Pedra da Palangana: uma explosão, um desastre ambiental e social

Angélica Ripari, do Paraná
Reprodução Youtube

A Pedra da Palangana é um maciço rochoso que fica na Baía de Paranaguá, trecho utilizado para a entrada dos navios no Porto. A Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA), ligada ao governo do Paraná, vem nos últimos anos investindo para que a obra de derrocagem da pedra aconteça a qualquer custo. Afirmam que é uma obra de segurança para os navios, que a pedra é o último entrave para a plena entrada do porto no mercado.

Para retirar seis maciços rochosos da superfície da pedra, pretendem fazer uma explosão subaquática. Somando um total de 22 mil metros cúbicos. A pretensão é que com a obra a profundidade do caminho percorrido pelos navios não tenha mais do que 14 metros de profundidade.

A Pedra fica no entorno de 5 áreas de preservação ambiental – Parque Estadual da Ilha do Mel, APA de Guaraqueçaba, a Estação Ecológica da Ilha do Mel, a Estação Ecológica de Guaraqueçaba e o Parque Nacional do Superagui. As consequências para essas áreas não é nem ao menos citado, reforçam em documento do IBAMA (SEI IBAMA no 02001.004765/2016-18) que não haveria nenhum impacto ambiental (nem direto nem indireto).

A região da Baía de Paranaguá é uma área de preservação de várias espécies únicas, envolto por manguezais – reconhecido por ser o ecossistema berço da vida marinha. Entre variadas espécies, temos três que estão registradas em listas nacionais e internacionais de extinção: o boto-cinza (Sotalia guianensis), a toninha (Pontoporia blainvillei) e a tartaruga-verde (Chelonia mydas).

O Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) atuam junto ao Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS). Só na semana passada foram registrados o 10º encalhe de baleia jubarte no litoral do Paraná nessa temporada de inverno, e duas carcaças de botos-cinzas. A degradação de uma maneira geral já vem colocando a vida marinha em risco. Mas os pesquisadores alertam que a dimensão da explosão da derrocagem da Pedra pode provocar um verdadeiro desastre. O risco maior é que os órgãos ocos dos animais (como o pulmão e o intestino) explodam com a pressão da água.

Além desses animais que o LEC acompanham, as pedras é o habitat do peixe Mero – também ameaçado de extinção, além de outras espécies como garoupa, badejo, miraguaia, caranha e pescada amarela, que carecem de um monitoramento adequado.

Mais do que a flora e a fauna, há os impactos sociais. A Pedra é localizada ao lado da Ilha do Valadares – ilha urbana que compõe o bairro mais populoso da cidade de Paranaguá – e da Ilha da Cotinga – onde há duas aldeias indígenas Mbya-Guarani. Há área é cercada ainda por cerca de 30 outras ilhas, com vários vilarejos de populações tradicionais e pescadores artesanais.

Essas populações estão apontando que não foram nem sequer devidamente informadas das obras. Para além, há uma tratativa a partir da Organização Internacional do Trabalho que exige a participação dos povos indígenas e dos povos tradicionais em qualquer decisão que traga consequências para as suas vidas. Esta convenção – a OIT 169 – é a maior reinvindicação dessas populações para os Portos nesse processo.

As populações das ilhas reforçam que quando há uma retirada de materiais do fundo do mar, para que haja um equilíbrio, a correnteza é modificada e as águas tendem a puxar toda a terra que encontra a volta para as profundezas. Movimento que provoca a erosão e a redução de área de moradia dos ilhéus.

Todo este redor está temeroso do que pode acontecer com a explosão da Pedra, foram todos ignorados nesse planejamento. O Porto de Paranaguá havia projetado em 2011 dragagens em várias áreas na estrada do berço portuário para melhorias nas navegações. Esse projeto, ainda que de grande impacto ambiental, foi fruto de muitos estudos, e foram feitas muitas exigências para que a obra acontecesse. As tratativas geraram a licença ambiental 1144/16, firmada somente em 2017, autorizando as obras por um período de 12 meses.

A licença 1144 é meticuloso, especifica quais são as áreas que são autorizadas, qual maquinário pode ser usado, quanto tempo pode ser ligado. E ainda, especifica várias responsabilidades para o Porto com o meio ambiente e as populações, tais como: Gerenciamento de Resíduos, Gerenciamento do Material Dragado, Monitoramento da Qualidade das Águas, e Monitoramento dos Níveis de Ruído Subaquático, Monitoramento da Pesca Artesanal, Compensação a Atividade Pesqueira, Educação Ambiental, Limpeza dos manguezais, entre outras.

Com o final dessa obra, em 2018, é concedida uma prorrogação da licença 1144, são mais 24 meses de autorização para realizar a derrocagem da Palangana. É apenas citado a derrocagem, sem nenhuma especificação de volume, ou de responsabilidades do Porto por ampliar a obra.

Nos canais de comunicação oficiais do Porto é sempre reafirmado nas matérias sobre a derrocagem que já há uma licença ambiental, a prorrogação da 1144. E citam que todos os procedimentos especificados serão seguidos na obra com o cuidado marinho. Fazem um copia e cola do que é especificado na licença 1144 (antes do início se realizará o afugentamento de peixes e mamíferos aquáticos com uma cortina de bolhas, haverá monitoramento de ruídos). Mas estes procedimentos foram estabelecidos para as obras de dragagem do projeto de 2011, ou pequenas derrocagens que estavam previstas ali. O que é completamente diferente dos riscos que cercam retirar um maciço rochoso.

Logo, em 2019, teve o primeiro edital para a derrocagem da Palangana. Mas, após o processo de licitação, houve denúncias de favorecimento na concorrência. Em agosto de 2019 obra foi suspendida com suspeitas de corrupção por enriquecimento sem causa por parte da administração pública. O projeto foi reformulado e um novo edital saiu no início de 2020, a mesma obra, com valores semelhantes. O contrato foi firmado e estava com tudo pronto para ocorrer, quando em junho de 2021, por intermédio do Ministério Público, a Justiça Federal suspendeu a obra.

Os argumentos levantados pelo Ministério Público cercam a falta de estudos dos impactos ambientais e sociais, a licença do IBAMA ser concedida para obras de dragagem e não de derrocagem de uma Pedra, questionamentos sobre o tratamento de urgência da obra, entre outras tantas irregularidades levantadas. Ao final, fazem recomendações para serem tomadas pelo Porto acerca da obra. Ainda assim, em meados de agosto de 2021, a Justiça autorizou a continuidade da obra, estando ela marcada para acontecer na próxima sexta-feira, 27 de agosto.

Diante de um desastre com proporções incalculáveis, dependendo de um aparato estatal para barrar as obras, os moradores dos arredores, pesquisadores e ativistas estão desesperançosos. Todos os esforços são válidos nessa última semana de tentativa para barrar a desenfreada ambição do capital em sua total despreocupação com a flora, fauna e comunidades. Com a finalidade de buscar maior repercussão nacional para o caso, foi produzido um vídeo manifesto com a participação de artistas e uma chamada para assinar a monção de repúdio.

Acompanhe a petição online.

*Angélica Ripari é professora da rede estadual de educação do Paraná, militante do PSOL e da Resistência