Kalyndra da Hora, Roberta Nascimento, Crismilly Pérola e Fabiana Lucas são as mais recentes vítimas de ataques bárbaros ocorridos em Pernambuco contra suas vidas, em menos de um mês. Asfixiamento, morte resultante de queimadura de 40% do seu corpo, arma de fogo e golpes de facas foram as formas brutais de suas mortes.
Não são apenas números as mais recentes vítimas letais da transfobia em Pernambuco, ocorridas entre os meses de junho e julho, pela ação da intolerância e da violência que vem sendo estimuladas contra a população LGBTQIA+, no contexto da ascensão do discurso bolsonarista e do seu governo da morte. Foram pessoas, sonhos, amores, profissões, projetos de vida, relações familiares e de amizade que foram esmagadas por trogloditas que espalham o ódio e tentam se impor pelo medo, obscurantismo e anonimato. Muitos também são os casos de investigação negligenciados pelas das instituições competentes do Estado.
O Brasil, foi a primeira nação das Américas a descriminalizar a homossexualidade e uma das primeiras em todo o mundo a fazê-lo, pois foi ainda durante os tempos do Império, em 1830, que ser homossexual deixou de ser crime no Brasil. Entretanto, é o país onde mais ocorrem crimes de ódio contra LGBTQIA+ no mundo.
O principal problema enfrentado hoje pela população LGBTQIA+ no Brasil é a LGBTQIA+fobia. Segundo uma pesquisa realizada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 26 horas, uma pessoa morre no Brasil por ser LGBTQIA+, que confirma o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais.
Segundo agências internacionais de direitos humanos, mata-se muitíssimo mais LGBTQIA+ no Brasil do que em países do Oriente e África que explicitamente criminalizam a diversidade e onde persiste a pena de morte contra tal segmento. Mais da metade das pesssoas LGBTQIA+ assassinadas no mundo ocorrem no Brasil, o que acaba sendo um dos principais motivos para a expectativa de vida das trans ser de 35 anos.
Segundo o relatório publicado pela ANTRA, no primeiro semestre de 2021 foram contabilizados 80 assassinatos de pessoas trans, sem contar os casos que nem sequer chegam ao conhecimento publico. Os casos de Kalyndra, Roberta, Perola e Fabiana sao somente a ponta do iceberg de uma violência subnotificada muito maior, e em muitos aspectos.
Por isso, não podemos nos contentar com os espaços ditos de “recorte” para a população LGBTQIA+. Tampouco, devemos nos resumir a disputar os espaços e as políticas destinadas historicamente para a defesa dos direitos humanos. LGBTQIA+ também estuda, trabalha, se alimenta, adoece, se diverte, enfim, existe em sua completude.
Compreendendo esta completude devemos incidir nas políticas públicas. Nós, definitivamente, não estamos aqui somente para discutir o direito ao nome social, ao casamento homossexual ou a criminalização da LGBTQIA+fobia.
Queremos e vamos discutir os problemas da precarização do Sistema Único de Saúde que não interioriza uma política de saúde da população trans, que estabelece filas quilométricas e barreiras concretas para acessar a hormonoterapia e todo o processo transexualizador. Queremos e iremos discutir o devastador impacto da reforma da previdência na vida das LGBTQIA+ que não têm acesso ao emprego formal. Queremos e iremos discutir o direito a uma educação acolhedora, inclusiva, respeitadora, com a valorização de nossa cultura, de nossa identidade, gírias, gestos, formas. É por isso é tão importante pressionarmos em nossos municípios e em nossos Estados para que sejamos uma realidade em todas as demais políticas que forem criadas.
Mais do que nunca é evidente que precisamos seguir lutando para construção de políticas e espaços específicos para a nossa população, mas precisamos também, em momentos difíceis como esse, cavar esse processo de construção na sua completude para a garantia de uma cidadania plena. Não nos calarão ! Não nos impedirão de defender nossas vidas !
*Nascida e criada na comunidade do Alto Santa Terezinha, Zona Norte do Recife, é bacharela em direito pela UFPE e atualmente codeputada das Juntas. Como primeira advogada trans do Estado de Pernambuco, se tornou militante nas pautas LGBT, negra e feminista. Membra da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero e da Comissão da Igualdade Racial, ambas da OAB-PE, é também dançarina amadora
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