Pular para o conteúdo
BRASIL

Mãe de Kathlen Romeu: “Quem foi recebida a tiros foi a minha filha”

da redação
Reprodução

A morte de Kathlen Romeu, 24, grávida de quatro meses, durante uma “operação” policial no Complexo do Lins, no Rio de Janeiro, revoltou familiares, moradores e chocou o país, em mais um capítulo da política de guerra às drogas levada adiante pela Polícia Militar e pelos governos estaduais e federal. No mesmo dia, um protesto foi realizado por moradores. Com cartazes pedindo paz, dezenas de pessoas interromperam o trânsito na Estrada Grajaú-Jacarepaguá nos dois sentidos, por três horas.

A mãe de Kathlen, na manhã desta quarta-feira, em uma atitude corajosa, responsabilizou a Polícia Militar pela morte da filha. “Se a minha filha fosse morta por bandido eu não falaria nada com vocês porque eu sei que eu moro em um lugar que eu não poderia falar. Então ficaria na minha. Mas não foi. Foi a polícia que matou a minha filha. Foi a PM que tirou a minha vida, o meu sonho”, afirmou Jaqueline de Oliveira Lopes, na saída do Instituto Médico Legal.

A mãe contesta a versão de que os policiais teriam sido atacados. “Avisa ao major Blaz que esta historinha que é contada há anos na televisão que foi troca de tiros, que a polícia foi recebida a tiros. Quem foi recebida a tiros foi a minha filha. Eu fui informada por todos de que não foi troca de tiros. A polícia estava dentro de uma casa, viu os bandidos e atirou. Se a polícia estava dentro de uma casa, porque não olhou quem estava passando? Se eles estavam de tocaia, eles têm que ter cuidado. Na favela não mora só bandido”, afirmou Jaqueline, em entrevista ao RJ TV.

Kathleen era vendedora em uma loja, designer de interiores e sonhava em ser modelo. Ela havia se mudado há um mês do local por conta da violência. Estava acompanhada da avó, indo ver uma tia, quando foi atingida. “A rua estava tranquila. Foi tudo muito de repente. A minha neta caiu, começou muito tiro”, disse a avó, Sayonara Fátima Queiroz de Oliveira, chorando. A avó afirmou que teve que insistir para que parassem de atirar e para acompanhar a neta no carro. “Eu me levantei e falei: ‘gente, para de dar tiro e socorre a minha neta’. Eles socorreram porque eu gritei. Eles não queriam nem que eu fosse no carro com ela”, disse Sayonara.

Revolta

A revolta tomou conta das redes sociais. O músico Emicida compartilhou mensagem da Coalizão Negra por Direitos com a foto de Kathlen, e disse: “Esse lugar precisa de muito pra um dia sonhar em ser um país.” A Coalizão Negra pediu a responsabilização do governador Cláudio Castro, o mesmo que autorizou a chacina no Jacarezinho, e do comando da PM e afirmou: “A política de morte do RJ, alinhada ao governo Bolsonaro, mantém em curso o genocídio do povo negro no Brasil.” A vereadora Iza Lourença (PSOL), de Belo Horizonte, também se pronunciou: “Uma bala perdida encontrou mais um corpo negro. (…) É dor que revolta. É Estado genocida.”

O ativista Jota Marques, da Cidade de Deus, resumiu como a cidade naturalizou o genocídio. “É com tristeza que digo: A cidade pararia. Todos os jornais falariam. O Governador talvez caísse. Se Katlen Romeu fosse uma jovem mãe grávida branca da classe alta da sociedade. Mas o seu corpo negro e favelizado, assim como do seu filho na barriga: Estava programado pra morrer!”

Protesto

Nesta quarta-feira, 09, às 16h, ocorrerá um ato público em memória de Kathleen Romeu. O ato ocorrerá em frente a Light, na Av. Lins de Vasconcelos, 623. Nas redes sociais, está sendo convocado por organizações do movimento negro e apoiado por parlamentares, como a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.

A operação que resultou no assassinato de Kathleen foi feita sob a vigência da ADPF 635, a ADPF das favelas, que impede que a Polícia promova operações em favelas e comunidades durante a pandemia, a não ser em determinadas condições e com comunicação ao Ministério Público. A Polícia diz que não fez operações e que foi atacada.

Segundo a jornalista Cecília Oliveira, do Instituto Fogo Cruzado, em matéria do El Pais, “Em 1 ano de #ADPF635, os tiroteios caíram 23%. Mas a proporção de tiroteios com vítimas, que ocorrem majoritariamente em casos onde há agentes públicos de segurança, se manteve estável. Isso indica que o comportamento das polícias não mudou, elas apenas atuaram menos.” Ainda segundo o Instituto, nos últimos cinco anos, 15 grávidas foram baleadas no Grande Rio. Além de Kathlen, outras sete mulheres grávidas morreram e nove bebês não resistiram.