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BRASIL

Transporte coletivo em Belém – Parte I

É preciso abrir as planilhas das empresas de ônibus

Luiz Henrique*, de Belém (PA)
Foto: Wagner Almeida / Sejudh

(Esse é o primeiro texto de uma série sobre transporte público da capital. Uma contribuição ao Tá Selado)

Nós, belenenses, passamos as últimas 24 horas estarrecidos. Na quarta-feira, 22, o sindicato das empresas de ônibus (SETRANSBEL) apresentou uma proposta de aumento da tarifa simplesmente indecorosa: elevar de R$ 3,60 para R$ 4,87 o valor da passagem. Não é pra menos que um clima de revolta tenha tomado conta das redes sociais e da população que precisa de ônibus diariamente para se locomover.

Afinal, se considerarmos a realidade socioeconômica da população, a qual amarga elevados índices de desemprego e informalidade, e o serviço caro e ineficiente que pagamos, a conta evidentemente, não fecha.

Entrando no problema

O transporte da nossa cidade é simplesmente um caos. Os ônibus são superlotados em horário de pico, o trânsito é insuportável no centro e nos pontos de maior fluxo e não há qualquer racionalidade na organização do sistema. Contribuindo com esse cenário, as linhas de ônibus possuem horários irregulares, inexiste controle por parte do poder público para que as empresas cumpram o número de coletivos determinados e o cronograma de circulação. E isto, sem contar o péssimo estado da frota, com muitos ônibus velhos, sujos, com baratas e sem manutenção. Praticamente um mês sim e outro não, há um ônibus pegando fogo nas ruas de Belém.

Para completar o quadro, torrou-se milhões em dinheiro público, desde 2012, para a construção das vias expressas do BRT, enfrentamos anos de obras e um trânsito torturante para ter um sistema que nunca funcionou na prática. Sendo na verdade, uma linha expressa, com frequência irregular e com baixo nível de integração com o restante do transporte público. Não é por acaso, que dentro do Fórum de Participação Popular, o “Tá Selado”, a demanda que mais apareceu, quando da realização das plenárias nos bairros da cidade, foi a questão da mobilidade e transporte com o total de 57 citações, conforme tabela constante no Plano Plurianual (PPA).

A ausência de políticas públicas

Nos últimos 16 anos, tivemos como prefeitos Duciomar Costa (PTB) e Zenaldo Coutinho (PSDB), os quais deixaram como legado um sistema completamente em crise. Belém seguiu crescendo em número de habitantes e a cidade se expandindo, mas não houve políticas públicas que acompanhassem as novas demandas que vinham surgindo. A única política foi o inoperante BRT, como já dito acima.

Os dois prefeitos de direita, ligados aos interesses empresariais nunca buscaram realmente investir no transporte coletivo da nossa cidade. Obedecendo a lógica do capital, sempre se privilegiou o transporte de automóvel particular, e os pobres que se virassem com um sistema coletivo que foi se desenvolvendo na forma de mercadoria, ou seja, com a população pagando o preço pela compra do serviço e também arcando com o polpudo lucro do empresário.

Vale ressaltar que durante a maior parte desse período, era liberado na política brasileira o financiamento privado de campanhas eleitorais. Não por acaso, os empresários de ônibus eram doadores assíduos de campanhas de prefeitos e vereadores. Depois de eleitos, a fatura era cobrada em troca da defesa de seus interesses. Assim, formava-se uma associação perversa entre prefeito, vereadores e empresários para massacrar a população.

Os donos das empresas de ônibus são profundamente mentirosos

Todo o ano era a mesma ladainha, diziam que os custos não estavam dando, que era preciso aumentar o valor da passagem, mas em troca o usuário seria beneficiado com melhorias no transporte e com 30% da frota com condicionador de ar. Bom, depois de todos esse tempo, não apareceu nem uma coisa nem outra. Os ônibus continuam as mesmas latas velhas de sempre, e o ar condicionado é uma piada de mau gosto. Ninguém mais acredita nesse papo furado de que se em 2021 a tarifa aumentar, haverá alguma contrapartida em relação ao serviço.

Mas isso nem de longe é o pior, a maior mentira dos empresários está nas suas planilhas falsas de custo de transporte. Vejamos, no Diário Oficial do Município de Belém de 31 de maio de 2019, quando houve o último aumento da passagem, a patronal apresenta a sua planilha de custos. Desse documento é possível observar dois detalhes relevantes:

O primeiro é uma suposta ausência de lucro por parte dos empresários. Em nenhum local está especificado qual o lucro que será obtido pelos capitalistas. Considerando que a lógica do capitalismo é o lucro a ser extraído pelo patrão, um documento que omite essa informação e afirma que todo o sistema opera somente para cobrir os seus próprios custos é no mínimo suspeito, para não dizer que quer, na verdade, nos fazer de besta.

Por segundo, a planilha aponta que os custos em 2019 coloca que o mínimo necessário para apenas cobrir as despesas seria da ordem de R$ 3,63 por passagem. Ora, se a tarifa foi colocada no patamar de R$ 3,60, isso significa que as empresas estão rodando no prejuízo. Se formos buscar na memória, é sempre esse o caso. O SETRANSBEL diz que a tarifa necessária é uma, e o prefeito “mui bondoso” coloca um pouquinho abaixo para atender a população. Por consequência matemática, os empresários do transporte não só não estariam extraindo lucro do sistema, como estariam tendo diretamente, prejuízo, já que o valor da passagem sequer cobriria os custos básicos do serviço.

Bom, não é possível acreditar que os empresários aderiram a filantropia e passaram décadas operando em déficit. Toda e qualquer pessoa sabe que se obtém lucro com o transporte de passageiros na capital e não é pouco. A conclusão que se chega é: as planilhas apresentadas pelos empresários são mentirosas do início até o fim.

Não é possível que a prefeitura de Edmilson Rodrigues aceite esse descalabro. O poder público deve obrigar que os empresários abram todas as suas planilhas reais dos últimos anos, a fim de que a prefeitura possa se certificar do que é custo real e do que é lucro do patrão. Não é admissível que empresas que prestam um serviço essencial ao povo mintam descaradamente para o Estado e para os cidadãos e nada aconteça. Não é possível ter um pingo de confiança nas contas falsas feitas e apresentadas pela patronal.

O cidadão e usuário tem o direito de não pagar uma tarifa abusiva, e de saber a realidade do que se passa dentro desse ineficiente sistema. A prefeitura tem a obrigação de não praticar qualquer tipo de reajuste na tarifa antes de abrir as planilhas reais de cada empresa de ônibus de Belém!

*Luiz Henrique é da Coordenação Nacional do Afronte! e Conselheiro do bairro do Marco pelo Tá Selado.