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MUNDO

A nova coalizão política de governo em Israel: mais do mesmo

Roberto “Che” Mansilla*, do Rio de Janeiro, RJ

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu

“Eu não daria outro centímetro para os árabes (…).
Temos que abandonar a ideia de que, se dermos a eles mais território, o mundo nos amará.”
Naftali Bennett (2018) (1)

Na última quarta (02) os opositores de Benjamin Netanyahu assinaram um acordo para a formação de um governo de coalizão em Israel. Caso o Knesset (Parlamento israelense) ratifique essa proposta (e se esta não se desfizer antes de o novo gabinete assumir), será o fim de 12 anos de mandato de Netanyahu como primeiro-ministro de Israel. 

A aliança reunirá Yair Lapid (atual líder da oposição), um político de centro-direita, com Naftali Bennett, um ultranacionalista de direita, em uma coalizão antes considerada improvável, mas com o objetivo comum de afastar Netanyahu do poder. Outra novidade é a participação de uma lista que representa uma parte dos árabes-israelenses, minoria em Israel. O acordo prevê uma rotatividade na cadeira de primeiro-ministro e que os primeiros dois anos seriam exercidos por Bennet. 

O impasse político em Israel começou em 2019 com as dificuldades de Netanyahu manter uma coalizão majoritária. Israel passou por quatro eleições nos últimos dois anos para que uma maioria parlamentar fosse formada. Em março de 2020, ocorreu um resultado semelhante. Mas, devido à pandemia do Covid-19, tanto Netanyahu como Gantz (2) concordaram em formar entre eles dois uma coalizão ampla, mas temporária. As fortes denúncias de corrupção contra Netanyahu também ajudaram a precipitar esse novo momento. 

Netanyahu continuou radicalizando o projeto colonial sionista com duas intenções claras no curto prazo. Por um lado, tentou convencer a maioria da sociedade israelense que ele representaria o homem forte que Israel tanto precisava, em previsíveis tensões com os palestinos e a fixação obsessiva em uma suposta agressão do Irã. Por outro lado, buscou continuar judicialmente blindado dos processos de corrupção, fraudes, suborno e abuso de autoridade em que é réu, polarizando a sociedade nesse período. Mas, ele agora corre o risco até de ser preso, pois seu processo está em andamento. 

A nova coalizão política: Parlamento de Israel votará aprovação de novo governo até 14 de junho

Nesta segunda-feira, (07), o presidente do Legislativo israelense Yariv Levin, disse que até a próxima segunda (14) será a sessão do Knesset para votar novo governo, formado por oponentes do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Desde 2019, há uma fragmentação eleitoral em Israel o que dificultava um partido sozinho (e mesmo uma coalizão deles) chegasse a 61 cadeiras (e assim ter a maioria) e, por isso, as alianças tem grande importância pois definem qual grupo terá o poder de escolher o premiê israelense.

O chamado “O bloco de mudança” (como foi apelidado pela imprensa israelense), conta com oito partidos: são três forças da direita nacionalista, duas de centro direita, duas da “esquerda” sionista e, a grande novidade: a Lista Árabe Unida (UAL) um partido islâmico que congrega 4 dos 10 parlamentares eleitos pela minoria árabe.

Deve ser acrescentada ainda a participação de um partido da “esquerda” sionista, o Meretz, que sempre se disse “defensor da paz” e que também está presente na coligação com a extrema-direita sionista. Certamente não é casualidade, pois como toda a esquerda sionista sempre apoiou as políticas de estado de Israel sobre os palestinos, como todas as agressões a Gaza, diferenciando-se somente em seus detalhes, como os supostos “excessos” ou a conveniência de invadir a Faixa.

Naftali Bennett deverá ser o primeiro a assumir a função de primeiro-ministro. É um histórico integrante da direita ultranacionalista israelense. Integrou o Yesha, principal movimento de colonos da Cisjordânia. Em 2019/2020 foi ministro de Defesa de Netanyahu. Bennett é empresário do setor de tecnologia, multimilionário e seu o partido Yamina (“À direita”, em hebraico) tem 6 cadeiras no Parlamento. Radical adversário da criação de um Estado palestino, já declarou inúmeras vezes ser favorável a anexação de grande parte da Cisjordânia.

Da esquerda para a direita: O líder da oposição e do partido de centro-direita Yair Lapid; o líder ultradireitista Naftali Bennett e Mansour Abbas, líder da Lista Árabe Unida.

