Segundo o site Congresso em Foco, em matéria publicada em 24 de julho, a PEC que proíbe militares da ativa participarem do governo, avança na Câmara.[1]
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), despachou em pleno recesso parlamentar, na sexta-feira (23) a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Nº 21/21 para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A CCJ será agora obrigada a cumprir o prazo de cinco reuniões para que o texto seja examinado.
uma das ideias centrais da Assembleia Nacional Constituinte que deu origem à Constituição de 1998: afastar os militares da vida político-partidária e da duplicidade do exercício de cargos militares e civis.
A PEC é de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e propõe criar duas exigências para o militar da ativa que quiser exercer cargo de natureza civil na administração pública: 1) ele deve se afastar da atividade caso tenha menos de dez anos de serviço; 2) ou passar automaticamente para a inatividade se tiver mais de dez anos de serviço.
A rigor, Perpétua não propõe nenhuma novidade, mas simplesmente adotar as mesmas regras já aplicadas a militares no trecho da Constituição sobre direitos políticos, segundo o qual só são elegíveis os militares da reserva ou que, estando há menos de dez anos na corporação, afastem-se da atividade. A deputada apresentou o texto no ano passado, quando Pazuello assumiu o Ministério da Saúde.
A proposta da deputada Perpétua Almeida deve ser saudada como uma medida extremamente urgente e necessária para restabelecer o mínimo de razoabilidade de uma das ideias centrais da Assembleia Nacional Constituinte que deu origem à Constituição de 1998: afastar os militares da vida político-partidária e da duplicidade do exercício de cargos militares e civis. Mas ela deve ser encarada apenas como um primeiro, ainda que importante, passo.
Conciliação de classes e militarização da política
Os governos de Lula e Dilma, para tentar manter a confiança do capital financeiro, levaram até às últimas consequências seu projeto de conciliação de classes. Foi ainda durante os governos do PT que as Forças Armadas passaram a assumir progressivamente o papel de polícia, particularmente no Estado do Rio de Janeiro.
A própria participação do Exército Brasileiro no comando da ocupação do Haiti pelas tropas da ONU, que teve seu início no primeiro mandato de Lula, serviu de “escola” para a intervenção das forças armadas na segurança pública do Rio de Janeiro e na ocupação dos morros cariocas. Isto era impensável até 2002, devido às profundas cicatrizes deixadas na memória nacional pelos 20 anos de ditadura militar (1964-1984). Mas esse processo não se deu sem contradições.
É sabida a rusga entre o governo Lula e o general Augusto Heleno, devido à crise da intervenção do Exército Brasileiro no Haiti, acusado de envolvimento com as disputas das gangues locais, execuções e estupros
É sabida a rusga entre o governo Lula e o general Augusto Heleno, devido à crise da intervenção do Exército Brasileiro no Haiti, acusado de envolvimento com as disputas das gangues locais, execuções e estupros. Outra importante questão que incomodou os militares durante os governos do PT foi a instituição da Comissão da Verdade, que investigou uma série de crimes cometidos pela repressão durante a ditadura. Ainda que até hoje, nenhum oficial de alta patente tenha sido punido, a velha guarda da alta oficialidade jamais perdoou o PT pela ousadia de dar vida e visibilidade à Comissão da Verdade.
O caldo dessa relação, no mínimo controversa, começou a entornar depois da vitória apertada de Dilma sobre Aécio nas eleições de 2014, concomitante ao fim do boom das commodities; à rendição de Dilma ainda no início do seu segundo mandato à política econômica, financeira e cambial do capital financeiro capitaneada por Joaquim Levy; e ao início da operação Lava Jato, que iria redundar no impeachment de Dilma, pouco depois na prisão de Lula e, ato seguido, na eleição de Bolsonaro.
Milicianização e militarização da política
A vida política brasileira foi tomada de assalto por milicianos, policiais e militares das forças armadas nos últimos anos. O genocida que preside atualmente o país tem trânsito nesses três setores há décadas.
É inadmissível que as forças policiais e militares sigam desfilando suas ameaças, virulência e armas nos quadris como parte da luta política e ideológica. Quem é funcionário do Estado para cumprir funções de segurança pública e de segurança do território nacional mantendo, portanto, o direito ao monopólio das armas, não pode ter o direito de fazer política no exercício de sua função.
Pelo menos, desde as eleições de 2016 multiplicaram-se candidatos a cargos executivos e legislativos com o prenome de “general”, “coronel”, “capitão”, “delegado” etc. Todos esses candidatos identificados com o bolsonarismo e suas ideias neofascistas e, inclusive, alguns deles, vinculados explicitamente às milicias.
