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MUNDO

Direto de Cuba: “Teremos que voltar ao futuro”

Red de Jóvenes Anticapitalistas en Cuba
Latuff

Tradução: barco da ONU diz “Suspendam o embargo!”

Traduzimos o editorial do site cubano La Tizza, que é impulsionado pela Red de Jóvenes Anticapitalistas em Cuba. A versão original segue no link: https://medium.com/la-tiza/tendremos-que-volver-al-futuro-21721dc2ffaa

Os sinos tocam novamente pelo “fim” do socialismo em Cuba. Certas bocas salivam dos altos do império – e além ou aqui do mar que separa esta ilha do resto do mundo – e também de alguns esgotos. Aqueles que, continuam lendo Cuba como se o Caribe fosse o Báltico, compartilham jubilosos, em suas redes, imagens de Berlim ou Praga, naqueles dias de naufrágio. Não sabem que a Revolução Cubana não pode se “desmerengar”, porque nunca foi merengue. Não porque não tenha sido doce, mas porque também teve seus tragos amargos, que até agora temos sabido transformar em força.

Os que saíram para protestar contra o Estado e o socialismo em Cuba eram do povo. Podemos até assegurar que muitos pertencem à parte do povo que mais sofreu com os efeitos da crise que a pandemia, o bloqueio, as novas sanções norte-americanas e a gestão desesperada e insuficiente do que podemos alcançar, em meio a tanta escassez e problemas acumulados, provocaram. Eles também são a parte das pessoas que tem sido mais prejudicada com o inevitável aumento da desigualdade social, com o qual o avanço das reformas de mercado dilacerou e segmentou nossa sociedade.

Ousamos inclusive assegurar que essas múltiplas desigualdades, às vezes invisíveis, mas sempre sentidas e tão prejudiciais à justiça social, produziram uma desconexão. Uma desconexão entre quem gritava “Pátria e Vida” nas ruas e o projeto revolucionário. E essa desconexão, que sempre deixa um certo sentimento de abandono, de orfandade política e econômica, mais cedo ou mais tarde se transformou em ressentimento e até em ódio.

Se ignorarmos esta complexidade, se simplesmente pensarmos que são “criminosos” ou “marginais”, se resistirmos a compreender os processos de marginalização e se não reconhecermos as dívidas com os mais humildes do interior da nossa sociedade, nunca iremos entender o que aconteceu nesse domingo.

Este setor popular mais marginalizado – pelo menos em Havana – foi ativado pela agenda política da contrarrevolução. Essa soube catalisar seu desconforto e projetar seu desejo como desejo capitalista. Não surpreendentemente, os protestavam por “fome” saquearam não apenas alimentos, mas eletrodomésticos suntuosos das lojas, para satisfazer as ansiedades de consumo largamente adiadas, para construir a vida que aprenderam a imaginar e desejar sem qualquer contrapeso efetivo de uma cultura diferente emancipada.

Houve espontaneidade e houve efeito cascata e de contágio nos acontecimentos de 11 de julho, mas pensar que isso foi “puro” é algo que só verão aqueles para quem a verdade não importa. Houve espontaneidade, mas também uma operação política e de inteligência, realizada por atores que entendem perfeitamente o que está em jogo.

A repentina preocupação de vários “influenciadores” em relação a Cuba parece casual para alguém? E o pedido do prefeito de Miami? A campanha articulada nas redes? A simultaneidade das ações?

No entanto, falar de golpe “brando” e de guerra não convencional como únicas causas dessa revolta reacionária é um erro. Uma perspectiva que se limita a isso colocaria o bloco da Revolução em um fatalismo incômodo: transforma essas tragédias em destinos inevitáveis. Além disso, pode levar a crer que estamos apenas diante de um problema de segurança do Estado. Se o que aconteceu fosse apenas um problema de Estado – assim com as maiúsculas -, quem acredita – ou quer fazer crer – que no dia 11 de julho houve um confronto entre o povo e o Estado estaria certo. Nada mais falso.

No domingo não houve confronto entre o povo e o Estado – embora mais de um teórico gaste tinta tentando comprová-lo. No domingo houve um confronto entre duas partes do povo, entre dois projetos: uma parte que sucumbiu, que se rendeu, à agenda daqueles que sempre tentaram justamente entregá-los por fome e necessidade, e que estão dispostos a renunciar à soberania e ao socialismo porque entendem, ou percebem, não só que não têm mais nada a perder, mas que não têm mais nada a ganhar, e por outro lado, a parte do povo que não quer renunciar ao projeto revolucionário que eles construíram por gerações nem à legalidade da Constituição socialista pela qual votaram democraticamente, nem à sociedade emancipada que eles imaginam em seu futuro além do atual Estado herdeiro da revolução, e suas deficiências. Engana-se quem acredita que só os militares, os dirigentes e os titulares do MLC têm motivos para defender o socialismo. Milhões de pessoas em Cuba hoje não estão dispostas a perder uma sociedade de paz, um projeto de justiça social e uma dignidade nacional que só deram a este povo, a todos eles, uma Revolução que não se esgota no que foi conquistado, mas deve abrir novos caminhos.

Alguns ideólogos da restauração liberal propõem a formação urgente de mesas de diálogo entre as forças da contrarrevolução e o bloco revolucionário – que eles apenas entendem como Estado -. Talvez eles pensem nisso como uma oportunidade de ganhar uma fatia do bolo no contexto de uma disputa aberta do espaço público. Como se nota, suas posições estão muito longe das ruas! Nas ruas reais, os manifestantes mostraram sua total falta de disposição para o diálogo. Aí ficou claro que o seu programa, que é exclusivamente a destruição do socialismo, é inconciliável com o aprofundamento de toda a justiça social, e que, intoxicados pela euforia da dissolução e da destruição, não foram capazes de ver as sombras de uma intervenção nascente ou sua miséria, provavelmente em uma Cuba totalmente devastada pelo capitalismo. Afinal, esses manifestantes foram agentes de um programa que não era deles.

Nos anos 2000, diante da desconexão e da marginalização produzidos pelos anos mais duros da crise dos anos 90, Fidel empreendeu a Batalha de Ideias. Nesse processo, então desprezado por alguns que falam apenas de seus fracassos, e perdem completamente o sentido, milhares de jovens que viviam em ambientes marginalizados, como os que povoam as fotos deste dia 11 com seus rostos, conseguiram estudar ou conseguiram emprego.

Foi então que a universidade realmente alcançou todos os lugares, e não ficou reservada para o seleto grupo de quem passa nos exames e recebe uma “autorização de estudos”. Instrutores de arte, assistentes sociais e professores se empenham em resgatar e reconstruir uma cultura diferente, geral, para todos: tarefas com as quais Fidel elevou a auto-estima dos jovens, especialmente dos mais desfavorecidos, e conseguiu religar eles ao projeto revolucionário.

Fidel regenerou então parte do tecido social desta Revolução que tem procurado ser dos humildes, pelos humildes e para os humildes. Sem a Batalha de Ideias, talvez o que experimentamos no domingo tivesse acontecido uma década antes. Em horas como estas, muitos revolucionários pensaram em Fidel, e não só por causa daquele episódio já antológico de agosto de 1994, mas também por esse. Pensamos em Fidel porque ninguém como ele soube transformar reveses, múltiplas derrotas, em novos caminhos, em vitórias. Se os revolucionários cubanos, se os comunistas cubanos querem vencer, não podemos deixar os olhos fixos no que foi, nem caminhar pelos caminhos antigos.

Se quisermos vencer, teremos que voltar para Fidel; ou seja, voltar ao futuro.