O Congresso do PSOL cinco anos depois do golpe institucional do Senado

Marcelo Camargo/Abr

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Entre dois pontos se traça uma linha reta.
Para traçar uma curva são necessários pelo menos três.
Os caminhos da política são muito complexos e curvilíneos.[1]
 Leon Trotsky

Não deixes que as tuas lembranças pesem mais do que as tuas esperanças
Sabedoria popular persa

 

Cinco anos depois do golpe, disfarçado de julgamento da acusação de “pedalada fiscal” no Senado, em 31 de agosto de 2016, recordamos ainda a infâmia política do impeachment de Dilma Rousseff que abriu o caminho para a chegada ao poder da extrema-direita com Bolsonaro através de eleições. Foi um dia triste.

Nesse processo o PSOL se reposicionou, porque a situação política mudou. Deixou o lugar de oposição de esquerda ao governo Dilma Rousseff, e se uniu ao PT contra o golpe institucional, contra a operação LavaJato, na resistência ao governo Temer e, finalmente, ao combate contra a eleição de Bolsonaro, às manifestações pelo #elenão, à campanha por Lula Livre.

Durante os últimos dois anos e meio o PSOL se comprometeu com a formação de uma Frente Única de Esquerda como uma trincheira unificada da oposição ao governo Bolsonaro. Apoiou a campanha das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo pelo Fora Bolsonaro. Nesse processo não deixou de defender o seu programa. Esta localização foi, essencialmente, certa ou errada?

O Congresso do PSOL de 2021 discute este balanço de forma apaixonada, às vezes, um pouco mais áspera do que seria razoável. Mais de 50.000 filiados participaram da eleição de delegados, depois de dezenas de Plenárias de debates online, impostas pela pandemia. No Congresso de 2017 um pouco menos de 30.000 tinham participado. O crescimento expressa a integração de uma parcela importante da nova vanguarda que surgiu na onda de 2013. O PSOL se tornou o partido mais atraente para a parcela anticapitalista do ativismo jovem, feminista, negro, ambiental, LGBT, cultural e popular.

Além do balanço estão em disputa duas orientações que remetem à questão central de qual deve ser o lugar do PSol na luta contra Bolsonaro. Deve continuar lutando pela Frente Única de Esquerda, e desafiar o PT a um compromisso com um programa de reformas radicais e medidas anticapitalistas? Ou deve ignorar as esperanças que Lula simboliza e se apresentar sozinho porque considera que as diferenças com o balanço dos treze anos e governo do PT são incontornáveis?

O campo da maioria que conduziu o PSOL desde 2017 saiu vitoriosa desta primeira etapa de preparação do Congresso. Mas nenhum partido faz um giro na tática sem que haja confusão, divisões e até fracionamentos. O PSOL foi uma oposição de esquerda aos governos do PT. As palavras de ordem do período anterior perderam o sentido quando a conjuntura sofreu uma mudança brusca, em especial, sob o impacto ininterrupto de derrotas. Na hora das viragens súbitas, impostas pelas circunstâncias de uma nova situação, há poderosas pressões de inércia e lentidão para que se exercitem novos reflexos.

O PSOL fez a “curva” tática, ainda que com tensões internas, e hoje está mais forte do que nunca. Outros mergulharam em uma obscura marginalidade invisível. O PSTU, por exemplo, não e, por isso, se dividiu. Nasceu o MAIS que entrou no PSOL e, depois de algumas unificações, deu origem à Resistência. Boulos entrou no PSOL, se candidatou à presidência e à Prefeitura de São Paulo conquistando uma audiência imensa, somente inferior à de Lula na esquerda, e o PSOL deu um salto de qualidade em sua influência de massas, paradoxalmente, porque a situação política evoluiu muito mal. O PSOL cresceu contra-a-corrente.

Devemos, portanto, tentar atribuir sentido, em perspectiva histórica, à acumulação de derrotas que nos trouxeram até aqui. Algo terrível mudou em 2016, e subverteu a relação social de forças de maneira tão desfavorável que se abriu uma situação reacionária no Brasil.

Os trabalhadores e as massas oprimidas sofreram derrotas parciais entre 1985 e 2015. A mobilização pelas Diretas Já foram sequestradas por Tancredo e levaram ao poder Sarney; a luta pelo Fora Collor não foi forte o bastante para impedir a posse de Itamar Franco e, na sequência, a eleição de FHC em 1994. Mas nada é comparável aos últimos cinco anos. O impeachment de Dilma Rousseff não foi somente uma derrota política do governo de coalizão liderado pelo PT.

A ofensiva reacionária que resultou no golpe institucional de um governo moderadíssimo, que até iniciou o ajuste fiscal com Joaquim Levy para tranquilizar o “mercado” e tentar contornar o impeachment, radicalizou os ataques com Michel Temer, e deu um salto com a eleição de um neofascista. A história foi cruel com os trabalhadores e o povo brasileiro.

Abriu-se no Brasil uma situação defensiva do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores. O julgamento de Lula foi tão, monstruosamente, político como o de Dilma Rousseff. Qualquer ilusão na neutralidade da LavaJato revelou-se fatal. Ninguém na esquerda deveria ter permanecido “neutro’ diante da seletividade da LavaJato. Esta operação precedeu e incendiou a ofensiva que começou em março de 2015, passou pelo impeachment, prisão de Lula, e culminou com a eleição de Bolsonaro. Ela foi funcional para garantir o deslocamento das camadas médias, e teve profundo impacto na desmoralização entre os trabalhadores. Mas não explica tudo.

Há também que considerar as responsabilidades, portanto, os erros dos governos liderados pelo PT. Um ciclo político de quatro décadas de hegemonia inconteste do PT na esquerda entrou em declínio, lentamente, desde 2016, embora a experiência seja ainda incompleta. Muito incompleta. Afinal, uma nova candidatura de Lula, em 2022 ocupará, tendencialmente, todo o espaço da oposição de esquerda. Processos desta dimensão só se explicam com a acumulação de derrotas estratégicas, portanto, por muitos fatores.

O desenlace é a hecatombe sanitária e social que vivemos como uma tragédia humanitária. Diante dela, nada é mais importante que derrotar Bolsonaro e o PSOL deve agir como um partido de esquerda com impulso revolucionário que sabe ser um instrumento útil para esta luta.

Portanto, às ruas na terça-feira dia 7 de setembro. Não diminui ninguém sentir medo das provocações dos neofascistas. Vamos todos, mesmo com medo, vamos com tudo.

 

NOTAS

[1] Leon Trotsky . O “Terceiro Período” dos erros da Internacional Comunista.
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/01/08.htm#topp
Consulta em 31/10/2021