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BRASIL

Lições da história: a esquerda não pode dar trégua aos golpistas!

Mauro Puerro, de São Paulo, SP

Rio de Janeiro, manifestação #ForaBolsonaro no último 04 de julho

“Sabiá”, música de Tom Jobim e Chico Buarque, foi ganhadora do III Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho em 29 de setembro de 1968. Retomava a “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias, poeta romântico do século XIX. “Sabiá” foi premonitória do AI-5 da ditadura militar, decretado em 13 de dezembro de 1968 com suas consequências terríveis: perseguições, tortura, exílio, assassinatos. Virou uma espécie de música do exílio ao lado da mais conhecida “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, essa já de 1979.  O próprio Chico teve que se exilar. Esta canção, que me foi relembrada por um querido amigo, me fez recordar de outra, também premonitória.  “Marcha da quarta feira de cinzas”, autoria de Vinícius de Moraes e Carlos Lyra, de 1963. Sua letra já era um prenúncio do golpe militar de março de 1964.  Ambas são exemplos de como a arte, às vezes, antecipa a política e a vida. 

Cito-as neste artigo, pois estamos às vésperas dos atos de 7 de setembro convocado pelos Bolsonaristas. O miliciano do Planalto Central está empenhado com todas suas forças, há dias, na preparação das manifestações com ameaças golpistas. Como dizia minha mãe, “estão raspando o fundo do tacho” para conseguir lotar a Paulista em São Paulo e a Esplanada dos Ministérios em Brasília. Segundo o professor da USP, Reginaldo Prandi, um dos fundadores do Datafolha, num artigo publicado no jornal da universidade, o heavy bolsonarista, aquele que o considera “mito”  –  quem votou e concorda com tudo que o Mussolini dos trópicos faz e fala –  corresponde a 12% da população brasileira. É um setor minoritário, mas muito ativo e que busca arrastar o que pode para o 7 de setembro golpista. Bolsonaro, enfraquecido, sabe que a correlação de forças não lhe é favorável para uma ação à moda Capitólio de Trump no dia 7, em que pese que nem sempre ações políticas sejam racionais. Fundamentalmente quer mostrar força, moralizar seu núcleo raiz, dar musculatura aos golpistas, tomar as ruas, amedrontar seus inimigos, criar pânico, temor, tudo o que é típico dos fascistas. Assim busca se posicionar para um possível golpe, que está no seu horizonte, como também se posicionar para a disputa eleitoral, ou as duas coisas combinadas. Obviamente também pretende ficar em melhores condições para uma negociação com o Supremo e o Congresso.

Neste cenário, nossa tarefa é fortalecer a Frente Única – a Frente de Esquerda materializada no Comitê Fora Bolsonaro – para colocar o povo na rua no 7 de setembro, mas também depois do 7, pois esta luta não se encerra nesta data. O papel das entidades da nossa classe, dos dirigentes de toda esquerda, é convocar as manifestações contra a ameaça do golpe bolsonarista, em defesa da vida, da vacinação em massa, do emprego, dos salários. Manifestações contra a fome, a inflação, a destruição da natureza, o racismo, o feminicídio. Há maioria social por essas reivindicações. Há maioria social contra o governo genocida. Nosso desafio é colocar essa maioria na rua. Os atos anteriores já demonstraram que é possível. Seria correto inclusive fazer unidade de ação com setores da burguesia, caso estivessem dispostos a mobilizar em defesa da nossa cambaleante democracia ameaçada pelo fascista. Infelizmente não estão. Dória, um dos principais representantes da direita liberal, tentou inclusive proibir o ato em São Paulo, ao mesmo tempo que garantia o dos golpistas, e irá ao ato do dia 12 do MBL e aliados como parte da sua campanha para ser o candidato da 3ª via. Como diz a Marcha da quarta feira de cinzas: “…no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade.” Lula, o mais influente líder popular anti-Bolsonaro deveria seguir o exemplo de Vinícius de Moraes e Carlos Lyra “cantando” um chamado à população para sair às ruas e, assim, barrar os ataques do Miliciano e seus asseclas aos nossos direitos e à democracia. Infelizmente o ex-presidente não tem seguido o exemplo da dupla de poetas.

Comete erro grave parte da esquerda, a começar por Lula, ao ignorar a relação entre as ações de rua pelo Fora Bolsonaro e as eleições. Aposta-se que é melhor tirar o pé das manifestações e deixar o Capitão Reformado continuar se desgastando até 2022. Esquece-se a lição recente dos Estados Unidos em que as manifestações massivas anti-racistas ainda que não tiveram força para derrubar Trump, foram decisivas para sua derrota eleitoral. Erra-se ao não ver que se derrubarmos Bolsonaro isso será uma tremenda vitória da classe trabalhadora e a esquerda sairá bem mais fortalecida. Negligencia-se a possibilidade do candidato a Ditador do Planalto se reposicionar e se recuperar. Secundariza-se a importância de tomarmos as ruas dos fascistas e não darmos trégua ao postulante a Bonaparte de Brasília. Dá-se pouco valor a que, mesmo que não tenhamos força para impor o impeachment, com as manifestações populares ele ficará enfraquecido para o pretendido golpe e também para a disputa eleitoral.

“Jogar parado” é uma expressão do futebol. Descreve o time que está melhor que o adversário, ganhando o jogo naquele momento, e assim fica guardando posições esperando o jogo acabar. Às vezes, dá certo, mas, outras vezes, torna-se uma tática arriscada e perigosa. Pode sofrer um contra golpe, o adversário se reorganizar e partir para o ataque, além de depender muito do juiz e bandeirinhas principalmente quando se joga no campo do adversário. Pois é, Lula e parte da direção do PT estão utilizando a tática de “jogar parado”, esperando “o final do jogo”: as eleições em outubro de 2022. Isso é o que explica por que não se posiciona por convocar as manifestações de rua e nelas comparecer.  Prefere apostar na crise do adversário como se ela fosse de mão única, sem volta. No seu giro pelo nordeste, privilegiou se reunir com antigos golpistas, com gente que está na base do governo Bolsonaro, apostando que estes oportunistas irão pular do barco do governo e passar para o seu. É a tática do “jogar parado” aplicada à política buscando atrair jogador do outro time. É um risco, além de escolher os parceiros errados. São companhias de outra classe, fiéis, no limite, aos seus interesses individuais e aos interesses da sua classe. A história recente no Brasil da própria experiência do PT é prova cabal disso. Lula, como amante e conhecedor de futebol, deveria levar isso em conta. Os parceiros devem ser os movimentos sociais da população excluída, os movimentos que combatem toda forma de opressão e exploração, a juventude, as organizações políticas e sindicais da classe trabalhadora. A tática deve ser a de, aproveitando a fraqueza atual do adversário, ir para cima, noucateando-o, sem dar espaço para que se recupere. Construir a Frente de Esquerda na luta e nas eleições aplicando na vida os ensinamentos da arte, como nos alertaram Vinícius e Carlos Lyra: “…e brincar outros carnavais…que marchas tão lindas e o povo cantando seu canto de paz”. Assim temos a certeza de que evitaríamos o risco do “Sabiá” voltar a ser novamente a “Canção do Exílio”.

 

 

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7 de setembro / 7S