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BRASIL

Carlos Lamarca, 50 anos de seu assassinato: qual o seu legado para as novas gerações?

Roberto “Che” Mansilla*, Rio de Janeiro, RJ

Cartaz de procurados com o nome e foto de Lamarca, por volta do fim dos anos 1960, durante a ditadura civil-militar

“(…) O que é um revolucionário? É toda a pessoa que ama todos os povos, ama a Humanidade, tem uma imensa capacidade de amar, ama a justiça, a igualdade. Mas ele tem de odiar também, odiar os que impedem que o revolucionário ame, porque é uma necessidade amar. Odiar aos que odeiam o povo, a Humanidade, a justiça social. Odiar aos que dominam e exploram o povo, odiar aos que corrompem, ameaçam e alienam as mentes, aos que degradam a Humanidade, aos injustos, falsos, demagogos, covardes”
(Trecho de carta de Lamarca a seus filhos. 26 de julho de 1969)

Na última sexta (17), completou-se 50 anos que Carlos Lamarca, um dos principais combatentes na luta armada contra a ditadura empresarial-militar – era assassinado no sertão baiano, ao lado de seu companheiro de organização, Zequinha. 

Lamarca foi um revolucionário abnegado. Não há dúvidas. Acreditava na luta contra a miséria, a exploração e pelo fim da alienação do povo trabalhador do Brasil, que desde cedo conheceu de perto. Ousou enfrentar o regime de exceção imposto, a partir de 1964, mas também defendia a construção de uma nova sociedade sem classes, sem explorados e oprimidos: o socialismo. Pagou o preço por essa ousadia.

Reconhecer a importância revolucionária de Carlos Lamarca, não significa idealizar, fazer apologia ou culto de sua tática da guerrilha rural. Esse não é o propósito desse artigo. A intenção é compreender os aspectos principais de suas ideias que marcaram a trajetória política, mas que ainda são insatisfatórias num balanço necessário para as futuras gerações.

Uma pequena nota biográfica

Carlos Lamarca nasceu, no dia 27 de outubro de 1937, no morro do Estácio, subúrbio do Rio de Janeiro. Era o terceiro filho do sapateiro Antônio Lamarca e Dona Gertrudes que, além de Carlos, tinham mais cinco filhos Walter, Wanda, Norma, Ivan e Célia.

Aos dezessete anos, em 1954, ingressou na Escola Preparatória de Cadetes em Porto Alegre. Em 1957 foi transferido para a Academia Militar de Agulhas Negras, em Rezende (RJ).

Segundo Oldack Miranda e Emiliano José, na clássica obra biográfica “Lamarca: O capitão da Guerrilha” (1980), foi na Academia Militar que o jovem Carlos recebeu suas primeiras advertências: devido ao seu interesse por leituras “pouco ortodoxas” como o clássico Guerra e Paz, de Tolstoi e a segunda, em 1957, quando uma célula do PCB, realizando trabalho de propaganda, introduziu sob os cobertores dos cadetes, exemplares de um panfleto do partido. As reações foram diversas, alguns queimaram, outros riram e alguns leram com disfarçado interesse. Estes últimos, entre eles Lamarca, passaram a receber o panfleto sistematicamente. Assim, mesmo sem nunca ter sido militante passou a ser considerado um “simpatizante” das ideias comunistas. 

Lamarca terminou o curso da Academia, em 1960, e foi designado para o 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, no município de Osasco (SP). Dois anos depois serviu como segundo-tenente no contingente brasileiro integrante das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocuparam a região de Gaza, durante a Guerra de Suez, quando Israel (com apoio da Grã-Bretanha e da França) invadem o Egito [1]. Lá, o 2º. Tenente Carlos Lamarca permaneceu por treze meses. A experiência no Oriente Médio formou as convicções políticas de Carlos Lamarca. 

Em 1963, Lamarca voltou ao Brasil. Nessa época, Lamarca já estava casado há anos com Maria Pavan que estava grávida do segundo filho do casal. Mas o golpe de 1964, mudaria sua vida, levando-o a decidir pela luta armada.

Ousar lutar, ousar vencer 

Quando ocorreu o golpe empresarial-militar em 31 de março de 1964, Lamarca servia na 6ª Companhia da Polícia do Exército em Porto Alegre. Durante um plantão seu, um preso sob acusação de atividade subversiva fugiu. Era dezembro de 1964 e o preso era o capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt. Um inquérito foi, então, instaurado, mas não resultou em nada. Teria Lamarca facilitado a fuga? De qualquer forma, não foi oficialmente responsabilizado pela fuga do preso, mas o ambiente junto aos oficiais se tomou insuportável e Lamarca pede transferência para o 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, onde serviria pela segunda vez. 

