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BRASIL

Notas sobre o encontro: Política educacional no Brasil

Rafael Rodrigues Nascimento* , São Paulo, SP

Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista brasileira, que da nome ao cursinho popular em São Paulo.

O presente texto é uma iniciativa de documentação do projeto de educação popular desenvolvido pelo Cursinho Popular Maria Firmina dos Reis, tal documentação visa desenvolver textos sobre o ciclo de formação: Educação Popular.

Em nossos encontros sobre método pedagógico e educação pautamos a questão da “política educacional” termo que acreditamos deter múltiplas facetas. Podemos entender a “política educacional” como uma política do Estado para a promoção da educação, mas também como a vinculação da política dentro do meio educacional. No encontro supracitado, discutimos dois autores que acreditamos serem pertinentes ao tema, são eles Pedro Demo e Dermeval Saviani, este último uma referência na temática educacional em conluio com a questão da democracia.

Em linhas gerais nossos dois autores convergem na questão sobre a educação ser um motor para a promoção da inclusão democrática dentro de uma sociedade, embora Demo destoe um pouco calçando a educação, sobretudo, como uma base para o desenvolvimento social e econômico de um país. Nesse ponto existe uma questão de cunho problemático, isto é, certo viés funcionalista para a educação. A ideia de ver a educação como uma força do processo de desenvolvimento acaba caindo num tom economicista, uma vez que entende a educação apenas como algo ligado a esfera da produção, o que por sua vez acaba caindo no mito do “desenvolvimentismo”, ou seja, a ideia de que uma sociedade pode deixar de ser subdesenvolvida – ou no caso do Brasil, dependente – apenas aplicando uma ávida política educacional. Importante ressaltar isto: a educação pode promover o desenvolvimento, mas isso desde que exista um projeto de país mais amplo, que busque abarcar inúmeras esferas da vida social, tal como a produção, a cultura e a erradicação da desigualdade social, etc. A palavra erradicar é pertinente porque é preciso ser claro, a educação, assim como a sua instituição mor, a escola, sozinhas não são capazes de sanar as dificuldades sociais de nossa sociedade.

Aqui Saviani é mais contundente, ele identifica na educação o papel, sobretudo, de buscar a emancipação, ao invés do mero desenvolvimento = econômico. Nesse sentido, retomando a discussão entre política e educação, o autor alarga a noção de “política”, distanciando-a da simples ideia de uma política estatal, tal como um planejamento curricular da instituição escolar – embora esse horizonte exista –, para algo ligado ao sentido desta prática social dentro de uma sociedade divida em classes. A questão central para ele é: toda educação detêm um viés político, mas isso não quer dizer que ela precise ser politicista, isto é, partidária. A questão é interessante uma vez que é exposta da seguinte maneira: sabemos que toda atividade humana é política, o que não foge no caso da educação, no entanto, é evidente que isso não quer dizer que possamos reduzir uma coisa à outra, de modo que ao compreender a prática educacional é preciso entender que: 1 – a educação consiste numa prática pedagógica; e 2 – a educação, assim como a política, está inserida numa sociedade de classes, o que por sua vez, faz com que
ambas sejam contraditórias e permeadas pelo conflito.

A disputa social dentro de uma sociedade divida em classes é travada fundamentalmente entre entes antagônicos, o que faz com que a política seja algo puramente do conflito e da disputa. Ora, a prática do ensino não pode seguir essas premissas, já que, segundo Saviani, a busca da educação é pela inclusão universal, e não pela disputa partidária simples. Para compreender essa afirmação é preciso ter em mente o que se entende como prática pedagógica, para nosso autor a busca pela universalidade ocorre porque a educação visa o conhecimento, e buscando o conhecimento ela incorre na busca pela verdade. Sabendo que só a verdade pode emancipar; a prática pedagógica busca fomentar o conhecer, o hábito da compreensão da natureza e da sociedade, sem que com isso negue um viés político do agente que exerce o papel do educador, por exemplo.