Por outro lado, no governo Bolsonaro são mais de seis mil cargos na administração direta ocupados por policiais e membros das forças armadas. Somente generais como Braga Neto, Augusto Heleno e Eduardo Ramos tem salários superiores a 100 mil reais por mês. Se estivessem na reserva, seu soldo não chegaria à 20 mil. Além dos absurdos salários, esses potentados podem participar de inúmeras negociatas que envolvem desde compras governamentais, como vacinas contra a Covid, até obras públicas.
Nessa esteira, multiplicaram-se nos últimos anos institutos privados dirigidos por militares com intuito de intermediar negócios com o governo federal, como os institutos Villas Bôas, Federalista, Força Brasil e Sagres. Para citar apenas os dois últimos, o Instituto Força Brasil está envolvido até o pescoço no escândalo da tentativa de compras de vacinas superfaturadas. Já o Instituto Sagres, está iniciando a elaboração de um pretenso “Projeto Nação”, uma espécie de plano de governo para o país com vistas à disputa das eleições de 2022, elaborado com a colaboração de militares da ativa e institutos privados que pertencem, também, a militares.
É inadmissível que as forças policiais e militares sigam desfilando suas ameaças, virulência e armas nos quadris como parte da luta política e ideológica. Quem é funcionário do Estado para cumprir funções de segurança pública e de segurança do território nacional mantendo, portanto, o direito ao monopólio das armas, não pode ter o direito de fazer política no exercício de sua função. Deve deixar de ser policial ou membro das forças armadas, se civilizar, se quiser participar da vida político-partidária e disputar cargos públicos, seja como candidatos ou como parte dos cargos nomeados por prefeitos, governadores e pelo próprio presidente da República.
Fora milicia, polícia e forças armadas da política
A partir da a PEC 21/21 proposta pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), sugerimos uma série de medidas complementares para serem debatidas e transformadas em novos projetos de lei, que poderiam ser apresentados pelos demais deputados de esquerda ou mesmo elaborados sob a forma de projetos de lei de iniciativa popular que inclua, além das polícias e forçar armadas, os juízes, desembargadores e procuradores.
Isso porque não pode ser que um Juiz que adquiriu seu cargo através de um concurso público e se encontra no topo de um dos três poderes da República, possa permanecer em seu posto do poder Judiciário ou se desvincular imediata e alegremente para se candidatar a cargos do poder Executivo e Legislativo ou assumir postos de ministro ou secretário de governo.
Por tudo isso, propomos:
1. Nenhum policial civil, federal ou militar, membro das forças armadas ou magistrado na ativa e no exercício pleno das suas funções poderá se candidatar a um cargo público ou assumir qualquer cargo nos poderes Executivo e Legislativo.
2. O período de carência para ex-policiais, ex-militares das forças armadas e ex-magistrados se candidatarem a cargos públicos deve ser de 10 anos após sua ida para a reserva, aposentadoria ou desligamento da função.
3. Fim dos tribunais especiais para policiais militares e membros das forças armadas. Esses tribunais só se justificam em tempos de guerra. Todos devem ser julgados por tribunais civis e investigamos criminalmente pela justiça civil.
4. Fim da PM, excrecência da ditadura militar. Unificação das polícias numa polícia civil única, preventiva, investigativa e com dedicação exclusiva, sendo proibidas a realização de bicos e trabalhos extras em empresas de segurança privada.
5. Transformação dos corpos de bombeiros militares em forças civis vinculadas aos órgãos de planejamento e urbanização das cidades e de prevenção de incêndios, enchentes e catástrofes em geral, tanto nas zonas urbanas quanto nas zonas rurais e de preservação ambiental.
6. Eleição direta dos delegados de polícia, apenas para o exercício de funções relacionadas à segurança pública, pela corporação e pelas comunidades com mandatos revogáveis a qualquer momento.
7. Controle externo das polícias pelas comunidades e por organismos municipais, estaduais e nacional de segurança pública.
8. Plena garantia, a todos os policiais e membros das forças armadas: 1) do direito ao voto nas eleições executivas e legislativas em todos os níveis; 2) do direito de sindicalização; 3) do direito de greve, que deve ser assegurado apenas se, no momento da sua decretação, todas as armas e equipamentos sejam depositados nas delegacias e quarteis com a supervisão e controle de uma comissão formada pelos demais sindicatos de trabalhadores e movimento sociais.
Essas são algumas propostas que partem de uma lógica oposta a que predomina atualmente no governo Bolsonaro. Elas visam a civilização da polícia e das forças armadas e a restrição da sua participação política, particularmente de seus chefes e dirigentes enquanto estiverem na ativa. Não se trata apenas de medidas restritivas, mas civilizacionais, na medida em que subordinam as forças de segurança e as forças armadas, na qualidade de servidores públicos, à sociedade civil.
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