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BRASIL

Implosão do distritão e prisão de Roberto Jefferson aprofundam a crise do governo Bolsonaro

Euclides Braga Neto, de Fortaleza (CE)
EBC

O presidente da República, Jair Bolsonaro, durante a solenidade de posse dos ministros da Justiça e Segurança Pública; e da Advocacia-Geral da União no Palácio do Planalto

A crise política nas alturas ganhou uma dinâmica avassaladora. Depois do fiasco da “tanqueata” e do enterro da PEC do voto impresso, tivemos na quinta-feira (12) a derrota do ponto mais reacionário da proposta de reforma eleitoral para 2022: o voto distrital.

E esta foi uma derrota acachapante: O PSOL foi autor do destaque que excluiu o “distritão” da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 125/11. Foram 423 votos contra 35. Em lugar do distritão, ficou assegurado um acordo sobre a PEC que fez retornar as coligações para cargos legislativos (vereadores e deputados estaduais e federais), extintas na reforma eleitoral de 2017.

Além disso, foi aprovada a proposta que permite a criação de federações partidárias. O projeto de lei 2.522/2015, que institui as federações partidárias obteve 304 votos favoráveis, 119 contrários e 3 abstenções.

Pelo projeto aprovado, dois ou mais partidos poderão reunir-se em federação para atuar como se fossem uma única legenda. O registro precisará ser feito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As federações partidárias serão submetidas a todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária, sendo preservadas a identidade e a autonomia dos partidos integrantes. Os partidos devem permanecer na federação por, no mínimo, quatro anos. A federação poderá ser constituída até a data final do período de realização das convenções partidárias.

O enterro do distritão foi uma tremenda vitória democrática

O enterro do distritão trata-se de uma tremenda vitória democrática, na medida em que preserva o sistema proporcional de votação na democracia representativa e, não só volta a permitir coligações proporcionais, mas institui as federações partidárias, garantindo a possibilidade de que os partidos com menor densidade eleitoral possam formar federações para concorrer às eleições.

Diante do anterior, há uma grita ensurdecedora da grande imprensa, no que diz respeito ao retorno das coligações proporcionais. Fala-se de um suposto retrocesso, na medida em que as coligações proporcionais possibilitariam que partidos menores pudessem servir de legendas de aluguel para as grandes agremiações partidárias.

A rigor, o que a grande imprensa defende, repercutindo uma das reivindicações autoritárias da classe dominante, é a instituição de medidas cada vez mais restritivas para a organização de partidos legais no país, reduzindo-os dos 33 partidos atuais para, no máximo, meia dúzia. Essas medidas estariam baseadas fundamentalmente em cláusulas de desemprenho, no número de votos e parlamentares eleitos por cada legenda.

Trata-se, portanto, de medidas formais, quando, na verdade a maneira mais eficaz de normatizar critérios mais sérios para a criação e a legalização de partidos políticos seria a exigência de definições programáticas e perfil político rigorosamente delimitados.

Mas essa não é a preocupação da classe dominante, não se trata de ter partidos cada vez mais bem definidos ideológica e programaticamente, mas simplesmente de diminuir o número de partidos legais com base apenas em critérios quantitativos, pouco importando seu projeto para o país e medidas programáticas para resolução das grandes questões econômicas, sociais, humanas, ambientais etc.

Não temos dúvidas: Tanto a derrota do distritão, quanto a volta das coligações e a instituição de federações partidárias representam vitórias democráticas, particularmente no que diz respeito à manutenção do sistema proporcional, o mais democrático no marco da democracia representativa, e a liberdade de organização político-partidária.

A prisão de Roberto Jefferson é mais uma paulada nas intentonas golpistas

A mais explicita fratura da divisão na cúpula da burocracia estatal contra o governo Bolsonaro se dá no Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal (STF) na linha de frente da defesa do chamado Estado Democrático de Direito contra os arroubos neofascistas do presidente genocida. Isso explica, por exemplo, a prisão de Daniel Silveira, antes e, agora, a de Roberto Jefferson.

Ironicamente, na sexta-feira (13), fechando uma semana desastrosa para o governo Bolsonaro e seu projeto de poder, O ex-deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB e um dos principais exponentes da defesa de ações violentas em favor do presidente genocida, foi preso devido a sua inclusão pelo ministro Alexandre de Moraes do STF no inquérito das milícias digitais.

