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BRASIL

Mudanças climáticas: o presente anunciando o fim!

Hugo Andrade*, de Aracajú, SE

Nas últimas semanas diversos meios de comunicação têm promovido uma massificação de informações sobre desastres ambientais em diferentes locais do planeta. Chuvas descontroladas e enchentes na Alemanha e China; calor acima do comum em locais frios como Canadá; frentes frias com temperaturas baixas em regiões do nordeste brasileiro e neve no sul do Brasil, foram alguns eventos noticiados.

Esses eventos, à primeira vista, parecem ser isolados, mas estão mais interligados que a teia de aranha entre galhos de árvores. Todos esses acontecimentos são consequências dos efeitos das mudanças climáticas. As mesmas mudanças que vimos ou ouvimos falar em filmes como “Seremos história?” e “O amanhã é hoje”, tem comprovado que os desastres atuais não se tratam de premonições, mas comprovação de resultados científicos divulgados na imprensa e meios jornalísticos acadêmicos desde décadas passadas. 

Como se não bastassem os últimos noticiários trágicos, na última semana foi divulgado o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC- Intergovernmental Panel on Climate Change), o qual tem apontado que devido a interferência humana os níveis de aquecimento do planeta terra tem aumentado constantemente, principalmente nos últimos dois milênios.

Figura: Evidência do aquecimento global demonstrando o derretimento do gelo no Alaska. Foto registrado no século XX (esquerda) e século XXI (direita) sob mesmo ângulo. Adaptada do banco de imagens da NASA.
Aumento de temperatura global. Adaptada do IPCC (2021).

E se não revertermos a situação em que nos encontramos, os diferentes cenários para o futuro demonstram que as temperaturas devem aumentar cada vez mais. “O inverno está vindo” (The winter is coming– GOT) troca cena pelo “O inverno chegou” (The winter is here). A realidade está posta, o mundo foi avisado, a ciência ignorada e continuamos despreparados para o caos que nos assola.

Figura: Aquecimento global em diferentes cenários futuros. Adaptada do IPCC (2021).

O relatório do IPCC é extremamente preocupante, pois o aumento de temperatura é suficiente para tornar o que hoje conhecemos como Caatinga, em uma área desertificada e com perda de biodiversidade e funcionalidade ecossistêmica. Não supreendentemente, essa transformação será irreversível! Além dessas evidências, acidificação dos oceanos, declínio dos gelos do mar, aumento do nível do mar e diminuição da cobertura de neve são realidades que tem preocupado, principalmente ao percebemos quão próximo estão grandes centros e capitais litorâneas. 

O desmatamento na Amazônia afetará as produções agrícolas no centro-oeste; a desertificação no nordeste impactará o principal potencial hídrico do semiárido (Rio São Francisco) e agravará a baixa produtividade da colheita; Rio São Francisco em colapso ocasionará aumentos na conta da energia; falta de políticas públicas e investimento em cooperativas de alimentos orgânicos deve favorecer a lógica do agronegócio, que cada vez mais robotizado gera menos emprego no campo. Em resumo, nosso planeta está doente e a principal causa de sua doença já foi diagnosticada: o capitalismo!

Isso mesmo! O capitalismo! Não podemos falar de meio ambiente sem destacar o modus operandi de exploração dos recursos naturais, produção de produtos geneticamente modificados (transgênicos), crescente número de agrotóxicos aprovados e a flexibilização de leis ambientais. A destruição do planeta é hoje um projeto político, igual à fome. A Pátria Amada Brasil, uma das principais exportadoras de produtos agrícolas e agropecuários, é a mesma que entra no mapa da fome. A lógica da produção para uns, em detrimento do direito de segurança alimentar de outros, foi o que prevaleceu. É o projeto que está posto: fome e destruição para uns, riqueza para outros!

Nesse contexto, o estado de Sergipe é o menor da federação e, apesar de um território tão pequeno, é dominado principalmente pelas monoculturas do milho, cana-de-açúcar e citricultura. O verde do sertão são, em grande parte, fazendas de milhos que crescem em poucos meses, devido as modificações genéticas e fertilizantes químicos utilizados. O céu nublado é a fuligem da cana-de-açúcar sendo queimada, alcançando distâncias exorbitantes e inspirada para os nossos pulmões. O que parece uma grande área verde são pés de laranja que mesclam a sobrevivência e morte, à medida que novas dosagens de agrotóxicos são utilizadas para controle de pragas (encontrando-se cada vez mais resistentes). 

