Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi expulsa do poder a partir da união dos poderes republicanos vigentes, com forte apoio de parte considerável das classes médias, pequena burguesia e estratos da classe trabalhadora sudestina e sulista, assim como também com a ratificação da grande burguesia internacional e seus grandes e pequenos sócios nacionais. Esse movimento de ruptura político institucional removeu o frágil equilíbrio entre os poderes judiciário, executivo e legislativo, cujos marcos foram idealmente estabelecidos na Constituição Cidadã de 1988. Como todo princípio ativo, esse fato político mobilizou uma reação em cadeia levando ao aumento exponencial das tensões políticas entre as forças sociais mobilizadas no confronto que culminou no Golpe de Estado em Rousseff. Sendo o atual presidente Jair Bolsonaro um dos quadros políticos que melhor soube capitalizar esse conflito, superando os limites liberais na agenda golpista e realçando organicamente o seu substrato autocrático e anti-sistêmico. Isso não passou despercebido pelas elites sociais brasileiras que sensatamente encamparam o bolsonarismo como principal estandarte da vanguarda golpista e em 2018 garantiram sua ascensão ao poder, transgredindo as leis ao lançar o ex-presidente Lula na prisão.
Todavia, a arena política, enquanto espaço histórico onde se realiza o tempo presente, não é afeito a uma racionalidade de tendência homogeneizadora, tal como encontramos nas historiografias ou modelos interpretativos acerca dos descaminhos de regimes políticos anteriores: Ditadura de Vargas, Quarta República ou a Ditadura Militar a partir de 1964. Ademais, a práxis política é um processo de substrato multipolar, partindo assim de diferentes classes sociais, grupos políticos e interesses econômicos, como o próprio Golpe em Rousseff, exemplo mais recente em nossa história republicana golpista, demonstra com excelência. Nesse sentido, é óbvio que embora tenha existido nos primeiros anos pós-golpe, e imediatamente após a eleição de Bolsonaro, uma ampla coalizão entre o bolsonarismo e os setores da burguesia nacional e internacional, isso indubitavelmente não significa que esses grupos não deixem de resguardar o seu grau de autonomia, de projeto político independente, de ação própria na triste história que vem sendo perversamente escrita na república nos últimos cinco anos. Com certeza, o movimento golpista de Jair Bolsonaro precisa ser avaliado nestes termos, pois não se trata apenas de uma ameaça à democracia em ruínas, porém sim um dentre vários produtos históricos de um golpe que já foi dado há cinco anos.
Portanto, antes de especularmos sobre os possíveis indícios de um golpe iminente de Jair Bolsonaro, esforço cívico necessário é preciso assinalar, necessitamos nos voltar também para verdades elementares da realidade política na qual vivemos hoje. Questionando com simplicidade: O que sobrou de democracia após o Golpe em Rousseff no ano de 2016? E em que medida as forças fratricidas nos poderes republicanos podem apresentar uma resposta política a uma ruptura que já está dada? Necessitamos nos recordar que a cadeira de presidente da república está vaga de seu significado político e institucional desde 2016. Nós já vivemos na disputa de uma nova ordem sociopolítica nacional. Logo, a questão prática que se apresenta é quem assumirá o protagonismo na nova fase de dominação política do Brasil republicano. Quem será a face do novo regime que já nasceu, porém permanece acéfalo?
- professor de História no Instituto Oyá, pesquisador na área de História Social.
*Este artigo não representa, necessariamente, a opinião editorial do Esquerda Online. Somos um portal aberto às polêmicas da esquerda.
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