Em Quitaúna reencontrou o sargento Darcy Rodrigues (onde serviram juntos anos antes) e criaram um círculo de estudos políticos ao lado de cabos e sargentos do regimento. Com esse grupo Lamarca começou a estudar textos de guerrilha, livros de Che Guevara, Mao Tse Tung e Lênin, as bases de suas convicções ideológicas. 

Já, em 1968, Lamarca entrou em contato com organizações de esquerda, como o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), formado por suboficiais e sargentos ligados a Leonel Brizola, que acreditavam na necessidade de fazer frente ao golpe e viam como inviável uma resistência pacífica. O caminho precisaria ser assumir a luta armada [2]. 

Em outras reuniões participava Onofre Pinto [3], que segundo Oldack Miranda e Emiliano José [4], convenceu Lamarca da existência de uma área de campo já preparada para o desencadeamento da luta armada no campo [5]. Com essa perspectiva, Lamarca preparava sua saída do Exército. Mas para isso precisava estruturar uma logística e recrutar homens de confiança. 

Lamarca então permaneceu no Exército por mais três anos. Não levanta suspeita. Durante o ano de 1967 passou o tempo entre as tarefas no quartel e os estudos políticos. Promovido a Capitão em agosto de 1967, Lamarca é designado a comandar tropas contra manifestações de ruas. É várias vezes campeão de tiro representando a sua unidade. Ficou conhecido o episódio em que deu aulas de tiro a funcionárias do banco Bradesco para se defender de assaltos a bancos por grupos da esquerda armada que cometiam com frequência. 

No final de janeiro de 1968, Lamarca fugiu do 4º Regimento de Infantaria levando 63 fuzis e metralhadoras leves que deveriam servir para a luta armada contra a ditadura. Acompanharam o sargento Darci Rodrigues, o cabo José Mariane e o soldado Carlos Roberto Zamirato. Todos entram imediatamente para a clandestinidade. Para manter a segurança da família, Lamarca (com a ajuda de Marighella) mandou a mulher e os dois filhos para Cuba, onde viveram por dez anos. 

Lamarca deixou o Exército para comandar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) uma entre outras dezenas de organizações de esquerda que viram a luta armada como a única via capaz de fazer frente a Ditatura militar, e que após o “golpe dentro do golpe” que foi o AI-5, em dezembro de 1968, se tornou ainda mais terrorista. A VPR surgiu da dissidência de intelectuais com a Política Operária (POLOP), os sargentos e marinheiros expulsos das Forças Armadas (muitos dos quais participaram da Guerrilha do Caparaó, conduzida pelo Movimento Nacionalista Revolucionário, MNR, entre março e abril de 1967) e os operários que desenvolveram trabalho sindical durante a greve dos metalúrgicos de Osasco, em 1968. 

Lamarca não era um teórico, um intelectual, formulador, à vontade com as discussões da revolução que tanto cindiram as organizações de luta armada. Discussões que haviam surgido na oposição ao PCB que se perdera em discussões. Converteu-se à revolução não porque convencido pela teoria, mas, como tantos outros, pela indignação com as injustiças do mundo, a miséria. Comandante da revolução porque capitão do Exército, porque excelente atirador, militar e militarista num momento em que fazer a revolução era agir, como lembrava o Comandante Che Guevara. Ousar lutar, ousar vencer, era a síntese do voluntarismo daquele momento.

A VPR, porém, passa por um momento de grande desarticulação interna após a prisão de vários de seus integrantes, e realiza um congresso clandestino para discutir suas próximas ações. Nela, Lamarca é eleito dirigente. Em julho de 1969, a VPR, como resultado da fusão do Comando de Libertação Nacional (COLINA) e outros grupos revolucionários do sul e da Bahia, deu origem a uma nova organização da esquerda armada: a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares). Seu nome era uma homenagem ao maior quilombo que resistiu a escravidão.

Poucos dias depois de ser formada a VAR-Palmares, sob o comando de Lamarca comandou a espetacular roubo a oito cofres de Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo, numa mansão em Santa Tereza (RJ). Conhecido pelo lema “rouba, mas faz” o político era famoso por estar ligado a vários esquemas de corrupção e desvio de dinheiro. A quantia adquirida era próximo a US$ 2,5 milhões [6]

Ainda em 1969, a VAR-Palmares realizou seu primeiro congresso. Devido a divergências quanto à estratégia militar a ser adotada, entretanto, a maioria de seus integrantes, oriundos da VPR, se afastou, retomando a antiga sigla, cujo comandante era novamente Lamarca. 