A terra de Serigy, grande símbolo de libertação e luta, definha mediante a lógica da destruição de seus ambientes naturais. As Unidades de Conservação (UCs) encontram-se isoladas por rodovias e monoculturas; as espécies únicas (endêmicas) de flora e fauna que possuímos, tem perdido espaço e suas populações encontram-se ameaçadas. Área natural? Quase todas devastadas pelo também problemático mercado imobiliário, um bom e claro exemplo é a substituição irresponsável dos manguezais da Capital Aracaju por prédios e avenidas.

Ainda há tempo: um futuro ecossocialista

A luta pela preservação do meio ambiente vinculada a luta de satisfação das necessidades da sociedade é um ponto importante de convergência para o ecossocialismo. É a ideia de libertação da lógica produtivista e exploratória dos recursos naturais, um combate ao capitalismo verde, a ruptura com a civilização comercial capitalista. Desse modo, de acordo com Leonardo Boff, a lógica ecossocialista será uma tendência, não por questões ideológicas, mas sim matemáticas. O planeta não suportará a toda essa exploração maciça dos recursos.

Apesar de parte dos problemas ocasionados pelos efeitos das mudanças climáticas já serem considerados irreversíveis, podemos frear muitos outros. Para isso, o primeiro ponto e mais primordial é escutar os cientistas e atender suas reinvindicações, para construção de um grande programa ecossocialista. É hora de ultrapassar as barreiras da burocratização da política para construção e execução de ações técnicas! Ainda há tempo!

Nesse tópico, destaco algumas ações importantes, dando ênfase ao estado de Sergipe:

  • Energia limpa nos espaços públicos: O uso de energia solar e eólica tem ganhado constante atenção nos últimos anos. Ambas fontes são extremamente viáveis para o abastecimento de energia de praças públicas, secretarias, escolas e sede da prefeitura. Para além das implicações ecológicas, os reservatórios das hidroelétricas têm encontrado problemas de abastecimento frente à ciclos de estiagem (principalmente, por consequência dos desmatamentos), essa crise hídrica é um fator determinante para os constantes aumento da taxa de luz. O uso dessa alternativa pelos 75 municípios Sergipanos ocasionaria menor sobrecarga no Rio São Francisco para geração de energia, promovendo redução nas contas públicas. Além disso, reduziria as dificuldades de abastecimento de água, o qual deve se intensificar com os avanços das mudanças climáticas, aqui já discutidos. Apesar de levantar esse ponto, vimos recentemente a inauguração da maior usina termoelétrica da América Latina no estado de Sergipe, um abuso ambiental sem precedentes;
  • Reflorestamento e construção de corredores ecológicos: As monoculturas no estado de Sergipe têm ocasionado pequenas ilhas de vegetação afastadas entre si, a necessidade de construção de corredores entre os fragmentos possibilitará a movimentação de animais e na polinização de plantas. Do ponto de vista climático, regulam a temperatura local uma vez que capturam o CO2. Do ponto de vista da saúde, as plantas apresentam capacidade de filtragem do ar, podendo remover gases tóxicos e trazer benefícios para qualidade de vida;
  • Arborização de cidades: Assim como para situações elencadas no item anterior, a arborização de cidades permitirá melhor sensação térmica, visto que a retenção de calor promovida pelos asfaltos e prédios das cidades (albedo) é um problema sério, principalmente, nas grandes cidades. Além disso, diminuirá a inalação de gases tóxicos pelas pessoas, reduzindo o número de doenças alérgicas, cânceres, entre outras doenças. A massificação dessa ação de forma generalizada trará modificações substanciais do clima e saúde da sociedade;
  • Pontes verdes: As rodovias tem ocasionado impacto em todo país, devido o atropelamento de fauna principalmente no caso de animais que não causam empatia da sociedade (répteis, anfíbios, aracnídeos, etc). Desse modo, é urgente a necessidade de um estudo técnico realizado pela Administração Estadual de Meio Ambiente (ADEMA) do estado Sergipe para conhecer pontos que ocorrem o maior número de atropelamentos de animais silvestres e aplicar pontes verdes> Nesses trechos, serão resolvidos a pauta de atropelamento de fauna, assim como terá as vantagens já discutidas nos pontos 2 e 3 do presente texto, relacionados à filtragem do ar e sensação térmica;
  • Manutenção dos manguezais: Além da importância ecológica, servindo como berçário para diversas espécies únicas de seu ecossistema, os manguezais impedem a alta erosão do solo. Bem como, tem fundamental importância econômica, pois estima-se que maior parte dos recursos pescados no mar são produzidos neles. Desse modo, pesca de subsistência e sem utilização de agrotóxicos, com controle da atividade principalmente em períodos reprodutivos das espécies, são medidas importantes que podem garantir o seu funcionamento ecossistêmico. Do ponto de vista climático, os manguezais servirão como primeira barreira contra os impactos que serão ocasionados com o aumento do nível do mar. Assim, órgãos públicos (estaduais e municipais) devem promover ações de reabilitação de mangues que estão em declínio e delimitar distância de construção em locais ainda não ocupados pelo mercado imobiliário; 
  • Transporte público gratuito: O transporte público é uma ferramenta coletiva de mobilidade humana para diversos fins. Ainda assim, em grandes centros urbanos como Capitais, a taxa de transporte tem tido elevados aumentos e gestores não tem discutido sobre uso de transporte ecológico, reduzindo liberação dos gases de efeito estufa. Desse modo, a implementação de ônibus gratuito deve diminuir o uso de transporte privado. Esse fator, atrelado a motores ecológicos que se movem à eletricidade ou hidrogênio, por exemplo, serão determinantes para redução de internações hospitalares em decorrência de problemas respiratórios, problemas auditivos por conta dos ruídos dos ônibus tradicionais e redução da emissão de gases de efeito estufa;
  • Agricultura de precisão: Essa prática tem sido utilizada em países europeus como, por exemplo, Holanda. Consiste no uso de estufas construídas para condicionar leguminosas e hortaliças, sendo mantidas em temperaturas ideais e controle biológico de pragas. A produção deve visar a segurança alimentar da população, ou seja, poder público garantindo em todas as demissões a inibição da fome, disponibilizando de forma permanente alimentos, o que garante qualidade de consumo nutricional e de forma sustentável durante sua produção;  
  • Incentivo à produção orgânica: A lógica atual do agronegócio tem agravado a saúde da população, muito pelo acúmulo de agrotóxicos que tem sido utilizada (principalmente no Governo Bolsonaro). Além de acumular nos alimentos, os agrotóxicos podem chegar aos lençóis freáticos, serem arrastados pelas chuvas (lixiviação) e ficarem retidos em animais que vivem tanto em corpos d’água quanto no ambiente terrestre. Incentivos do Estado e municípios para utilização de controle biológico de pragas (fungicidas, por exemplo), método de compostagem para fortalecimento e nutrição do solo e uso de fertilizantes orgânicos, permitem que a produção seja mantida e os gastos pelos agricultores mais baixos. Essa ação contribuirá também para que o solo não se torne desertificado, um dos problemas encontrados pelo relatório do IPCC. Do ponto de vista econômico, as cooperativas podem firmar convênios com as prefeituras negociando uma parcela da produção para o município, que por sua vez vai direcionar os alimentos para as escolas e demais repartições. Além das implicações de saúde, aquece a economia local, principalmente em cidades de pequeno porte, onde o PIB é extremamente baixo, como em regiões interioranas;
  • Agroflorestas: Para além da produção orgânica feita por pequenos produtores, é preciso discutir a implementação de diferentes culturas em meio às monoculturas sergipanas. A utilização de alternância de cultura possibilita que o solo possa se manter saudável, não entre em processo de desertificação, que as nascentes não percam sua capacidade hídrica e que parte da biodiversidade consiga se manter. A prática tem sido utilizada em outros estados (São Paulo, por exemplo) e a modificação da plantação gerou também maior diversidade de produtos alimentícios em armazéns, feiras, etc. O relatório do IPCC trouxe que a caatinga passará por um processo de desertificação, isso implica dizer que a vasta cultura do milho, deve ter impactos sérios e vai colapsar no futuro. Portanto, a modificação para um sistema agroflorestal é a garantia de que os solos possam ainda ser utilizados nas próximas décadas;

Dito isso, fica evidente que a utilização de métodos que garantam a sobrevivência do ambiente só será possível se os meios de produção se mantiverem com o poder público. Mais do que nunca é necessário construir e avaliar junto aos movimentos sociais, organizações ecológicas, cientistas, partidos políticos e promover um grande programa ecossocialista, propondo uma política econômica que vise as necessidades sociais e ao equilíbrio ecológico. O nosso olhar agora é propor soluções para o futuro e garantir a existência das próximas gerações. 

“Eu estava sonhando quando escrevi esses acontecimentos que eu mesmo não verei, mas tenho o prazer de ter sonhado” (Chico Mendes). Ainda há tempo!

*Biólogo e Militante da Resistência/PSOL- Sergipe