Vale destacar que Alexandre de Moraes assinou o mandado de prisão sem a manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR). Ato seguido, a própria PGR, na pessoa da subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, manifestou-se contrária à prisão de Roberto Jefferson, alegando que a medida serviria apenas para cercear a liberdade de expressão. A partir desse fato, gerou-se um debate político-jurídico se o STF não estaria atropelando as prerrogativas da PGR, na medida em que caberia supostamente à PGR e não ao STF apresentar a denúncia e a proposta de prisão de Jefferson.

Ao nosso juízo, o problema aqui não é o atropelamento do devido processo legal e, muito menos, o cerceamento da liberdade de opinião e manifestação. A questão é que a PGR se nega a cumprir suas obrigações jurídicas e insiste em servir de um biombo para blindar Bolsonaro e seus asseclas.

Mas o mais surpreendente foi o posicionamento de organizações de esquerda, como o Partido da Causa Operária (PCO), contra a prisão de Roberto Jefferson, argumentando em essência que o arsenal jurídico, que inclui a Lei de Segurança Nacional (LSN), usado agora contra o ex-deputado neofascista e, antes, contra o deputado Daniel Silveira pode ser usado contra militantes e organizações de esquerda que defendem a revolução socialista. Nada mais falso.

Todo o aparato do sistema judiciário sempre foi, continua e continuará sendo usado, a começar pela famigerada LSN, contra os movimentos sociais e sindicais e a esquerda partidária. O diferencial aqui é que, pela primeira vez, este mesmo aparato legal está sendo usado contra os neofascistas. E isso deve ser saudado como uma vitória superestrutural dos movimentos sociais, não o contrário. Trata-se, portanto, de uma manifestação categórica da gravidade da fratura no andar de cima, bem como que as frações majoritárias da burguesia e da burocracia estatal, ao se posicionarem em defesa do chamado Estado Democrático de Direito, não estão dispostas a bancar uma mudança autoritária no regime político em favor do presidente genocida. Tão simples quanto isso.

Ainda sobre a manobra antidemocrática do voto impresso

O que Bolsonaro queria com a chantagem do voto impresso era, a rigor, impor um sistema de votação que permitisse a volta do voto de cabresto, controlado no século XXI pelas milícias e as igrejas evangélicas aliadas ao seu projeto neofascista.

A grande ficção criada por Bolsonaro e seus asseclas a respeito do voto eletrônico é que este não seria passível de auditoria e conferência efetiva. Isso é uma grande mentira. O voto eletrônico é tão ou mais passível de auditoria que o voto impresso. Todos os partidos e candidatos têm acesso ao programa e aos dados com os resultados das urnas eletrônicas. Até agora, verdade seja dita, nenhuma fraude foi constatada no sistema de apuração das urnas eletrônicas.

Diante desta realidade irreversível, permeada pelas novas tecnologias no sistema de votação brasileiro, o que os movimentos sociais e os partidos de esquerda devem fazer é exigir cada vez mais mecanismos públicos, transparentes e acessíveis a qualquer cidadão para fiscalizar e, se for o caso, realizar auditorias independentes dos processos eleitorais em urnas eletrônicas.

No entanto, isso não significa que não haja fraudes eleitorais no Brasil. Obviamente que existem, mas essas fraudes se dão antes e durante o processo eleitoral e não depois, na apuração. Quando da apuração, a fraude já é um processo consumado.

As fraudes nas eleições brasileiras estão relacionadas historicamente: ao financiamento dos partidos e candidaturas de direita e extrema-direita pelo capital financeiro; aos bilhões de reais reservados às emendas parlamentares ao orçamento da União, estados e municípios; a um sistema eleitoral proporcional distorcido que beneficia os partidos tradicionais da classe dominante; à compra de votos na boca da urna; e, mais recentemente, à máquina das Fake News e a promoção milionária de candidatos da “nova política” de direita e extrema-direita nas redes sociais, como demonstrou a eleição de um sem número de salafrários na esteira de Bolsonaro.

Frente a tudo isso, a esquerda socialista não pode ficar, como diria Raul Seixas, com a boca escancarada, cheia de dentes… Toda a pancadaria criada artificialmente pelo bolsonarismo, em torno da votação eletrônica contraposta ao voto impresso, deve servir para exigirmos não só mais transparência nos processos eleitorais, mas seguir denunciando e lutando contra medidas antidemocráticas, como o voto distrital e o estabelecimento de um fundo eleitoral bilionário que só beneficia os velhos e novos partidos alinhados com o capital financeiro e seu projeto de dominação baseado na barbárie capitalista, cujo um dos componentes fundamentais no Brasil de hoje é o controle social de territórios inteiros das cidades e, particularmente, suas periferias pelas milícias e igrejas evangélicas associadas ao bolsonarismo.