Nessa segunda fase a organização destacou-se de ações armadas, como assaltos a bancos (“expropriações revolucionárias”) para a obtenção de recursos financeiros e participação na captura de diplomatas com o intuito de trocá-los pela vida de revolucionários que estavam presos e sendo torturados pela repressão.

Destaco duas (entre várias) com as principais ações armadas comandadas pelo Capitão Carlos Lamarca. A primeira foi a surpreendente fuga no cerco feito pela repressão aos guerrilheiros da VPR (abril de 1970) no Vale do Ribeira (SP). Estes, desde outubro do ano anterior, haviam instalado dois centros de treinamento de guerrilha no local. Descoberta a ação, uma grande operação do exército (quase 3 mil militares) que levou 41 dias, com enfrentamentos armados e mesmo com bombas de napalm jogadas pela força aérea brasileira [7], os guerrilheiros conseguiram escapar rumo a São Paulo [8]. Essa vitória foi saudada e avaliada com enorme otimismo (exagerado e talvez irreal) feito pelo próprio Lamarca:

“Ficamos orgulhosos de constatar a receptividade dos trabalhadores rurais e sua capacidade de compreender os objetivos da nossa luta. Os órgãos responsáveis pela repressão repararam o apoio que a população nos dava e em consequência disso prenderam e assassinaram um jovem casal de camponeses e evacuaram a população da região e bombardearam-na. Essas ações de terrorismo foram completadas com tiros de metralhadoras a esmo, para dentro do mato, e vôos rasantes sobre as choupanas ainda habitadas”. [9]

Na VPR, conheceu Iara Iavelberg, por quem se apaixonou imediatamente. Os dois passaram a viver juntos em diversos aparelhos pelo país. As cartas de amor que trocaram nesse período são conhecidas, assim como o famoso diário do guerrilheiro, com textos dirigidos a ela.

Uma outra ação armada de grande ressonância comandada pessoalmente por Carlos Lamarca foi a captura do embaixador Suíço, Giovanni Bucher, ocorrido em dezembro de 1970. Foi o mais longo dos sequestros (47 dias), o último da série [10] e o primeiro em que a Ditadura se recusou a atender integralmente as exigências das organizações revolucionárias. A VPR pedia a libertação de 70 presos políticos, a divulgação de um manifesto, o congelamento de preços em todo o país por 90 dias e a liberação das catracas nos trens do Rio de Janeiro. O governo levou 48 horas para responder e avisou que negociaria apenas a libertação dos presos. Lamarca aceitou. Mesmo assim a Ditadura demorou a aceitar os nomes da lista (quase todos haviam participado de sequestros anteriores) e pediu substituições. Ocorreu um impasse e a tensão estava no ar. A ação caminhava para ser desmoralizada. A maioria da direção da VPR decidiu executar o embaixador, responsabilizando a ditadura pelo fracasso das conversações. Lamarca usou sua autoridade de comandante para poupar a vida do embaixador e continuou negociando por mais de um mês. Finalmente, 70 presos foram libertados e banidos para Santiago do Chile, em janeiro de 1971 [11].

A revolução faltou ao encontro

Lamarca (e os demais guerrilheiros) confiava na “vitória iminente da revolução”. Sonho? Possibilidade real de enfrentar e derrotar o aparato repressivo do terrorismo de Estado brasileiro? Ou uma análise subjetiva fruto da convicção (desejo) do comandante guerrilheiro? 

A ideia de Lamarca partia da ideia de Che Guevara que afirmava – em sua “Guerra de Guerrilhas” que pequeno grupo de homens armados, disciplinados e bem treinados formam uma coluna guerrilheira numa área rural servindo, assim de catalisador das lutas populares até que se deflagrasse a guerra revolucionária. A experiência do foco guerrilheiro no Vale do Ribeira, teria sido a prova de que era possível esse caminho. Será? 

O drama de Lamarca era que ele encarnou a solidão. Sempre fugindo e isolado. A busca de um outro rosto para ocultar-se, para se encontrar. A vida de aparelho em aparelho, acuado, caçado impiedosamente pela sanha dos militares que o tinham como “o desertor”. Era uma questão de honra captura-lo. E Lamarca sabia que era o homem mais procurado do país. 

