No início de junho, cerca de seis meses após tomar posse, Joe Biden esteve na Europa em sua primeira viagem internacional como Presidente dos EUA. Entre os dias 11 e 13 de junho, em um resort da bela península de Cornwall (sudoeste da Inglaterra), ocorreu a 47ª reunião de cúpula do G7. Também chamado Grupo dos Sete, esta é a organização das sete “principais” economias do planeta: EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Canadá, Itália e Japão. Estiveram na reunião os chefes de estado dos países membros, além da União Europeia – representada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Conselho Europeu, Charles Michel – e dos países convidados: África do Sul, Coréia do Sul, Austrália e Índia. Destes, o único governante que não estava fisicamente presente e participou remotamente do encontro foi o Primeiro Ministro indiano Narendra Modi, que não viajou à Grã-Bretanha devido à severidade da pandemia de Covid em seu país.
Logo após o término da reunião de cúpula do G7, Biden foi para Bruxelas participar da reunião da OTAN – aliança militar criada após a Segunda Guerra mundial entre os EUA, Canadá e países europeus alinhados ao imperialismo norte-americano. E em seguida esteve em Genebra, onde se encontrou com o presidente russo Vladimir Putin.
Na agenda do G7: pandemia, recuperação, crise ambiental e, principalmente, China.
A principal pauta do Encontro foi como conter o avanço chinês no cenário internacional. Uma declaração conjunta dos líderes do G7 acusou a China de inúmeros problemas, como desrespeitar liberdades individuais e democráticas (citando nominalmente a questão de Hong Kong e da minoria étnica muçulmana Uygur), a questão de Taiwan e até uma possível responsabilidade na origem do vírus Covid-19.
A pauta oficial da reunião do G7 estava centrada em ações para o combate à pandemia em escala global, incentivos à recuperação econômica em conjunto com o controle da pandemia e a abordagem da questão ambiental. De concreto, poucas medidas foram anunciadas nesse sentido ao final do evento. Na questão do combate à pandemia, o G7 prometeu a doação de 1 Bilhão de doses de vacinas aos países “em desenvolvimento” até meados de 2022. Esta quantidade (e o prazo em distribuí-la) são insuficientes, pois a própria OMS estima que um total de 11 Bilhões de doses seriam o necessário para um controle efetivo da Covid – além da quantidade adicional de mortes que o atraso nessa “doação” pode acarretar. Além disso, foram divulgadas “intenções” de fechar o “o mais rápido possível” as usinas de energia movidas a carvão – altamente poluentes – e de proteger 30% dos oceanos e terras até 2030, sem prover maiores detalhes de como tais metas seriam alcançadas. E, por fim, criar elementos de fomento a investimento nos países subdesenvolvidos, também sem muitos detalhes de como isso seria aplicado.
Porém, o objetivo central do Encontro, era o de organizar as iniciativas no tabuleiro geopolítico para conter o avanço da China. O país vem ganhando espaço na disputa pela hegemonia global com o imperialismo norte-americano, e esse processo se aprofundou durante o governo Trump e no processo de recuperação da pandemia. A China vem aumentando sua influência em várias partes do mundo – na África, Ásia, América Latina e até na Europa, com a “Nova Rota da Seda” e investimentos em diversos países. A principal pauta do Encontro foi como conter o avanço chinês no cenário internacional. Uma declaração conjunta dos líderes do G7 acusou a China de inúmeros problemas, como desrespeitar liberdades individuais e democráticas (citando nominalmente a questão de Hong Kong e da minoria étnica muçulmana Uygur), a questão de Taiwan e até uma possível responsabilidade na origem do vírus Covid-19. O governo de Pequim denunciou o G7 de manipulação politica e fazer acusações inverídicas e infundadas.