Pelo acordo, passados dois anos de um ministério de Bennett, será a vez de Yair Lapid assumir como Primeiro-Ministro. Lapid é um político de centro-direita. Figura bem conhecida dos israelenses (participou de um famoso programa de entretenimento na televisão local) é jornalista e também teve uma passagem no governo de Netanyahu, entre 2013 a 2015 (então como líder do Likud), onde atuou como ministro das Finanças. Depois se tornou um forte opositor daquele governo. Lapid é apresentado por vários sites jornalístico como um político de “perfil de consenso e moderado”, (3) por defender a “solução de dois estados” no Oriente Médio. É o principal nome do partido Yesh Atid (“Há futuro”, em hebraico) que atualmente tem a segunda maior bancada no Knesset, com 17 assentos. 

Finalmente, um terceiro importante ator dessa nova configuração política em Israel é Mansour Abbas, presidente da Lista Árabe Unida (UAL). Ele representa parte de minoria árabe em Israel, 21% da população e defende a criação de um Estado Palestino. É a primeira vez que esse agrupamento faz parte de uma coligação governamental israelense. 

É importante dizer que em janeiro de deste ano, a UAL rompeu com a Lista Unida, que congregava todos os partidos representantes dos palestinos em Israel por ser a favor de políticas abertamente discriminatórias contra os LGBTs e por se dispor a negociar o apoio à formação de governo por Netanyahu. Para justificar o acordo, em que um partido representando os palestinos formaria parte da coalizão de governo, o líder do partido, Mansour Abbas, declarou que seriam disponibilizados 4 bilhões de dólares em obras de infraestrutura nas comunidades palestinas de Israel, além de congelar a demolição de casas (uma prática exercida desde 1948 por Israel em toda a Palestina e que já resultou em milhares delas demolidas desde então) e reconhecer os vilarejos povoados pelos beduínos no Sul de Israel, além de atender as reivindicações de combate à criminalidade nas comunidades palestinas de Israel.

Se um governo de base sionista tivesse a intenção de fazer essas concessões – que vão contra as políticas realizadas por todos os partidos sionistas em Israel nos últimos 73 anos –, o “esquecimento” dos palestinos da Cisjordânia, de Gaza e Jerusalém Oriental é duramente questionado, pois continuariam a sofrer as contínuas violações de direitos. Portanto, como adverte Waldo Mermelstein, a “entrada dos islamitas da Lista Árabe Unida em um governo sionista é, sem dúvida, uma vitória do sionismo”.

Incertezas e poucas pistas do que está por vir

É importante dizer que há vários aspectos mesclados e que até agora não estão claros. Há, sem dúvida, um dos principais desafios de um novo governo (se realmente for efetivado e não for rompido, sobretudo por pressões da base dos partidos de extrema-direita) que é tentar “acalmar os nervos” internos e superar a fragmentação política em Israel.  

Como escreveu Yossi Verter, colunista do jornal israelense Haaretz, “O governo de mudança anti-Netanyahu ainda não é fato consumado”.(4) Ou seja, é preciso esperar, pois há muita incerteza. Pode ser que as divisões políticas em Israel e, agora, a entrada pela primeira vez de um partido de árabes-israelenses no governo sejam ainda maiores.

Também há muita diversidade ideológica e de projetos dentro dessa pretensa nova coalizão de oito partidos. Há em comum um único consenso: tirar Netanyahu do poder. Mas há vários pontos conflituosos, como as leis de construção de moradias para famílias muçulmanas, o reconhecimento de vilas de beduínos no deserto de Negev (considerados essenciais para a Lista Árabe Unida) e talvez o tema mais complexo a ser resolvido que é a criação de um Estado Palestino (defendido por alguns partidos da coalizão) mas que encontra total negativa do partido ultradireitista Yamina, de Bennett. (5)

E Netanyahu? Ele enfrenta um desafio real que não apenas ameaça seu futuro político como o deixa exposto a um julgamento e sua eventual prisão por corrupção. Seu futuro como líder do partido Likud está em risco. Mas, se porventura ele não for condenado, poderá se tornar o maior líder da oposição, já que seu partido, o Likud, é o que tem o maior número de representantes no Parlamento, com 30 cadeiras. Sua esperança é que a nova coalizão não se sustente por muito tempo e que ele volte a segurar as rédeas do governo em breve. De fato, a melhor alternativa escolhida por Netanyahu é, ao invés de um novo governo de coalizão Bennett-Lapid, novas eleições (seria uma nova eleição, a quinta em apenas dois anos). Veremos.