Depois do final vitorioso do sequestro do embaixador suíço e da libertação dos 70 companheiros livres no exterior Lamarca tentou arrumar o que sobrou da organização. Ele próprio considerava que é hora de dar uma parada e tentarem se reorganizar. Muito companheiros defendiam que ele deveria ir para o exterior. Mas Lamarca recusou. Foi taxativo: preferia seguir lutando, mesmo que as condições fossem cada vez mais adversas. Embora fosse reconhecido como o principal dirigente da VPR, ao mesmo tempo pensa que todos estão querendo boicota-lo, graças aos embates políticos e a clausura da clandestinidade que “vão incutindo nele a ‘paranóia dos aparelhos”. [12]

Em março de 1971, seis meses antes de sua morte, desligou-se da VPR pois embora não negasse a teoria do “foco revolucionário”, fazia uma inflexão aderindo à concepção de “guerra popular prolongada”, de Giap, líder revolucionário vietnamita, considerado um dos maiores estrategistas militares do século XX. Essa tese pode ser explicada pela existência de um exército de camponeses firmemente apoiado na população, numa longa luta pela liberdade. Mas Lamarca não conseguiu pôr em prática tal concepção pois não havia condições. Nem trabalho de base, nem e colaboração popular. De todo o modo passou a discordar das orientações da VPR e decide fazer um trabalho no campo que pudesse deflagar a guerrilha. Essa inflexão levou-o integrar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Era um novo começo. Mas foi onde tudo terminou. 

Mas com o aumento das prisões de seus militantes o MR-8 começa a desmoronar. No início de maio de 1971 é preso Stuart Edgar Angel, da direção. A repressão acreditava que através de Stuart chegaria rapidamente a Lamarca. Mesmo sob tortura Stuart não falou; foi amarrado na traseira de um jipe oficial da Aeronáutica e arrastado de um lado para o outro com a boca ao lado do cano de descarga. Asfixiado e intoxicado pelo monóxido de carbono morreu sem delatar o paradeiro do capitão. Outras quedas ocorreriam que revelariam que Lamarca estaria indo para o sertão da Bahia.

Lamarca se deslocou para Brotas de Macaúbas, no sertão da Bahia, com a finalidade de estabelecer uma base da organização naquela região. Essa área de campo eram as terras do pai do ex-seminarista José Campos Barreto, o Zequinha que já foi operário e participou das Greves em Osasco (1968). Já estivera na VAR-Palmares e agora no MR-8. Além de Zequinha seus dois irmãos e um amigo professor se juntariam. Lamarca se dedicava quase todo o seu tempo a escrever: seus textos dessa época vão da política à poesia e eram expressos em formas de carta a Iara. 

Documento inédito na historiografia, as 23 cartas foram publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo em 1987 e revelam o cotidiano de um homem solitário, confinado em seus pensamentos e isolado dos companheiros. Ele passava os dias “sempre muito quentes” protegido do sol numa barraca [13].

Mas é no sertão que a curta trajetória combatente de Lamarca termina. Ironicamente sem ver a montagem do trabalho no campo montado tanto defendia, para lançar a guerrilha rural. Isolado, sem base social, nem um mínimo de apoio local entre os mais pobres sertanejos. E para piorar havia um enorme aparato montado por diversos órgãos de repressão para capturar “o desertor terrorista” tornou-se uma obsessão. Lamarca era tido e buscado como um troféu a ser conquistado a qualquer custo.

E foi com grande quantidade militares (mais de 200 em 41 dias) que se deu a chamada Operação Pajussara, com policiais da Bahia, RJ e São Paulo, entre eles o famigerado torturador Sérgio Paranhos Fleury e teve com comandante o General Nilton Cerqueira. Segundo um relatório militar a missão contou com apoio de três grandes empresas: Companhia de Mineração Boquira, Petrobrás e TransMinas [14]. Além disso o terror psicológico realizado pelas forças da repressão nos lugarejos e povoados distantes sobre os miseráveis sertanejos também foram eficazes na busca pelo “Capitão da Guerrilha”. 

Em 17 de setembro de 1971, Lamarca (extremamente debilitado e desidratado) e seu companheiro Zequinha são assassinados enquanto dormiam, debaixo de uma árvore, perto de Brotas, no interior da Bahia. O Major Nilton Cerqueira que comandou pessoalmente por quase três semanas quase a caçada implacável depois de ver Lamarca morto, saiu gritando: “Eu matei! Alagoano é foda!” [15] 

Depois de morto, embarcaram o corpo de Lamarca para Salvador e no aeroporto foi jogado no chão, sendo violado para que fosse fotografado. Lamarca ainda tinha os olhos abertos, assim como Che Guevara (assassinado 4 anos antes, em 1967), numa semelhança impressionante. 

Que balanço podemos fazer da luta de Carlos Lamarca?

