Pular para o conteúdo
CULTURA

O que aprendemos com o atual 17 de agosto, dia Nacional do Patrimônio Histórico?

Monique Lima*
Oscar Liberal | Iphan

Palco de inúmeras manifestações populares, os arredores da Cinelândia, no centro da cidade do Rio de Janeiro são constituídos de edifícios históricos como a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal e, dentre outros, o ícone da arquitetura moderna, o Palácio Gustavo Capanema, em voga, na última semana, ao constar na lista de leilão de prédios públicos, anunciada pelo atual ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes.

Inaugurado em 1945, marco do movimento modernista na arquitetura, foi criado para abrigar o Ministério de Educação e Saúde da [então] capital do país, durante o Governo de Getúlio Vargas. Dentre os nomes envolvidos no projeto, constam os de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, com consultoria de Le Corbusier, um dos arquitetos mais renomados do século XX. O prédio, de 16 andares, tem jardim de Roberto Burle Marx, azulejos de Candido Portinari, é tombado desde 1948 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e é um dos bens culturais que integra, de acordo com o site do IPHAN, a atual Lista Indicativa a Patrimônio Mundial.

Essa depredação contra a memória brasileira soa como mais um disparate antinacionalista vestido de verde-amarelo. O memoricídio, ou a destruição da memória, se dá de várias maneiras: lembremos as chamas do Museu Nacional, em 2018, e os descasos que levaram parte da Cinemateca brasileira, recentemente. Pois bem, o leilão de imóveis públicos tombados pelo Patrimônio Nacional pode ser compreendido como uma dessas práticas, quando homens brancos de terno leiloam prédios que homenageiam homens brancos de terno de outrora.

A criação do Dia Nacional do Patrimônio Histórico data de 1998 e possui como “desafiadora missão: promover e coordenar o processo de preservação dos bens culturais do Brasil para fortalecer identidades, garantir o direito à memória e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do País”. Aos nacionalistas de plantão, pergunto: diante do anúncio da venda de um importante edifício da história do país, o que aprendemos com o atual dia Nacional do Patrimônio Histórico?

Quantas vezes temos nos perguntado: Qual é a cidade que queremos? Qual é o nome que se dá ao sentimento de pertença e quais são os afetos (e desafetos) que nos envolvem em um determinado território? Ora, uma cidade é muito mais que as construções que dela fazem: é um território onde as disputas de ideias e de sentimentos transformam as ruas (e os nomes das ruas[1]), os  viadutos, as estátuas (e suas derrocadas), os edifícios, as avenidas e o que dela fazem e fazemos.

Um exemplo da memória em disputa foi o “queima, bandeirante” no último 24 de julho, cujo resultado expõe, por um lado, que a manutenção da história que se deseja contar é a de um expedicionário escravagista esculpido como se fosse um herói. Porém, por outro lado, mostra a tomada de consciência e a necessidade da mudança.

As disputas de imaginário estão por toda parte: das pontas dos altos edifícios que rasgam os céus, aos que vivem sob as marquises e aos que assinam para a inserção de blocos de pedra, ou pontas de ferro sob as mesmas para desumanizar ainda mais a população desabrigada. Em tempo, qual é o país que queremos e quais são os projetos em disputa?

*Filha da classe popular, educadora, letrista de música, artista de rua e doutoranda em Sociologia pela Unicamp.

NOTAS

[1]    Um exemplo da disputa da memória foram as discussões recentes sobre a mudança do nome da Rua Moreira César, em Niterói/RJ, para Rua Ator Paulo Gustavo, ator da cidade, vítima da Covid-19. Moreira César foi um militar atuante em Canudos e na Guerra do Paraguai, conhecido como “corta-cabeças”, como podemos acompanhar na live “Disputa da memória”, veiculada pela Casa de Resistência Rosa Luxemburgo, disponível em.