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MUNDO

A luta palestina e as revoluções do Oriente Médio e Norte da África

Joseph Daher*
Mustafa Hassona/Anadolu

Tradução: Gabriel Dayoub

Publicado originalmente pela Tempest Magazine em 05 de julho de 2021: https://www.tempestmag.org/2021/07/palestinian-liberation-and-the-mena-revolutions/

 

Os recentes ataques a palestinos em Israel, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia evidenciaram, mais uma vez, que a dominação colonial e racista e o regime de apartheid são constitutivos da natureza do Estado sionista. A substituição do governo Netanyahu por uma nova coalizão liderada pelo ultranacionalista Naftali Bennet não trará nenhuma novidade para a população palestina.

Comprovando esse fio de continuidade, apenas alguns dias após assumir o poder, Bennet determinou novos ataques aéreos a Gaza. Essas agressões mostram por que a esquerda internacionalista deve expressar solidariedade incondicional à resistência palestina.

Mas nós também precisamos entrar no debate estratégico: como conquistar a liberdade? Qual o nosso papel nesse processo? Os socialistas devem encarar a resistência palestina como uma batalha inseparável das revoluções contra os Estados do Oriente Médio e do Norte da África, principalmente contra Israel. Essa combinação de lutas é o único caminho realista para a libertação de todos os povos da região.

Israel, um Estado de ocupação colonial

Desde sua origem, na Europa, até a atualidade, passando pela fundação de Israel em 1948, o movimento sionista é um projeto de colonização de povoamento. Para estabelecer, manter e expandir seu território, o Estado de Israel promoveu uma limpeza étnica, expulsando os palestinos de suas terras, casas e empregos. Durante esse processo, Israel se aliou a potências imperialistas. O Império Britânico e, mais tarde, os Estados Unidos, financiaram o Estado sionista e o utilizaram como agente na luta contra os movimentos nacionalistas e socialistas nos países árabes.

Assim, o apoio do Estado de Israel à expropriação de casas palestinas no bairro de Sheik Jarrah por colonos sionistas deve ser analisado como uma continuação da Nakba, a catástrofe, que expulsou mais de 700.000 palestinos de suas casas em 1948. Esse processo de colonização é o motivo pelo qual mais de 5 milhões de refugiados palestinos vivem em campos e cidades por todo a região do Oriente Médio e África setentrional.

Até ONGs tradicionais reconhecem agora a natureza reacionária da colonização. A Human Rights Watch e a israelense B’Tselem, por exemplo, recentemente denunciaram o roubo de terras palestinas. Estudos produzidos por essas organizações mostraram como Israel violou leis internacionais ao apoiar a construção de casas por 620.000 colonos judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Também concluíram que o Estado sionista é um regime de apartheid que concede privilégios especiais à população judaica e reduz os palestinos a cidadãos de segunda classe.

Dada a natureza reacionária de Israel, a hegemonia política da extrema-direita na última década não é nenhuma surpresa. Num certo sentido, esse é o desenvolvimento lógico do movimento sionista, com seu etnonacionalismo, do racismo institucional israelense e das mais de sete décadas de opressão e expropriação do povo palestino. Esse caldo de cultura criou o ambiente ideal para o surgimento das gangues sionistas de direita que marcham por bairros palestinos gritando “morte aos árabes”.

Alianças equivocadas com regimes autoritários

Como qualquer outro povo submetido à dominação colonial e ao apartheid, os palestinos têm o direito de resistir, inclusive por meios militares. A defesa desse direito não deve ser confundida com o apoio às perspectivas políticas dos vários partidos envolvidos no processo. Nenhum deles – Fatah, Hamas, Jihad Islâmica, Frente Popular de Libertação da Palestina, Frente Democrática de Libertação da Palestina e outros – oferece uma estratégia política com chance de vitória.

Essas organizações não veem as massas palestinas, a classe trabalhadora e os povos oprimidos da região como forças capazes de se organizar e lutar pela liberdade. Ao invés disso, procuram alianças com as classes dominantes e seus regimes, buscando apoio político e militar para a luta contra Israel. Colaboram com esses regimes e defendem uma política de não-intervenção, mesmo quando os governos oprimem as classes populares e os palestinos que vivem dentro de suas fronteiras.