A questão é complexa porque ela se baseia numa compreensão dialética do papel do educador, isto é, assumindo a contradição que, embora a educação deva ser despretensiosa – no sentido partidário – ela sempre partirá de uma experiência individual e de um projeto social, ou seja, de um viés. Assim sendo, o papel do educador deve ser o de fomentar o conhecimento, desenvolvendo em seus educandos aquilo que costumamos chamar da criação de livres pensadores. Novamente, Saviani aponta que é preciso ligar a educação ao conceito de verdade (conhecimento) e não trazer a educação para um sentido puramente partidário. Fazendo este movimento é possível criar uma educação que instigue a emancipação, sem precisar ser panfletária.

Toda educação tem um viés político, mas não é (e nem deve ser) política simplesmente. Educação é uma pratica pedagógica que visa o conhecimento, enquanto que a política reside no campo do engajamento e do poder, que, embora esteja presente na educação, não pode resumi-la, já que o papel da educação não é o de criar militantes puramente, mas desenvolver ferramentas que ajudarão os educandos a refletir e questionar.

Contudo, nosso autor não relega a política, no sentido militante, a um espaço simplesmente “fora da sala de aula”; a política deve ser parte do método pedagógico quando nos deparamos com os limites da própria educação dentro da sociedade capitalista. Baseando-se nos escritos de Antonio Gramsci, Saviani aponta que ao apresentar a verdade através do conhecimento é inequívoco que os educandos cheguem à compreensão das mazelas e dos limites da liberdade dentro da sociedade capitalista, e compreendendo isso será possível semear a ideia de subverter a ordem vigente, sem que isso signifique a inclusão dos educandos em uma sigla partidária específica.

Evidentemente, ao apontar Gramsci, Saviani acredita que a educação só será plena na medida em que a disputa social puder ser da sociedade civil, sem que exista um Estado coercitivo que limite suas potencialidades:

“Essa questão fica ainda mais clara na formulação de Gramsci. Sabemos que Gramsci alargou o conceito de Estado incluindo aí além da sociedade política (aspecto coercitivo) a sociedade civil (aspecto persuasivo). Nessa perspectiva o Estado não desaparece, mas é identificado com a sociedade civil, a qual absorve a sociedade política. Quer dizer, superada a sociedade de classes, chegando o momento histórico em que prevalecem os interesses comuns, a dominação cede lugar à hegemonia, a coerção à persuasão, a repressão desfaz-se, prevalecendo a compreensão. Aí, sim, estrão dadas historicamente as condições para o pleno exercício da prática educativa”.
(SAVIANI, 2008. p. 86).

A educação é vista como a compreensão, esse seria o seu horizonte universal, ela visaria compreender as múltiplas formas pela qual se apresentam as relações sociais, de maneira que a compreensão dos diversos fenômenos expostos pelas diversas classes em disputa fosse objeto para a compreensão macro da sociedade e do todo que a constitui.

Em síntese, nos autores abordados em nosso breve encontro compreendemos que a educação detêm um horizonte pedagógico e um objetivo para a organização institucional, ambas facetas apresentam limites para a própria educação em si, embora ainda conservem potencialidades que podem ser exploradas utilizando as ferramentas certas. É certo que a educação é a principal arma para a promoção do entendimento, do conhecimento e mesmo do desenvolvimento social, mesmo que para alcançar eficazmente esses objetivos seja necessário que haja uma articulação estreita entre a Educação e o Projeto de País. Sem nutrir ilusões iluministas, mas também sem alimentar pretensões obscurantistas, nosso objetivo com a educação deve visar a emancipação através da reflexão e do questionamento, produzindo livres pensadores.

São Paulo, Agosto de 2021.

Referências:

[1] DEMO, Pedro. Política social, educação e cidadania. Papirus Editora, 1994.
[2] Ramos, M. (2009). Escola e democracia (edição comemorativa). Dermeval
Saviani. Campinas: Autores Associados, 2008.

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