Lamarca combateu um combate de forma isolada. Sua tática da luta armada revelou-se um equívoco. Não é um problema moral. É um problema político. A tática da luta armada mostrou-se inviável pois faltaram as bases sociais e populares de apoio e foram esmagadas por forças extremamente superiores em efetivos e recursos.

 Dizer isso não significa reconhecer que Lamarca, juntamente com Marighella, Câmara Ferreira e outros, pertenceram a uma geração de lutadores e revolucionários que ousaram lutar contra um regime opressor, um estado de exceção que desde 1964 foi responsável por uma guerra suja sem limites contra seus adversários, torturando de “desaparecendo”, primeiro com lideranças camponesas, sindicais, comunistas e mesmo militares legalistas e, depois (em 1968), lideranças estudantis. 

Lamarca é parte, portanto, de uma geração que deu sua vida pela luta contra a tirania. E mais; não lutava pela volta da democracia liberal, mas pela revolução socialista. Pelo sonho da emancipação humana, por uma sociedade sem explorados e exploradores. Fez parte daqueles (como dizia Lenin) que não se dedicaram apenas falar sobre a revolução, mas tentaram fazê-la, para além de suas coordenadas políticas que podem (e devem) ser criticadas ou problematizadas.

*Roberto “Che” Mansilla é professor de história da rede municipal do RJ e militante da Resistência/PSOL

NOTAS

[1] Essa guerra foi motivada pela nacionalização do Canal de Suez pelo general nacionalista egípcio, Gamal Abdel Nasser, em julho de 1956.
[2] MACIEL, Wilma Antunes. “Repressão judicial no Brasil: O Capitão Carlos Lamarca e a VPR na Justiça Militar (1969-1971)”. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em  História  Social  do Departamento  de  História  da  Faculdade  de  Filosofia,  Letras  e  Ciências  da  Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003, p. 53.
[3] Ex-sargento do exército foi um dos fundadores e dirigentes da Vanguarda Popular Revolucionária.
[4] Cf. MIRANDA, Oldack e SILVA FILHO, Emiliano José. Lamarca. O capitão da guerrilha. 12ª ed. São Paulo, Global, 1989.
[5] Muitos seriam contra essa decisão, entre eles Carlos Marighella, comunista dissidente do PCB e dirigente de outra organização a Ação Libertadora Nacional, ALN.
[6] Ver https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/roubo-do-cofre-acao-da-esquerda-armada-contra-corrupcao-de-ademar-de-barros.phtml (Consultado em 19.09.2021)
[7] Ver https://apublica.org/2014/08/napalm-no-vale-do-ribeira/ (Consultado em 19.09.2021)
[8] Ver https://documentosrevelados.com.br/o-cerco-aos-militantes-da-vpr-no-vale-da-ribeira/ (Consultado em 19.09.2021)
[9] LAMARCA, Carlos. “Entrevista concedida em junho de 1970” in. MIRANDA, Oldack e SILVA FILHO, Emiliano José. Lamarca. O capitão da guerrilha. 12ª ed. São Paulo, Global, 1989, pp. 90 e 91
[10] As organizações da esquerda realizaram antes três sequestros (melhor seria dizer capturas) com o objetivo de chamar a atenção internacional para as torturas praticadas contra os presos políticos pela Ditadura militar. A primeira ação ocorreu em setembro de 1969, quando o embaixador americano Charles Elbrick foi sequestrado no Rio e trocado por 15 presos políticos. A segunda foi do cônsul japonês Nobuo Okuchi, sequestrado abril de 1970, em São Paulo e trocado por cinco presos políticos. E a terceira foi do embaixador alemão, Von Hollebenjunho de 1970.  Foi uma ação conjunta com a Ação Libertadora Nacional (ALN) que resultou na libertação 40 presos políticos, em troca da vida do diplomata.
[11] Para maiores detalhes ver o documentário “Setenta” que está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8lJ-_IaI2z4 que conta o depoimento de 18 personagem que trocados pelo embaixador suíço e expulsos do Brasil num avião para o Chile. 
[12] MIRANDA, Oldack e SILVA FILHO, Emiliano José. Lamarca. O capitão da guerrilha, op., cit., p. 106.
[13] Ver https://documentosrevelados.com.br/cartas-de-amor-de-carlos-lamarca-escritas-pouco-antes-de-seu-assassinato/ (Consultado em 18.09.2021)
[14] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/09/17/carlos-lamarca-50-anos-morte.htm
[15] MIRANDA, Oldack e SILVA FILHO, Emiliano José. Lamarca. O capitão da guerrilha, op., cit., p. 120