Os acontecimentos na Jordânia em 1970, que culminaram com o chamado Setembro Negro, oferecem uma ilustração importante dessa estratégia. Apesar da influência, força organizativa e popularidade da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) na Jordânia – onde os palestinos constituíam 70% da população – a direção do Fatah de Yasser Arafat inicialmente se recusou a apoiar os movimentos pela derrubada do Rei Hussein. Em resposta, com o apoio dos EUA e de Israel, o autocrata decretou lei marcial. Sem oposição da maior parte dos governos árabes, Hussein atacou os campos da OLP, matou milhares de militantes palestinos e civis e acabou por expulsar a organização para a Síria e o Líbano.

Apesar dessa tragédia e de outras experiências no exílio, a OLP seguiu insistindo por décadas na mesma estratégia. Hoje, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, apoia a ditadura de Sisi no Egito. Em outro exemplo chocante, ele enviou uma mensagem parabenizando o ditador sírio Bashar al-Assad por sua “reeleição” em maio de 2021, mesmo com brutal repressão a palestinos que participaram da revolta contra a ditadura e da destruição do campo de refugiados Yarmouk, em Damasco.

A estratégia do Hamas é parecida. Seus líderes cultivam alianças com as monarquias do Golfo, especialmente, nos últimos anos, com o Qatar, assim como com o regime fundamentalista do Irã. Em 2012, enquanto a monarquia do Bahrein, com apoio de seus aliados do Golfo, esmagava uma revolta democrática, o então primeiro-ministro de Gaza e dirigente do Hamas parabenizava o regime por suas “reformas”. Muitas lideranças do Hamas viam a revolta como uma tentativa de golpe de estado “sectária” orquestrada pelos shiitas do Bahrein e apoiada pelo Irã.

Durante uma visita a Ankara, em abril de 2018, Khaled Mashal, antiga liderança do Hamas, comemorou a invasão e ocupação turca de Afrin, na Síria. Segundo Mashal, o sucesso da ofensiva “serve como exemplo sólido” que, com esperança, seria seguido por outras “vitórias da comunidade islâmica em vários lugares do mundo”. A ocupação de Afrin pelo exército turco e grupos sírios reacionários financiados por Erdogan expulsou 200.000 pessoas, em sua maioria curdos, e reprimiu duramente os que permaneceram no local.

Infelizmente, a maior parte da esquerda palestina tem seguido versões dessa mesma estratégia, evitando críticas a regimes aliados mesmo quando atuam reprimindo movimentos populares. A Frente Popular para a Liberação Palestina (FPLP), por exemplo, não expressou objeção aos crimes do regime sírio. A organização chegou a apoiar o exército de Assad contra “conspirações internacionais”, declarando que Damasco continuaria sendo uma “pedra no sapato do inimigo sionista e de seus aliados”. A postura da FPLP ante a teocracia iraniana e a ditadura militar egípcia segue o mesmo padrão.

Os regimes traem a luta por liberdade

Ao contrário de ajudar no avanço da luta, as ditaduras da região têm repetidamente traído ou reprimido o povo palestino. No já mencionado Setembro Negro, em 1970, o Estado jordaniano esmagou o movimento palestino, matando milhares e expulsando a OLP de seu território.

Em 1976, o ditador sírio Hafez al-Assad interviu no Líbano em apoio a partidos de extrema-direita e contra organizações de esquerda e palestinas. Ele também ordenou operações militares contra campos de palestinos em Beirute em 1985 e 1986. Em 1990, aproximadamente 2.500 ativistas palestinos estavam encarcerados em prisões sírias.

O Egito tem colaborado com o bloqueio israelense a Gaza desde 2007. O Irã, por sua vez, tenta usar de forma oportunista a causa palestina como ferramenta para atingir outros objetivos em sua política externa para a região.