A proposta do semipresidencialismo

Quase não tem se falado na grande imprensa, mas entre as pautas prioritárias de Arthur Lira (PP-AL) está a proposta do semipresidencialismo, nova versão de golpe parlamentar que tem como garoto-propaganda o ex-presidente Michel Temer.

É importante destacar que o projeto de lei complementar sobre a reforma política, que inclui a proposta do semipresidencialismo, é relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das principais aliadas de Lira, e previa: o voto impresso; a instituição do voto distrital; a busca de um acordo para fixar o fundo eleitoral em, pelo menos, 4 bilhões de reais. Para valer para as eleições 2022, o projeto de lei tem que ser aprovado e sancionado pelo presidente genocida até o início de outubro. O voto impresso e o distritão já foram enterrados. O fundo partidário, provavelmente seja acordado em 4 bi. Mas o que seria o semipresidencialismo?

O semipresidencialismo trata-se de uma proposta de emenda à Constituição que pode ser novamente apresentada ou utilizado o texto já protocolado no ano passado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Espécie de parlamentarismo, inspirado no modelo português, nele, o presidente da República, eleito pelo voto direto, é o chefe de Estado, comandante Supremo das Forças Armadas e tem o poder de dissolver o parlamento, convocar novas eleições, entre outras funções. Ele é responsável por indicar o primeiro-ministro, que seria o chefe de Governo e montaria o gabinete ministerial. Caso perca apoio no Congresso Nacional, o gabinete pode cair e ser substituído. Há quem ventile a aprovação do semipresidencialismo já para 2022. Publicamente, o presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu que, em caso de aprovação, o semipresidencialismo passe a valer a partir de 2026.

A rigor, a proposta do semipresidencialismo representaria um novo golpe parlamentar, cujo objetivo seria garantir que, particularmente, um futuro governo Lula eleito em 2022 ficasse submetido institucionalmente ao Centrão, não mais devido a possíveis acordos políticos, mas enquanto maioria formal da Câmara dos Deputados.

Impeachment ou cassação dos direitos políticos de Bolsonaro?

O manifesto em defesa das eleições e da Justiça Eleitoral assinado por milhares de empresários, banqueiros, políticos, intelectuais e artistas publicado em jornais de grande circulação no último dia 5, trata-se de uma resposta contundente, com o aval de importantes setores da burguesia, às ameaças à democracia representativa feitas por Bolsonaro e exige respeito às eleições de 2022. Essa é apenas mais uma expressão superestrutural da crise nas alturas.

No entanto, outra questão mais pragmática que vem sendo discutida nas últimas semanas é: qual seria uma possível alternativa ao impeachment, que impedisse Bolsonaro de participar das eleições 2022, ainda que ele concluísse seu mandato? Essa pergunta é legítima, na medida em que o processo de impeachment levará meses e pode não ser concluído antes das inscrições dos candidatos a presidência da República no primeiro semestre do ano que vem.

Arriscamos aqui um prognóstico: devido à proximidade das eleições de 2022, o que, muito provavelmente, impediria a conclusão formal do processo de impeachment de Bolsonaro antes das inscrições dos candidatos e, contraditoriamente, garantiria a ele o direito de concorrer à presidência da República mais uma vez – a exemplo do que ocorreu com Donald Trump nos Estados Unidos, que escapou de dois processos de impeachment –, com a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid-19, talvez se imponha como manobra política e jurídica cassar pura e simplesmente seus direitos políticos, impedindo-o de concorrer às eleições de 2022, ainda que isso signifique que ele possa terminar não tão alegremente seu mandato. Se a maioria das frações burguesas se definir por abandonar efetivamente o barco de Bolsonaro, essa seria uma saída alternativa nos marcos do regime da democracia representativa.

Da parte dos movimentos sociais e da esquerda partidária, o mecanismo formal do processo de impeachment ou cassação dos direitos políticos de Bolsonaro é o menos importante. O fundamental é concentrarmos todas as nossas energias na construção das manifestações do dia 18 de agosto e, sobretudo, do dia 7 de setembro. A última palavra sobre o impeachment e o futuro político de Bolsonaro virá das ruas e não dos gabinetes de Brasília. Fora Genocida, já!