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Sem vacina para todos, mudança no perfil etário das vítimas vem se acentuando semana a semana

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Manifestação do 29M em Brasília

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

O Brasil está completando três meses em que a média móvel de óbitos está acima de 1.600 mortes diárias, tendo ultrapassado de 3.000 na primeira quinzena de abril. Na Semana Epidemiológica 22/2021, recém encerrado, foram registrados 11.474 óbitos, um número quase 50% superior à pior semana de 2020 (Semana Epidemiológica 30/2020, com 7.714. Cabe perguntar então: como é possível que, mesmo tendo 10.89% da população imunizada e outros 12.34% parcialmente imunizados com uma dose (1), o número de mortes seja tão elevado? Afinal, a vacinação não salva vidas?

Sim, a vacina salva vidas, e isto pode ser claramente demonstrado no caso brasileiro, observando-se a drástica redução do percentual de óbitos entre os grupos mais idosos, já imunizados. O problema é que o quase completo abandono das políticas de isolamento social e a redução do Auxílio Emergencial a valores indignos tem impulsionado um drástico aumento do número de casos, fazendo com que a redução de óbitos entre os grupos vacinados seja compensada pelo aumento nos demais grupos.

É importante lembrar que a imunização só se completa 15 dias depois da segunda dose, e que o deliberado atraso na compra de vacinas é diretamente responsável pela intensificação da tragédia brasileira em 2021. O epidemiologista Pedro Hallal calcula que ao menos 95.000 mortes teriam sido evitadas se o governo Bolsonaro tivesse respondido prontamente à oferta de vacinas da Pfizer. (2) Não se trata de um acaso, mas de uma política deliberada de um governo que sistematicamente atuou no sentido de agravar a pandemia, como indica a vasta pesquisa realizada em parceria entre o Conectas Direitos Humanos e a Faculdade de Saúde Pública da USP (3), e que o agravamento da crise é parte de uma estratégia de fascistização por parte de um governo que ostensivamente busca uma ruptura institucional.(4)

Também não se pode deixar de considerar que a alegada busca por produzir imunidade coletiva estimulando a contaminação não apenas não propiciou a estabilização como, ao contrário, ensejou como consequência lógica a produção de variáveis mais letais e mais agressivas, em particular a variante P1, não por acaso produzida na primeira grande cidade brasileira a retomar as aulas presenciais e que serviu como espécie de laboratório deste terrível experimento de pretensa busca da imunidade por contaminação.

Mais mortes entre os jovens

Desde as primeiras semanas da pandemia, identificou-se que o mais importante fator prognóstico relativo ao desenvolvimento da doença nos indivíduos é a idade. Assim, o Brasil, que tem apenas 2% da população com mais de 80 anos de idade, teve 24,55% dos óbitos de 2020 nesta faixa etária, indicando um risco 12 vezes superior à média, enquanto que a população de até 29 anos representa 44,4% da população brasileira, mas concentrou apenas 1,76% dos óbitos oficiais (5), o que significa um risco de morte 25 vezes menor que a média nacional.

Esta concentração do maior número de óbitos entre os mais idosos era evidente antes do início da vacinação, e por esta razão consideramos os percentuais de óbitos até o final de 2020. No entanto, com o início da vacinação, e mesmo já se sabendo que a eficácia das vacinas diminui à medida em que aumenta a faixa etária, há uma clara modificação neste perfil, que acompanha o processo de imunização por faixa etária. A tabela a seguir demonstra esta mudança, comparando os dados da Semana Epidemiológica 21/2021 com o acumulado de 2020, com base nos dados oficiais publicados em boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde.

Distribuição percentual dos óbitos confirmados Covid-19 por faixa etária

Fonte: Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde

(*) Considerados a diferença entre os dados do Boletim 65 (4/6) e 64 (28/5)

Percebe-se aqui claramente o efeito da vacinação. As duas faixas mais idosas são as que proporcionalmente apresentam maior redução. A faixa de 70 a 79 tem tido progressiva redução semana a semana, o que coincide com a complementação de sua imunização, enquanto a faixa de 60 a 69 anos ainda aparece com percentual mais elevado, mas ele já vem caindo nas últimas semanas. Em contrapartida, as faixas de 30 a 39 anos, de 40 a 49 anos e 50 a 59 anos tem percentuais de óbitos quase duas vezes superiores aos que tinham em 2020, e portanto é basicamente o aumento de óbitos nestas faixas etárias que mantém os números tão terríveis que seguimos tendo, como fica ainda mais explícito na tabela a seguir, que agrega os dados:

Distribuição percentual dos óbitos confirmados Covid-19 por faixa etária

Fonte: Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde
(*) Considerada a diferença entre os dados do Boletim 61 (6/5) e 60 (30/4)
(**) Considerados a diferença entre os dados do Boletim 65 (4/6) e 64 (28/5) 

Os dados evidenciam não apenas que há uma mudança no perfil etário das vítimas, mas também que ela vem se acentuando semana a semana, como se vê na comparação da Semana 21/2021 com a Semana 17/2021. Estes dados conduzem à pergunta necessária: como é possível um aumento tão expressivo nos óbitos entre os mais jovens? 

Basicamente porque há um número de contágios muito superior ao de qualquer momento de 2020. Os 435.825 novos casos registrados na Semana Epidemiológica 22/2021 encerrada neste sábado são certamente apenas uma pequena ponta de um iceberg que é muito difícil dimensionar em um país que semana a semana diminui a testagem. Foram realizados no Brasil até hoje 48.735.809 testes, dos quais 16.907.425 tiveram resultado positivo, o que perfaz uma taxa de 2,88 testes por resultado positivo. A OMS preconiza um mínimo de 20 testes por resultado positivo para que se tenha um adequado monitoramento da situação epidemiológica. O Brasil mal passou de quatro testes por positivo, e vem reduzindo progressivamente esta testagem. 

Para qualquer brasileiro não imunizado, o risco de contaminação nunca foi tão elevado quanto neste momento.

O que isto significa? Que para qualquer brasileiro não imunizado, o risco de contaminação nunca foi tão elevado quanto neste momento. Que estamos piorando em uma intensidade tão extrema que a redução de mortes produzida pela vacina é compensada por mais e mais mortes entre os não vacinados. Na pior semana de 2020 (Semana Epidemiológica 30/2020), morreram 2.017 pessoas de até 59 anos. Nesta última semana (S.E. 21/2021), morreram 5.417 pessoas nesta faixa, 2,7 vezes mais. Se não tivéssemos vacinado os mais idosos e alguns outros grupos com perfil etário transversal (como profissionais da saúde, estaríamos neste momento com pelo menos 3.000 mortes diárias 

Mais de 15 meses depois do registro dos primeiros casos no Brasil, é imprescindível ter claro que não temos um governo incompetente nem irresponsável. Temos um governo que teve competência para colocar em prática seu projeto de morte e que é diretamente responsável por produzir a trágica situação em que hoje nos encontramos. É por isto que a luta contra a pandemia é indissociável da luta contra Bolsonaro.

NOTAS

1 – https://coronavirusbra1.github.io/
2 – https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57286762
3 – https://www.conectas.org/publicacao/boletim-direitos-na-pandemia-no1/
4 – https://journals.uniurb.it/index.php/materialismostorico/article/view/2470
5 – É necessário registrar que entre crianças e adolescentes há um número desproporcionalmente mais alto de óbitos registrados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) “não especificada”, o que nos indica que há um excedente de subnotificação nesta faixa etária. Se considerarmos o total de óbitos registrados, o percentual nesta faixa etária sobe para 2.67, ainda assim 17 vezes inferior à proporção populacional.