Se é verdade que o regime sírio apoiou o Hamas, a ajuda foi drasticamente reduzida quando a organização palestina recusou-se a apoiar a contrarrevolução que esmagou o levante democrático de 2011. As ligações formais foram retomadas apenas depois da eleição dos novos líderes da organização, Ismail Haniyeh e de Saleh al-Arouri.

Tehran colaborou com o imperialismo norte-americano no Afeganistão e no Iraque. Por esse motivo, na última onda de protestos no Iraque, manifestantes marcharam sob a consigna “nem EUA, nem Irã”. Esses exemplos colocam em xeque a ideia de que o Irã seria um aliado confiável da causa Palestina ou mesmo que seria um Estado anti-imperialista.

Já a Turquia, apesar da retórica antissionista do governo, mantém fortes laços econômicos com Israel. Erdogan aumentou o volume de trocas com Tel Aviv de US$1,4 bilhão, em 2014, quando chegou ao poder, para US$6,5 bilhões, em 2020. Assim, o regime apoia a causa palestina quando é favorável a seus interesses, traindo a luta quando ela colide com sua estratégia de poder regional.

A falência dos acordos de paz apoiados pelo imperialismo norte-americano

Com a falência da estratégia de aliança com os regimes da região, a OLP optou por um caminho ainda pior: a tentativa de um acordo de paz mediado pelos EUA e outras grandes potências. A esperança era assegurar um compromisso de dois Estados através dos Acordos de Oslo, assinados em 1993.

O acordo equivalia à rendição. Aceitando a ocupação da Palestina histórica pelos sionistas, ganharia, na melhor das hipóteses, um falso Estado palestino, traindo o direito de retorno dos refugiados às suas terras roubadas por Israel. Em última análise, o processo de paz relegou à Autoridade Palestina o domínio sobre uma espécie de bantustão – territórios com limitada autonomia na África do Sul separados para habitantes negros, como parte da política de apartheid – inteiramente submetido a Israel.

Esse resultado desastroso não deveria causar grande surpresa. Os EUA e outras potências imperialistas sempre apoiaram Israel como sua força policial local contra a transformação revolucionária nos países vizinhos, uma política que modificou seu controle sobre as estratégicas reservas energéticas da região.

Desde sua fundação, o Estado sionista serviu repetidamente a esse propósito. Em 1956, Israel apoiou o ataque da França e do Reino Unido contra o Egito de Nasser, logo após a nacionalização do Canal de Suez. Em 1967, a Guerra dos Seis Dias de Israel tinha como alvo, novamente, o Egito, assim como o governo sírio, em sua fase nacionalista radical.

Desde então, os Estados Unidos têm apoiado Israel. Washington irriga os cofres de Tel Aviv com uma média de 4 bilhões de dólares por ano, sustentando a colonização da Palestina e as guerras de agressão a governos e movimentos progressistas da região. Os EUA apoiaram a intervenção militar israelense no Líbano em 1978 e 1982, que assistiu ao terrível massacre de Sabra e Shatila, destruiu as forças palestinas e libanesas de esquerda, e instalou um regime manso em Beirute.

A vitória contra o nacionalismo árabe e a intervenção no Líbano levaram a um enfraquecimento das forças de esquerda na região, isolando a OLP. Por isso, em 1978, a facção de Yasser Arafat no Fatah aderiu à “solução de dois Estados”, um passo necessário para o seu apoio aos Acordos de Oslo, em 1993.

Na verdade, isso significou a rendição da luta pela libertação da Palestina histórica e a transformação do Fatah na Autoridade Palestina (AP), administrando os territórios ocupados. Opositor do Tratado, o intelectual palestino Edward Said declarou que a adesão representava “um abandono em massa dos princípios, da história palestina e de seus objetivos nacionais (…) relegando os palestinos da diáspora ao exílio ou à condição de refugiados permanentes”.

