o PSOL possa ter um perfil próprio, expressando seu papel como a ala da esquerda radical. Isso porque a hipótese do PSOL não ser um componente ativo da derrota (nas ruas ou mesmo em termos eleitorais) seria um desastre completo. Sendo a eleição uma tática (não qualquer uma, mas uma tática), a existência de uma extrema-direita com peso de massas não pode passar impune ao PSOL.

Nesse sentido, o Congresso (com 56% dos votos) autorizou a sua direção a iniciar diálogos formais com as esquerdas a respeito de uma possível frente eleitoral nacional em 2022. A decisão final sobre a tática eleitoral do PSOL será tomada em abril do próximo ano na Conferência Eleitoral. Há muita água para rolar.

Tal diálogo passa pelo programa e não pode ser uma via de mão única. O Congresso aprovou que são pontos de partida programáticos a revogação de medidas e contrarreformas pós-golpe de 2016, a defesa da mudança do modelo econômico, na retomada dos direitos trabalhistas e previdenciários, na proteção das empresas públicas e do funcionalismo, na ampliação de investimentos nas áreas sociais, na retomada das políticas de proteção ambiental, no fim do desmatamento, na demarcação das terras indígenas.

Portanto, o PSOL não irá lançar pré-candidatura à Presidência. Caso a minoria continue a avançar com as atividades de pré-candidatura, não o fará com o aval do Congresso.

A minoria afirma que é possível apoiar Lula e o PT em um 2º turno. Mais uma vez, a minoria negligencia o papel que pode cumprir Bolsonaro. Ainda que a reprovação do governo alcance maiorias sociais, esta maioria ainda não conseguiu traduzir-se em rebeliões populares com força para forçar a aprovação do impeachment. Tudo indica que ele irá às eleições como o nome mais forte da direita, a partir de um governo que ainda unifica parcelas do capital, das classes médias proprietárias, igrejas fundamentalistas, aparatos militares e possui apoio numa base de massas precarizada.

Evidente que isso é possível, mas acreditamos que o espaço político para apresentar uma campanha por fora da campanha entendida pelas amplas massas como sendo de esquerda, que muito provavelmente tomará forma de uma campanha-movimento, com ampla mobilização do ativismo que quer derrubar Bolsonaro, colocaria o PSOL em um verdadeiro choque com o melhor da sociedade brasileira. Teremos diversas candidaturas pelo país marcando o perfil do PSOL e precisamos de uma movimentação pública de pressão e exigências ao Lula, ao PT e à toda a esquerda, em torno à composição e ao programa da Frente.

A unidade de uma Frente Eleitoral não significa necessariamente um mero adesismo. A unidade que propomos vem acompanhada de enfrentamento de programa que possa denunciar os mais de 600 mil mortos, apresentar medidas anticapitalistas aos mais de 14 milhões de desempregados e 15 milhões de pessoas em situação de fome. .frente de esquerda com medidas anticapitalistas, perfil próprio do PSOL dentro da frente de esquerda. Tampouco, significa compor governos. Caso Lula seja eleito e, caso convide o PSOL a participar de seu governo, é o Diretório Nacional quem decidirá sobre o assunto. Neste caso, não há qualquer dúvida sobre a posição da Resistência ou do PSOL Semente: não participamos de governos com a burguesia.

A quarta polêmica: defesa da independência de classe

Por força do PSOL Semente, com apoio do PSOL Popular, o congresso aprovou duas medidas decisivas para preservar sua natureza classista. A primeira sobre não participar de  governos de conciliação de classes:

“Reafirmar a posição de não participar e não orientar a participação em governos de partidos de direita ou que promovam ataques às trabalhadoras e trabalhadores e reproduzam a agenda liberal/conservadora e/ou aspectos autoritários.” (trecho da resolução aprovada)

Essa resolução não foi unitária, porque a minoria apresentou uma resolução que versa exclusivamente sobre um “eventual governo Lula” que, como todos sabem, não foi lançado, nem anunciou sua vice ou seu arco de alianças e muito menos tomou posse. Nesse sentido, a minoria optou por demarcar com um governo ainda não firmado, ao invés de aprovar uma resolução de critérios políticos que pudesse inclusive apoiar a discussão nos municípios onde o PSOL é convocado a participar de prefeituras em que há presença da direita ou mesmo da extrema-direita.

Ademais, o PSOL aprovou uma resolução contrária ao recebimento de financiamento privado de campanha, de banqueiros, empreiteiras, agroindústria, mineradoras ou multinacionais. Essa sim foi uma resolução consensual. Um grande passo para o PSOL.

Há métodos inaceitáveis na disputa

Não toleramos o método da chantagem, da intimidação, da falsificação de posições ou do escracho a quadros e militantes. Repudiamos as práticas nesse sentido do MES – que parece não saber mais a diferença da luta de ideias entre revolucionários e inimigos de classe.

A informação de que existe uma negociação secreta da maioria do PSOL, inclusive a Resistência, com Lula e o PT para compor cargos em um eventual governo é uma calúnia política grave. Espantalhos e mentiras no debate político são nefastos. Esperamos que após o Congresso, esses companheiros parem de usar este expediente.

Conclusões

O PSOL permanece um partido da classe trabalhadora. Onde houver ataques à nossa classe, a bandeira do PSOL deve estar fincada na oposição. Manter a firmeza diante das pressões será decisivo e este é o papel do campo PSOL Semente.

O PSOL é um partido democrático, inclusive, convivem frações públicas.  Isso não diminui o PSOL, pelo contrário, na medida em que os tempos em que vivemos indicam que a esquerda radical necessita de pluralidade e elasticidade política.

A Resistência, organização com centenas de militantes que atuam no movimento sindical, de juventude, feminista, negro e LGBTQIA+, obteve uma grande vitória. Em sua primeira experiência em Congressos do PSOL, tornou-se a 4ª maior força política, elegendo 31 delegados (7,5%), assumindo a presidência do PSOL em Minas Gerais e mais de 10 cidades.

O PSOL continua a ser um dos principais partidos anticapitalistas em nível mundial. Acaba de se consolidar uma nova maioria, plural, onde o PSOL Semente e correntes trotskistas têm grande peso.

O futuro da esquerda brasileira e o papel do PSOL rumo à reorganização passa por ser uma organização política útil na derrota de Bolsonaro. O 7º Congresso do PSOL deu um passo importante nesse sentido. Remamos firmes.

*Deborah Cavalcante é advogada, mestre em Ciência Política pela UNICAMP e membra da direção nacional da Resistência/PSOL.

NOTAS

[1] Resistência é a organização de Valério Arcary, intelectual, e vereadores(as) Silvia Ferraro, Paula Nunes, Dafne Sena, Carolina Iara, Matheus Gomes, Talia Sobral e Iza Lourença e centenas de militantes no movimento sindical, estudantil e popular.

[2] Insurgência é a organização de Fernando Silva “Tostão”, Ana Cristina, Renato Roseno e Dani Monteiro, deputados estaduais. É seção da IV Internacional

[3] Subverta é a organização de Talíria Petrone, deputada federal, e Flávio Serafini, deputado estadual. É seção da IV Internacional.

[4] Maloka Socialista é uma organização de São Paulo e Minas Gerais, do Erick Ovelha, co-vereador em SP.

[5] Grupo local de Pernambuco, de Ivan Moraes, vereador.

[6] Grupo local do Rio de Janeiro.

[7] Essa tese foi defendida por referências como Mônica Francisco e Érika Malunguinho, deputadas estaduais e Tarcísio Motta, vereador

[8] A tese completa pode ser lida em: https://psolsemente.org/

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