O que pensam os palestinos da tentativa da nova formatação política em Israel?

Passado poucas horas da confirmação do acordo para a formação de um novo governo de coalizão em Israel, várias vozes da resistência palestina mostraram ceticismo e rejeição a ideia de que diferentes nomes no comando da política israelense sejam capazes de modificar a velha agenda sionista de sistemático racismo, expansionismo colonial, violação de direitos e apartheid social em relação aos palestinos.

Hazem Qassem, porta-voz do Hamas (que governa a Faixa de Gaza), disse que não faz diferença quem governa Israel:

Os palestinos viram dezenas de governos israelenses ao longo da história, direita, esquerda, centro, como eles chamam. Mas todos eles têm sido hostis quando se trata dos direitos de nosso povo palestino e todos eles têm políticas hostis de expansionismo”.(6)

Já Hanan Ashrawi, que fez parte do comitê executivo da OLP disse em seu twitter:

O fim da era Netanyahu ainda contém em si sistemas embutidos de racismo, extremismo, violência e ilegalidade + expansionismo, anexação e ilegalidade. Seus ex-companheiros manterão seu legado. Cabe às forças progressivas reduzidas desafiar e mudar esse legado” (7)

Nem Mansour Abbas, líder da Lista Árabe Unida, foi poupado ou visto com esperança. Tanto na Cisjordânia, quanto em Gaza, ele foi muito criticado por se aliar ao que os palestinos consideram o inimigo. Badri Karam, morador de Gaza de 21 anos, disse: “O que ele fará quando lhe pedirem para votar no lançamento de uma nova guerra em Gaza? Ele vai aceitar isso, sendo parte da matança de palestinos?” (8)

Realmente a participação da Lista Árabe Unida na nova coalizão pode ser mais problemática e perigosa do que eles imaginam. Afinal será possível “refazer” ou mesmo “remendar” aspectos não racistas de uma legislação que historicamente já segrega os palestinos, mesmo em Israel onde eles são cidadãos de segunda categoria? E será que Abbas irá abordar o tema da ocupação israelense e da opressão sistemática contra os palestinos? (9)

Por fim é muito importante o que diz o colunista Marwan Bishara em artigo recente para o portal de notícias Al Jazeera na qual afirma não ser possível esperar que a coalizão formada pelos partidários descontentes do primeiro-ministro de saída “leve a muitas mudanças em um estado de coisas já terrível” e de forma irônica, mas contundente afirma:

Depois de anos se alimentando de seus asseclas como um escorpião, a prole de Netanyahu está decidida a devorá-lo em um ritual distorcido de matrifagia política. Assim que Netanyahu for neutralizado e incapaz de retornar, o ‘governo de mudança’ irá, para todos os efeitos práticos, perder sua razão de ser. 

Os parceiros da coalizão simplesmente concordaram em discordar sobre as grandes questões, e é improvável que concordem com qualquer mudança política consequente, muito menos uma nova agenda nacional, transformadora ou mesmo transitória”. (10)

Muitas dúvidas, mas uma convicção

A unidade para derrubar Netanyahu é contraditória. Se for confirmada, a nova coalizão pluripartidária e multifacetada (uma verdadeira colcha de retalhos de partidos pequenos de todo o espectro político) que tentará formar um novo governo israelense estará num novo terreno, mesmo que seja o mesmo terreno minado que as regras da ocupação da Palestina implicam. Quem está do lado da humanidade tem boas razões para celebrar o fim da “era Netanyahu” e do mais longo e sangrento mandato da ocupação (12 anos ininterruptos e,15 no total, contando um mandato de três anos entre 1996-1999) e que foi o principal organizador e legitimador dos elementos mais abertamente racistas da sociedade israelense, garantindo que eles entrassem no Knesset (Parlamento israelense). Já para os palestinos esses próximos tempos estão longe de ser um respiro de alívio.