Os EUA e Israel apoiaram o controle da AP sobre os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza (até que o enclave fosse tomado pelo Hamas, em 2007). Seu governo tem cumprido alegremente a tarefa de servir como policial de Washington e Tel Aviv. No recente levante, por exemplo, a Autoridade Palestina prendeu mais de 20 ativistas por posts nas redes sociais e por liderarem protestos. Mais recentemente, Nizar Banat, um importante militante palestino e crítico da AP, foi morto em uma operação de forças policiais em sua casa, na cidade de Dura, em Hebron.

Com o governo de colaboração da Autoridade Palestina, os Estados Unidos têm investido na integração política e econômica de Israel com outros Estados da região. O mais recente movimento nesse sentido foi a assinatura dos Acordos de Abraão, durante o governo Trump. Essa normalização das relações entre Israel e vários países árabes isola ainda mais a luta palestina.

O recém-eleito presidente Joe Biden tem reafirmado o apoio incondicional a Israel, não importa quais crimes sejam cometidos contra o povo palestino. Durante o mais recente bombardeio a Gaza, o Congresso dos EUA aprovou a venda de 735 milhões de dólares em armas de alta precisão para Israel. Bilhões de dólares de ajuda por ano continuarão a ser despejados para o Estado sionista. A estratégia de colaboração com os EUA adotada pela Autoridade Palestina implica a rendição às forças ocupantes e seu patrocinador imperialista.

A fragilidade da classe trabalhadora palestina

Se alianças com governos regionais e acordos mediados pelos EUA são becos sem saída, o que dizer de uma estratégia que aposte na classe trabalhadora palestina? A natureza particular de Israel – Estado baseado num processo de colonização de povoamento – também limita essa hipótese.

Diferentemente da África do Sul sob o apartheid, que dependia da exploração do proletariado negro em suas fábricas e minas, Israel conseguiu expulsar os trabalhadores palestinos de qualquer lugar importante de sua economia e substituí-los por judeus. Assim, os palestinos não conseguem travar a economia israelense através de movimentos grevistas como os trabalhadores negros conseguiam na África do Sul.

Isso não significa que a resistência palestina dentro do Estado de Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza seja inútil. A luta dos trabalhadores e de outros grupos continua central para o movimento.

O ascenso mais recente da luta palestina demonstrou seu poder, assim como seu potencial para forjar uma nova estratégia, substituindo a falida aposta no apoio de governos da região. Novos grupos de juventude e feministas, como o Tal’at, assim como a luta da classe trabalhadora, estão no coração do atual processo de resistência.

A greve geral de 18 de maio foi chamada e coordenada pela organização de base dos trabalhadores palestinos. O movimento paralisou setores da economia de Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Como apontou o jornal israelense Haaretz, “a Associação de Construtoras de Israel registrou a adesão dos trabalhadores palestinos à greve. Apenas 150 dos 160 mil trabalhadores palestinos do setor de construção apareceram para trabalhar em Israel. A paralização nos canteiros de obras causou perdas estimadas em 130 milhões de shekels (quase US$40 milhões)”.

A importância do movimento foi grande, mas não deve ser exagerada. Assaf Adiv, diretor da Associação de Trabalhadores MAAN (a única entidade israelense que organiza trabalhadores palestinos nas zonas industriais dos assentamentos da Cisjordânia, onde sindicatos palestinos são proibidos), destacou que a participação na greve foi, em parte, “devido ao fechamento dos checkpoints e à insegurança das estradas da Cisjordânia”.

Independentemente do tamanho do movimento, a economia israelense foi relativamente poupada. Por isso, o proletariado palestino e outros movimentos sociais necessitam da solidariedade de outros trabalhadores, camponeses e povos oprimidos. A questão é em quais lugares devem buscar esse apoio para conquistar uma democracia secular.

A classe trabalhadora de Israel não é uma aliada estratégica

A primeira e, talvez, mais óbvia aposta seria na classe trabalhadora israelense. No entanto, a lealdade a Israel sempre esteve acima da solidariedade de classe com as massas palestinas.

A cooptação não é resultado apenas de uma devoção ideológica. Há também interesses materiais. Israel fornece a trabalhadores judeus casas roubadas de palestinos e padrões de vida inflados. Assim, a classe dominante e o Estado integraram os trabalhadores israelenses como uma força de colaboração no projeto comum de ocupação colonial.