Reunião da OTAN e encontro com Putin, na sequência, completam a agenda de Biden na Europa
Na sequência, a reunião da OTAN foi o palco para Biden apresentar uma linha bastante diferente da aplicada por Trump no período anterior – que chegou até a questionar o financiamento dos EUA à instituição. Com o capital político acumulado na reunião do G7, Biden foi a Bruxelas com a tarefa de reassegurar o papel norte-americano de liderança na OTAN – a serviço dessa mesma política. Não por acaso, o Comunicado final do G7 incluiu menções ao uso de armas químicas em território russo, bem como a tolerância das autoridades de Moscou a ataques cibernéticos (ransomware) originados na país.
Ao final da Reunião, a OTAN declarou a China como um “desafio sistêmico”, e uma ameaça militar aos países da Aliança imperialista. O norueguês Jens Stoltenberg, Secretário Geral da OTAN, alertou que a China “se aproxima da OTAN em termos militares e tecnológicos”. O governo chinês respondeu que o país não representa ameaça ou desafio, mas que “não iriam assistir sentados as ameaças que se aproximarem do país”.
Em seguida, Biden completou a turnê europeia com um encontro bilateral com Putin, na Suíça. Mesmo sem qualquer medida concreta anunciada após o encontro, Biden sinaliza que tenta o diálogo com o governo russo – após reuniões do G7 e da OTAN onde os EUA retomaram a inciativa e o papel de liderança – o que pode significar uma tentativa de políticas diferenciadas de enfrentamento à Rússia e China no próximo período. Dias após estes eventos, o Conselho de Segurança da ONU votou um embargo de armas à junta militar que comanda o golpe e a ditadura em Myanmar – China e Rússia não apoiaram esta resolução.
Lista de países convidados do G7 evidencia o isolamento e a crise do projeto internacional de Bolsonaro
Um elemento a se observar na composição da reunião do G7 é a lista de países convidados, em particular à ausência de um: o Brasil. A lista de convidados era composta de países com importância regional, que poderiam cumprir um papel na contenção do avanço chinês em suas regiões. Austrália, Índia e Coréia do Sul na região de Ásia e Pacífico, e África do Sul na África.
O que deixou o Brasil de fora da lista não foi a ausência de crescimento da influência chinesa na América Latina, nem o potencial peso regional que tem o Brasil. Bolsonaro mesmo, em 2020, publicou que era convidado de Trump para a reunião do G7 daquele ano, que acabou sendo cancelada devido à pandemia (e desistência do governo Trump em promove-la, mesmo que de outras formas). Essa ausência se dá pela falência do projeto internacional de Bolsonaro – que era uma inserção totalmente subordinada do Brasil na “nova ordem mundial” apregoada por Trump. Com a derrota desse Projeto, o governo brasileiro deixa claro seu isolamento internacional e ausência de um projeto de inserção geopolítica nesse novo momento – o que pode fazer com que a economia (e a burguesia) brasileira tenham ainda mais dificuldades em navegar uma eventual recuperação econômica (mesmo que limitada e parcial) internacional.
Dificuldades e contradições: a marca do próximo período
Mesmo com um relativo sucesso em sua jornada pela Europa, Biden e o imperialismo norte-americano não tem pela frente um céu de brigadeiro para a implementação de seu projeto. A começar pelas contradições dentre seus próprios aliados. Os governos europeus refletiram, na mesma Reunião do G7, que embora haja um grande acordo entre eles em combater o crescimento da influência chinesa os ritmos e matizes variam muito. O presidente francês Emmanuel Macron afirmou que “a necessidade da Europa manter sua independência no que se refere à estratégia perante a China”. Declarações semelhantes foram feitas pela Chanceler alemã Angela Merkel e até pelo Primiro Ministro britânico Boris Johnson.
Além disso, existem outras arestas que ainda não foram aparadas, como pendências entre o Reino Unido e a União Europeia no acordo do Brexit – o que está criando uma situação potencialmente explosiva na Irlanda do Norte, levando inclusive Biden a ter uma conversa em separado com Boris Johnson sobre o tema.