Com todas as dúvidas e incertezas da possibilidade de uma nova coalizão governamental em Israel a única convicção é que nos últimos anos há um crescimento significativo de uma variedade de partidos de direita e extremistas, ligados aos colonos sionistas (hoje são a maioria no Knesset), que apoiam a expansão e anexação de assentamentos ilegais na Cisjordânia e a defesa da judaização em Jerusalém Oriental, (11) o que mostra a impossibilidade de se estabelecer qualquer proposta da constituição um Estado Palestino. É muito provável que estes assumam as rédeas de um novo governo pós-Netanyahu.

Portanto, não devemos ter nenhuma ilusão que a anunciada “mudança no governo” do Estado colonialista e racista de Israel significará o fim das hostilidades, da violação de direitos, do apartheid social e da limpeza étnica contra os palestinos. (12)

Apenas a heroica resistência palestina e a necessária solidariedade internacional – como já foi demonstrada no último mês (13) – podem, de fato, alterar significativamente o seu status de um povo colonizado, fragmentado e expropriado de seus direitos mínimos, visando a criação de um Estado único, laico, não racista com plenos direitos democráticos (inclusive com a restituição dos direitos dos refugiados palestinos) para todos os seus habitantes no território histórico da Palestina.

* Professor de História da rede municipal do RJ e militante da Resistência/PSOL 

 

NOTAS

1 – https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/02/naftali-bennett-o-ex-aliado-de-netanyahu-que-pode-derrubar-primeiro-ministro-de-israel.ghtml (Consultado em 03.06.2021)

2 –  Benjamin Gantz é um militar e político israelense, que atualmente serve como Primeiro-ministro rotativo de Israel, junto com Benjamin Netanyahu, desde maio de 2020. Serviu nas Forças de Defesa israelenses de 1977 a 2015 e foi o comandante do Exército durante a agressão a Gaza de 2014. 

3 – https://brasil.elpais.com/internacional/2021-05-10/yair-lapid-o-reformista-que-se-sacrifica-para-enterrar-a-era-netanyahu-em-israel.html (Consultado em 03.06.2021)

4 – https://www.haaretz.com/israel-news/elections/.premium.HIGHLIGHT-while-lapid-bennett-try-to-clinch-coalition-deal-netanyahu-seems-to-have-lost-hope-1.9856633 (Consultado em 03.06.2021)

5 – https://www.dw.com/pt-br/partidos-de-oposi%C3%A7%C3%A3o-em-israel-formam-coaliz%C3%A3o-para-tirar-netanyahu-do-poder/a-57764833 (Consultado em 03.06.2021)

6 – https://www.aljazeera.com/news/2021/6/3/no-difference-palestinians-react-to-israeli-coalition-deal?fbclid=IwAR07MN0MOQX1Nw9qiLFgQe-YlWSv2bf9AR1RSH4MnRY4rNPfZDLOkGVpabY (Consultado em 03.06.2021)

7 – https://twitter.com/DrHananAshrawi/status/1400171419326201857?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1400171419326201857%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2F Consultado em 04.06.2021)

8 – https://www.aljazeera.com/news/2021/6/3/no-difference-palestinians-react-to-israeli-coalition-deal?fbclid=IwAR07MN0MOQX1Nw9qiLFgQe-YlWSv2bf9AR1RSH4MnRY4rNPfZDLOkGVpabY (Consultado em 04.06.2021)

9 – https://www.aljazeera.com/news/2021/6/5/dangerous-palestinians-on-mansour-abbas-joining-israeli-govt?fbclid=IwAR2kr83Z_R2rswSlhFyVTZc4cePScFshkakceDiOhzawha6tbtrYv7pxXrk Consultado em 04.06.2021)

10 – https://www.aljazeera.com/opinions/2021/6/3/netanyahus-netanyahus-take-charge-in-israel (Consultado em 04.06.2021)

11 –  Veja o documentário A corrida para a Judaização de Al Aqsa  https://www.youtube.com/watch?v=WV38fTtLJ4k em que revela que o número de parlamentares israelenses que clamam pela divisão temporal e espacial de Jerusalém gradualmente ascendeu.

12 –  A esse respeito leia o excelente artigo de Cláudio Kats https://esquerdaonline.com.br/2021/06/01/novos-argumentos-para-a-palestina/ (Consultado em 05.06.2021)

13 – https://esquerdaonline.com.br/2021/05/17/solidariedade-ao-povo-palestino-em-todo-mundo-contra-os-bombardeios-de-israel/ (Consultado em 05.06.2021)