As organizações de classe, como a central sindical Histadrut, jogaram papel central na limpeza étnica da Palestina. Líderes sindicais sionistas fundaram a central em 1920 como uma organização exclusivamente judaica e a utilizaram para coordenar a expulsão de trabalhadores palestinos.

O slogan da Histadrut – “terra judia, trabalho judeu, produto judeu” – sintetiza seu projeto etnonacionalista e de colaboração de classe, além de evidenciar sua profunda hostilidade a qualquer solidariedade com o povo palestino. Aplicando esse slogan durante e após a fundação do Estado de Israel, a central ajudou a garantir com que a terra só fosse arrendada a judeus e que eles fossem os únicos contratados para trabalhar em fazendas e indústrias. Também assegurou que empresas palestinas fossem boicotadas.

Além disso, o Estado sionista militarizou a incorporação de trabalhadores israelenses através do serviço compulsório. Isso os compele a participar na repressão, fortalecer a ocupação e defender a expropriação de casas e terras palestinas pelos colonos sionistas.

Assim, não surpreende que, com raras exceções, os trabalhadores israelenses tenham apoiado os últimos ataques a Gaza. Em apenas um exemplo de muitos, o sindicato da Companhia Elétrica de Israel chegou ao ponto de anunciar que se recusaria a reparar a rede elétrica de Gaza até que os corpos de dois soldados israelenses e um civil desaparecido fossem devolvidos.

Isso significa que os palestinos não devam buscar forjar alianças com setores progressivos da classe trabalhadora israelense? É claro que não. Exemplos de solidariedade em pequena escala existem, mas são raros.

É difícil imaginar que esses episódios se tornem fortes o suficiente para contrabalancear o padrão majoritário de unidade etnonacionalista da classe trabalhadora israelense com o Estado sionista. Assim, uma estratégia focada na tentativa de unir os trabalhadores palestinos e israelenses contra o sionismo não é realista.

A estratégia revolucionária regional

A chave para desenvolver uma estratégia superior para a libertação da Palestina é situá-la no contexto regional. Milhões de refugiados palestinos estão integrados em países do Oriente Médio e, em menor medida, do Norte da África. Assim, suas lutas estão necessariamente ligadas aos movimentos de massas na região.

Esses trabalhadores e camponeses lembram-se da luta de seus antepassados contra o colonialismo. Enfrentam as “potências imperialistas” que apoiam os regimes opressores. Identificam-se com a luta dos palestinos. Assim, veem sua própria batalha por democracia e igualdade vinculada à conquista da Palestina livre. É por isso que há uma relação dialética entre as lutas. Quando os palestinos lutam, impulsionam o movimento de toda a região por liberdade. E os movimentos em vários países retroalimentam a resistência na Palestina ocupada.

A unidade da sua revolta tem o poder de transformar toda a região, derrubando os regimes de opressão, expulsando as potências imperialistas, acabando com as forças que apoiam Israel e enfraquecendo, portanto, o Estado sionista. A luta unificada tem potencial para, no processo, mostrar aos trabalhadores israelenses que a transformação de toda a região pode acabar com sua exploração. O ministro israelense de extrema-direita Avigdor Lieberman admitiu o tamanho do perigo colocado pela Primavera Árabe à dominação sionista quando declarou, em 2011, que a revolução egípcia que derrubou Mubarak e abriu caminho para a construção da democracia era mais ameaçadora ao poderio israelense que as agressões o regime iraniano.

O poder e potencial dessa estratégia já foram demonstrados diversas vezes. Nos anos 1960 e 1970, o movimento palestino deflagrou um ascenso na luta de classes em toda a região. Em 2000, a Segunda Intifada abriu uma nova era de resistência, inspirando uma onda de organização e luta que explodiria em 2011 com as revoluções na Tunísia, Egito e Síria.

No verão de 2019, palestinos no Líbano organizaram por semanas atos massivos em campos de refugiados contra a decisão do Ministro do Trabalho de tratá-los como estrangeiros, ato considerado discriminatório e racista. A sua resistência ajudou a inspirar um levante mais amplo no Líbano em outubro do mesmo ano, que, por sua vez, influenciou protestos populares no Iraque.

