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MOVIMENTO

Ensino híbrido permanente e retorno presencial na UFSC: dois debates urgentes

Francisco Ianzer e Tayná Machado*
Cotidiano UFSC

O Ensino Híbrido como forma de precarização da Universidade

Em primeiro lugar, faz-se necessário ao leitor retomar um pouco da discussão envolvida na instauração do Ensino Remoto Emergencial (ERE) na UFSC. As aulas presenciais foram paralisadas com a chegada da COVID-19 no Brasil em março de 2020. A volta às aulas, de modo excepcional, se deu em agosto do mesmo ano. Ao contrário do que ocorreu em algumas universidades do país, que prontamente aplicaram formas remotas de ensino, sem a ampla discussão entre todos os setores da comunidade acadêmica, na UFSC, entre a suspensão e a retomada, houve muito debate sobre as condições de como se daria o ERE. O movimento estudantil, através do Diretório Central dos Estudantes, garantiu algumas questões essenciais de acesso e permanência para os estudantes nesse momento singular. O empréstimo de computadores, os auxílios emergenciais e de acesso à internet da PRAE, e a possibilidade de cancelar disciplinas até o final do semestre, foram conquistas do DCE.

É preciso encarar o Ensino Remoto Emergencial, como o próprio nome afirma, como uma modalidade excepcional, aplicável somente ao momento pandêmico que vivemos. No processo de elaboração sobre o ERE a discussão girava em torno do problema que seria a universidade permanecer parada por tempo indeterminado, sem formar profissionais, inclusive os da saúde que estariam na linha de frente do combate à pandemia. Por isso se deu a necessidade de um modelo emergencial e inusual que perdurasse no momento mais agudo da pandemia. Qualquer tentativa de perpetuar modalidades remotas, seja o ERE, seja o Ensino à Distância, para além do período pandêmico, nos cursos presenciais da universidade significa um retrocesso.

O modelo de ensino pensado para a universidade pública brasileira é presencial, atendendo diversas diretrizes educacionais. Implantar tais modalidades remotas significa empurrar um tecnicismo para os cursos de graduação, reduzindo amplamente a função do docente e adaptando o ensino somente aos interesses do mercado.

Com isso posto chegamos ao cenário atual. No mesmo período em que se iniciava o debate sobre o ensino remoto, foi trazido à tona uma proposta de minuta de implementação do EaD em cursos presenciais, mas ela foi barrada antes mesmo de se dar qualquer discussão. Recentemente surgiu novamente a discussão sobre o EaD (aqui o ensino a distância verdadeiro e não essa forma de ensino remoto emergencial) nos cursos presenciais, seguindo uma orientação do MEC publicada ainda por Weintraub em 2019. A proposta de minuta prevê que até 20% dos cursos presenciais possam ser oferecidos no modelo EaD.

Os principais pontos da minuta são:

  • Permite que os cursos presenciais ofereçam disciplinas integral ou parcialmente a distância;

  • É de adesão facultativa;

  • Responsabiliza os departamentos pela criação das disciplinas EaD;

  • Exige uma reestruturação do PPC para abarcar o EaD;

  • Impõe aos centros de ensino a responsabilidade de garantir infraestrutura e acesso dos estudantes;

Antes mesmo de encerrar o ensino remoto emergencial, existem setores da universidade querendo declarar sucesso de uso dessa modalidade em cursos presenciais.

Há dois debates principais a serem feitos sobre a minuta estão colocadas para o movimento estudantil da UFSC: o momento de votação da proposta e o caráter do seu conteúdo. Sobre a primeira questão é importante buscarmos, também, os debates do início da decisão do ERE, onde uma das questões principais de reivindicação do movimento estudantil foi o caráter excepcional da forma remota e como havia uma perda de qualidade significativa ao fazer essa implementação emergencial. Naquele momento o que estava colocado era que, a partir do momento em que se tornar possível a retomada das aulas presenciais, não se tenha mais qualquer forma de ensino remoto nos cursos. O que se quer nessa proposta de resolução é justamente a regulamentação do EaD, e isso vai em divergência com as exigências estudantis. Uma situação seria em um cenário de uma retomada gradual, onde teríamos parte das disciplinas em ensino remoto, enquanto outras são retomadas da forma presencial, como a que se inicia agora. Não é isso que vem sendo debatido. Essa minuta significa justamente ir contra tudo aquilo que temos acumulado enquanto movimento estudantil. Ela deve ser barrada!

