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BRASIL

A estratégia dos camuflados: por qual motivo os militares alimentariam uma crise política com Bolsonaro?

Juan Michel Montezuma, de Salvador, BA
Bruno Batista/ VPR / Fotos Públicas

Hamilton Mourão, sobrevoando áreas de queimadas

A presença de Eduardo Pazuello em ato político bolsonarista é uma transgressão indiscutível do corpo disciplinar do Exército Brasileiro. Contudo, o que são regras na disputa pelo poder? O argumento geral da mídia, que pode ser entendido mais honestamente enquanto apelo desesperado a instituição militar, advogando pela punição do ex-ministro da Saúde, está fundamentado numa leitura equivocada sobre o lugar político dos militares na crise social na qual a república se encontra. Isso se torna evidente na decisão do corpo militar de não punir o general da ativa participante de ato político ao interpretar que o mesmo não havia rompido com qualquer conduta alinhada aos valores do exército. Mesmo quando o próprio vice-presidente, General Hamilton Mourão, apontou o erro na conduta de Pazuello, declarando à imprensa que o mesmo compreendia o seu erro defronte aos militares e, por conseguinte, a sociedade civil.

De fato, Pazuello saiu impune e Bolsonaro fortalecido dessa “crise militar”. Obviamente, a reação da oposição foi agressiva. Eis algumas formulações hegemônicas na chuva de críticas disparadas pelo campo democrático:
1) O Exército está se rebaixando ao bolsonarismo.
2) O Exército assume uma agenda golpista e se recusa a cumprir seu dever constitucional.

Muito embora, essas sejam críticas pertinentes, devemos recorrer também a um questionamento de perfil mais simples: Por qual motivo os militares alimentariam uma crise política com Bolsonaro? Especialmente no cenário de profunda tensão social e polarização política experimentado pela sociedade civil brasileira. Certamente, é indubitável que o exército brasileiro tenha por dever defender a Constituição Cidadã de 1988. Entretanto, precisamos nos questionar pragmaticamente, o que são obrigações constitucionais  para uma instituição de poder tal como o exército brasileiro? 

Desde os tempos antigos, qualquer forma de lei não passa de um conjunto  de palavras que são válidas porquanto existem interesses políticos dispostos a lhes dar valor ao aplicá-las sobre o corpo social. Esse é o funcionamento daquilo que entendemos por lei desde os gregos. A lei só tem valor na medida em que a comunidade está interessada em fazer valer determinada regra. Quando essa força política inexiste, a lei será infligida. Para uma instituição de poder como o exército, toda e qualquer lei é um mero dispositivo de reserva que só será ativado quando seus quadros quiserem satisfazer seus próprios interesses. Partindo disso, podemos questionar que interesse o exército estaria satisfazendo ao antagonizar o presidente Bolsonaro? Por vezes no mundo da política, é extremamente produtivo não fazer nada. Afinal, se houvesse uma crise política aberta entre o exército e o bolsonarismo, quem poderia capitalizar o confronto entre essas duas forças políticas? Em um país no qual Lula se apresenta como uma miragem no horizonte do pleito eleitoral, o confronto aberto entre os militares e o governo Bolsonaro não é interessante para nenhum dos dois lados. É preciso também acrescentar a esse cálculo político a variável que aponta, até o presente momento, a inexistência de uma terceira via para a direita tradicional brasileira.

Por último, poderíamos recorrer ao absurdo, apontando toda crise como mera encenação para a sociedade civil. Poderíamos dizer que em verdade o exército é aliado inconteste do bolsonarismo e essas escaramuças, como o caso Pazuello, não passam de digressões. Contudo, essa possibilidade carece de evidências, mesmo que alguns apontem o fato de que Bolsonaro não iria ter um poder executivo predominantemente militar se pretendesse abandonar o poder em quatro anos. Para essas colocações, resta considerar que ainda falta muito tempo para 2022. Logo, a melhor forma de se preparar adequadamente para o iminente confronto é investir na suspensão das animosidades. Até porque, retirando-se do conflito aberto, os militares avaliaram melhor suas possibilidades políticas.

Daqui até 2022 o exército pode ter chances de domesticar Bolsonaro, daqui até o próximo pleito o exército pode refletir sobre o que significa apoiar o bolsonarismo para a manutenção da hierarquia interna do corpo militar. É compreensível também que daqui até lá a sociedade civil continue a apelar para o cumprimento das obrigações institucionais por parte do exército. Todavia esse será um  empreendimento relativamente ingênuo, pois se o exército colocar-se contra Bolsonaro, será apenas com o fim de salvaguardar a si mesmo. 

Resta ao povo lutar por si.

Marcado como:
militares / Pazuello