Para apostar na solidariedade regional, coletivos e movimentos palestinos devem romper com a política da AP, do Hamas e da maior parte da esquerda de não-intervenção em assuntos de outros países. Essa postura foi a pré-condição para receber ajuda de vários regimes. Aceitá-la significa separar os palestinos das forças sociais que podem apoiar sua libertação.

Ao invés disso, os lutadores e lutadoras palestinas devem recuperar a estratégia de revolução e solidariedade regional que era defendida pela esquerda nos anos 1960. Infelizmente, a maior parte das organizações abandonou essa orientação para seguir a OLP na aliança com governos reacionários da região.

A revolução vinda de baixo e baseada na luta de classes é o único modo de conquistar a libertação dos regimes opressores, de Israel a Arábia Saudita e Síria, assim como seus patrocinadores imperialistas, dos EUA a China e Rússia. Nesse processo, os movimentos devem abraçar as demandas de todos aqueles que lutam por libertação nacional, como os curdos, e sujeitos a todas as formas de opressão étnica, religiosa e social.

Agora é o momento de retomar esse horizonte estratégico. Todo o Oriente Médio e Norte da África passa por um processo revolucionário de longa escala, baseado na insatisfação das massas com o bloqueio de suas aspirações econômicas e políticas. Já houve duas grandes ondas de luta: a primeira em 2011, que chacoalhou toda a região, e a segunda em 2018 e 2019, que atingiu Sudão, Líbano, Argélia e Iraque. Como nenhuma das demandas populares foi atendida, não há dúvidas que uma terceira onda está a caminho. Os palestinos podem e devem estar no centro dessa próxima onda, na luta pela libertação de sua terra e de toda a região.

A Palestina no processo revolucionário

Apenas através da solidariedade regional é possível visualizar o estabelecimento de um Estado democrático, secular e socialista na Palestina histórica, com direitos iguais para palestinos e judeus, como parte de uma federação socialista de países no Oriente Médio e no Norte da África. No novo Estado, todos os palestinos teriam o direito de retorno aos lares e terras dos quais foram removidos à força em 1948, 1967 e depois. Além disso, a libertação deve incluir um projeto global de reconstrução e desenvolvimento para garantir aos palestinos direitos sociais e econômicos.

Para implementar essa estratégia, os palestinos devem forjar uma nova liderança política, comprometida com a auto-organização do povo na Palestina histórica e na região. Eles não conseguirão fazer isso sozinhos, mas sim em colaboração com socialistas do Egito, Líbano, Síria, Irã, Turquia, Argélia e todos os outros países.

Para os ativistas que estão fora da região, a tarefa mais importante é ganhar a esquerda, sindicatos, grupos progressistas e movimentos para o apoio à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel. Forçar esse movimento contra instituições e corporações das potências imperialistas, especialmente dos EUA, ajudará a bloquear seu apoio a Israel e outros regimes autoritários, enfraquecendo seu domínio na região.

A libertação da Palestina passa pela libertação de todos os povos vivendo sob tiranos de Damasco, Riyadh, Doha, Tehran, Ankara, Abu Dhabi, Cairo, Amman. Como um revolucionário sírio escreveu no verão de 2014 das Colunas de Golan, território ocupado por Israel, “liberdade – um destino comum para Gaza, Yarmouk e Golan”. Esse slogan sintetiza a esperança pela transformação revolucionária de toda a região, única estratégia realista para ganhar a liberdade.

 

Agradeço a Ashley Smith e Sai Englert por sua ajuda na escrita desse artigo.

* acadêmico socialista sírio-suíço. Autor de Hezbollah: The Political Economy of Lebanon’s Party of God (2016) [https://www.plutobooks.com/9780745336893/hezbollah/] e Syria after the Uprisings: The Political Economy of State Resilience (2019) [https://www.plutobooks.com/9780745339382/syria-after-the-uprisings/].