Além dos problemas entre os governos (e frações burguesas e imperialistas), a própria indefinição sobre o ritmo de controle da pandemia e como será a recuperação econômica, seu fôlego e ritmo, ainda são grandes incógnitas. A desigualdade na vacinação e na capacidade dos estados em lançarem pacotes de estímulo econômico tende a aprofundar ainda mais as desigualdades global e regionais.
E, fundamentalmente, as respostas que os movimentos sociais, os povos, os trabalhadores e os setores oprimidos darão a essa crise terão um peso fundamental. Não basta a Biden e às potências imperialistas ocidentais ignorarem a crise econômica e social do último período, especialmente com a pandemia. Não basta se apresentarem como superação sobre o Trumpismo e à proliferação de alternativas ultranacionalistas e de extrema-direita no último período. As contradições estão postas, e não serão resolvidas com facilidade.
Nenhuma ilusão em Biden ou na “nova cara” do imperialismo. Apoiar e unificar as lutas dos trabalhadores e povos em todo o planeta
O discurso do imperialismo mudou bastante no último período. As reuniões do G7 da OTAN somente confirmaram essa reorientação, que está sendo posta em prática. De forma distinta a seu antecessor Trump, Joe Biden se baseia em um discurso onde inclui temas como “diversidade”, “multiculturalismo”, “respeito a minorias”, dentre outros. Acena para a questão ambiental de forma também distinta a de Trump, que negava o tema de forma agressiva e ultrarreacionária. Sua retórica de combate à China também é cuidadosamente diferenciada, seus pontos centrais são o “ataque à democracia e liberdades”, respeito às minorias etc. O imperialismo se apropria de um discurso mais democrático e inclusivo, diferente do ultra reacionarismo de Trump e da extrema-direita – e pode com isso dar a falsa impressão (até por contraste) de ser um aliado dos trabalhadores e dos povos no novo cenário global.
O imperialismo se apropria de um discurso mais democrático e inclusivo, diferente do ultra reacionarismo de Trump e da extrema-direita – e pode com isso dar a falsa impressão (até por contraste) de ser um aliado dos trabalhadores e dos povos no novo cenário global.
Mas isso não é verdade. Essa mudança é para recuperar terreno perdido no desastroso modelo anterior. O que Biden e o imperialismo projetam é garantir a retomada da taxa de lucros, da super-exploração, da dominação dos povos. É garantir que os ricos continuem ficando mais ricos, enquanto a maioria da população cada vez mais apertada, endividada, trabalhando precariamente etc. Que a desigualdade, dentro de seus próprios países e na escala internacional, e a exploração predatória do meio ambiente sejam o combustível de seus lucros e poder.
Tampouco a alternativa é enxergar o novo imperialismo chinês como um campo “progressivo”, aliado ou “anti-imperialista”. O capital chinês disputa a hegemonia com o imperialismo norte-americano e ocidental, e tem projeto similar. Basta observar o nível de exploração dos trabalhadores nesses países, como tratam minorias étnicas ou religiosas, a questão ambiental e as liberdades democráticas.
A solução também vem aparecendo, nas ruas, neste último período. Ela está nas respostas do movimento antirracista dos EUA ao assassinato de George Floyd há um ano atrás, e as lutas que seguem no país desde então. As lutas de jovens e trabalhadores em várias partes do mundo contra a violência policial, como na Nigéria, na França e na Indonésia. Na greve dos 200 milhões de trabalhadores indianos, na resistência de Myanmar contra o golpe e a ditadura. Nas lutas feministas, dos imigrantes, ambientais. E nos inúmeros exemplos de vários países da América Latina, como o Chile, a Colômbia, o Paraguai, Peru, Bolívia – dentre outros. É com a continuidade e crescimento dessas lutas, combinando seus elementos iniciais com uma agenda anticapitalista e seus governos de plantão, que pode levar os trabalhadores e a maioria da população a transformarmos essa realidade e dizer que os 99% não vão pagar a conta de mais essa crise. O imperialismo tem seu projeto de nova ordem mundial, e de como será o mundo após a pandemia – mas esse jogo está apenas começando.
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