Início do retorno presencial: a pré-fase 2

A pandemia e sua péssima gestão pelo governo federal, já nos tomou quase dois anos. Sabemos que a qualidade do ensino na forma remota é muito prejudicada e que esperamos ansiosamente pela retomada das rotinas normais de aulas presenciais na UFSC. Porém, não podemos deixar de lado a bandeira principal que defendemos desde março de 2020: a vida! Somente poderemos retornar presencialmente com a garantia da vacinação das duas doses para toda a população brasileira e com o controle da pandemia.

A partir do dia 20 de setembro, com autorização partindo de uma portaria publicada pela reitoria, vai ser possibilitada a volta de uma pequena parte da universidade ao funcionamento presencial. Alguns TAEs de determinados centros de ensino se manifestaram contrários a essa retomada presencial dos setores administrativos e, por haver a possibilidade de permanecerem trabalhando de forma remota, optaram por manter-se assim.

Esse momento de reflexão sobre as necessidades logísticas para a retomada presencial, ainda que parcial, vai ser de extrema importância. O movimento estudantil tem que buscar acompanhar de perto essa movimentação, tanto pelo DCE integrando comissões da reitoria, como também em cada centro de ensino. Será necessário, além de garantir que as reivindicações estudantis continuem sendo atendidas, também elaborar novas para esse período de mudança na universidade. Com os cortes orçamentários, se torna muito delicada a situação da universidade para esse retorno presencial, da parte dos estudantes uma das questões centrais é de que não se mexa na assistência estudantil.

Sabemos que diversos colegas voltaram para suas cidades natais devido à pandemia. Os valores altíssimos de aluguel em Florianópolis, além da alta dos preços de itens básicos de alimentação provocados pelo governo Bolsonaro, impossibilitam a permanência de uma grande parcela de estudantes da UFSC na cidade. Com a retomada parcial de atividades presenciais, esses estudantes terão que voltar para Florianópolis para terem poucas aulas? Será garantido algum auxílio extra para aqueles em situação de vulnerabilidade econômica? O restaurante universitário voltará a funcionar? As turmas serão diminuídas em quantidade de estudantes? Haverão professores suficientes? Como serão garantidas todas as condições de segurança sanitária? São diversas as questões em aberto que devem ser debatidas com o conjunto da universidade antes de haver qualquer possibilidade de retorno presencial.

Outro ponto central da discussão é a forma como a reitoria iniciou esse processo, sem conversar com nenhuma das categorias e decidindo por si só o início desse trabalho para a retomada. Essa deve ser uma das principais questões a serem debatidas no movimento estudantil, o de não ser deixado para trás pela reitoria e buscar acumular quais as principais exigências por parte dos estudantes.

O atropelamento das instâncias de discussão se dá concomitantemente com o acirramento dos ataques proferidos pelo Grupo ND, vinculado à Rede Record, à UFSC. Em especial o colunista Cacau Menezes, ávido bolsonarista, destila semanalmente seu desconhecimento e rancor acerca da universidade, seus estudantes, servidores e professores. A UFSC e sua comunidade acadêmica foram e continuam sendo linha de frente no enfrentamento à pandemia, com postos permanentes de vacinação. Quem afirma que a universidade parou e que os professores e servidores encontram-se em casa, sem trabalhar, demonstra profunda ignorância e mau caratismo a respeito de uma das mais renomadas instituições de ensino, pesquisa e extensão do país.

A universidade pública brasileira, ainda que muito aquém do que idealizamos, foi construída à base de muita luta. Recentemente temos enfrentado todos os ataques daqueles que têm como projeto a destruição do ensino superior público e gratuito. Lutamos em 2017 contra a PEC do Teto de Gastos de Temer. Em 2019 barramos com os atos do Tsunami da Educação o projeto Future-se.

A universidade que defendemos deve ser debatida com o conjunto da universidade e não somente em cúpulas da reitoria. Reivindicamos participação em todos os espaços de discussão e todas as garantias da segurança sanitária e de permanência estudantil.

*Coordenadores Gerais do DCE – UFSC e militantes do Afronte!