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MUNDO

Descriminalização do aborto: o tsunami verde chega ao México

Rebeca Moore
Agência Brasil

Numa decisão histórica e apoiada na luta feminista na América Latina o México descriminalizou esta semana o acesso ao aborto até às 12 semanas. Até então só era legal abortar em alguns estados e em caso de violação ou quando a gravidez apresentava riscos para a vida da mulher. De lembrar que o México é o maior país predominantemente católico depois do Brasil, com cerca de 100 milhões de católicos.

O Supremo Tribunal do México deliberou que as penas criminais por interrupção da gravidez vão contra a constituição e os onze juízes votaram por unanimidade para descriminalizar o aborto no estado de Coahuila, no norte do país (que faz fronteira com o Texas, onde por sua vez o Supremo Tribunal dos EUA permitiu uma lei estadual que proíbe todos os abortos após as seis semanas de gravidez). A decisão estabelece um precedente que irá forçar os juízes em todos os 32 estados mexicanos a atualizarem a legislação e a ampliar o direito ao aborto para milhões de mulheres. Para além deste avanço estrondoso, as mulheres que estão atualmente a ser investigadas por interrupção da gravidez serão ilibadas.

Existe oposição forte a este avanço legislativo e a luta ainda tem caminho pela frente até garantir a sua aplicação em todos os estados sem excepção e sem entraves burocráticos ou outros. A Igreja e os conservadores são fortes mas o nosso direito a decidir é mais forte ainda!

A vitória é nossa!

Esta decisão não surge do vazio – é fruto de anos e anos de construção feminista na América Latina e no México. As argentinas lideraram com determinação feroz ao conquistar o direito ao aborto em 2020 e encabeçando o Ni una Menos há vários anos, que inspirou a Greve Feminista Internacional. Agora é a vez das mulheres no México, que lutam há mais de dez anos pela descriminalização do aborto (em 2007 foi aprovado na cidade do México e mais tarde nos estados de Oaxaca, Hidalgo e Veracruz) e contra a violência de género (em 2020 foram assassinadas em média de 10 mulheres todos os dias e só em 2021 mais de 2000 mulheres foram mortas). Em março, centenas de mulheres invadiram o Palácio Nacional do país na Cidade do México exigindo o fim da violência de género e fizeram uma greve nacional para exigir ação governamental.

Ninguém larga a mão de ninguém.

Enquanto celebramos esta vitória no México, no Texas as mulheres sofreram um ataque aos seus direitos reprodutivos, com a aprovação de uma lei que proíbe o aborto assim que a atividade cardíaca for detectada, geralmente por volta das 6 semanas. É necessário compreender que esta imposição significa proibir o aborto, já que muitas gravidezes passam completamente indetectáveis no período inicial, tornando impossível sequer a opção das seis semanas. a nova legislação dá um passo adiante, permitindo que qualquer cidadão, sem laços com a pessoa grávida, possa processar o pessoal médico que faz o processo e qualquer pessoa que ajude de alguma forma a obter uma interrupção voluntária da gravidez (até quem dá boleia a uma mulher que vai até à clínica). Quem processar e ganhar pode levar para casa 10 mil dólares. Esta forma de legislar, que dá o poder, na prática, de proibir o aborto ao individuo e não a funcionários estaduais, torna mais difícil para grupos de direitos pró direitos reprodutivos bloquear a lei, uma vez que não são tecnicamente os funcionários do Estado que o colocam em prática.

Se os tribunais federais permitirem que a lei se mantenha, é provável que outros estados sigam o exemplo.

Este retrocesso gigante nos direitos reprodutivos significa que as mulheres não vão poder abortar de forma segura ou então só aquelas que têm meios para viajar terão acesso a este direito básico de saúde. Sabemos que ilegalizar o aborto não significa que ele não acontece, simplesmente cria situações de grande risco para a saúde da mulher pois ele será feito em condições ilegais, em clinicas de vão de escada e com meios perigosos muitas vezes.

Sobre o nosso corpo decidimos nós! 

Celebramos as vitórias, como o das mulheres no México, mas sabemos que os nossos direitos estão sempre sob ataque e que os retrocessos podem acontecer, como vemos nos EUA. Políticas reacionárias e políticos conservadores, de extrema-direita, perseguem a nossa liberdade de forma crescente, em várias partes do mundo, atacando os nossos direitos mais básicos. O nosso caminho é a resistência e a luta! Façamos como as argentinas, façamos como as mexicanas! 

A solidariedade internacional das feministas e de todas as que sofrem as desigualdades diariamente é uma arma forte! 

O aborto é uma questão de saúde pública! Pelo direito a decidir!

*Artigo publicado originalmente em Semear o Futuro