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Defasagem na tabela do imposto de renda tira isenção para 10 milhões de brasileiros

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Economia para os 99%

É difícil afirmar que o capitalismo deu certo vivendo em um país onde mais de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. Mas se você fizer parte do “1%” mais rico por que não achar que está “tudo bem, obrigado”? Esta coluna se preocupa com temas econômicos do cotidiano: desemprego, renda, passagem de ônibus, inflação, aposentadoria e um longo etc., mas sempre na perspectiva dos 99%, afinal de contas, nenhuma análise econômica é neutra.

Eric Gil Dantas é economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e doutor em Ciência Política. É militante da Resistência/PSOL.

Nesta segunda-feira, 31 de maio, acabou o prazo para o envio da declaração de Imposto de Renda (IR). Foram 34.168.166 de pessoas que entregaram o documento para a Receita Federal, 6,8% a mais do que no ano anterior. Todos os que receberam mais de R$ 22.847,76 em rendimentos tributáveis (salários, férias, horas extras, pensões, benefícios do INSS, entre outros rendimentos) são obrigados a pagar este imposto. Os que trabalham como empregados CLT ou funcionários públicos já têm seu imposto deduzido diretamente da fonte, o que tira um pouco a atenção que os trabalhadores têm em relação ao quanto deste imposto se paga e quanto que deveriam pagar.

Em 2020, o imposto de renda de pessoa física – seja retido na fonte, seja pago posteriormente pelo trabalhador – somaram R$ 156,48 bilhões, segundo o Resultado do Tesouro Nacional (RTN), equivalente a 10,7% das receitas primárias do Governo Federal, isto é, a arrecadação do governo central desconsiderando aquelas advindas de emissão de nova dívida pública. Só a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o imposto de renda de pessoa jurídica somado ao imposto de renda de rendimento de capitais são fontes de arrecadações superiores a este imposto. Ou seja, é um tributo muito importante para o financiamento do Estado brasileiro.

Como insistimos ao longo dos últimos anos, é fundamental uma reforma tributária no Brasil para incidir o tributo na renda/riqueza, ao invés do consumo, pois este é um gerador de desigualdades na carga tributária dentre as diferentes classes de rendimentos no país. Por isto mesmo, defendemos que o IR seja um instrumento importante. No entanto, sua defasagem vem retirando seu poder de ser um imposto progressivo (fazer com que quem tenha mais pague mais).

Isto se dá por dois motivos: (i) a defasagem das faixas do IR e (ii) suas alíquotas. O segundo item está sendo bastante discutido dentro da esquerda quando se fala sobre reforma tributária, propondo uma nova faixa e uma alíquota mais alta para que os ricos não se limitem a pagar 27,5% de IR, o que faria nos aproximarmos do restante do mundo, onde países como EUA têm uma alíquota máxima de 37%, Portugal 48%, Reino Unido 45%, Japão 55,95%, Suécia 61,85%, etc. Lembrando que o aumento deste imposto seria compensado com a diminuição do imposto sobre o consumo. Mas não é isto que quero discutir aqui, e sim o primeiro item.

Ao longo das últimas décadas os diversos governos federais vêm jogando pessoas que estavam em faixas inferiores da tabela do imposto de renda para faixas superiores. Isto se deu porque as tabelas do IR foram sistematicamente reajustadas abaixo da inflação, o que fez com que muitas pessoas que antes eram isentas deste imposto passassem a ter que pagá-lo. Em estudo periodicamente publicado pelo Sindifisco Nacional, a entidade mostra que de 1996 até 2020 já há uma defasagem de 113,09% nos reajustes da tabela do IR (Tabela 1), isto faz com que, se as faixas do IR fossem reajustadas corretamente pela inflação (IPCA), pessoas que recebem até R$ 4.022,89 de rendimentos advindos do trabalho não teriam que pagar IR. Hoje, os isentos são apenas aqueles trabalhadores que recebem até R$ 1.903,98 mensais.

Tabela 1 – Resíduos na Correção da Tabela do Imposto de Renda pelo IPCA

1996-2020

AnoIPCACorreção da tabela de IRResíduoResíduo acumulado
19969,5609,569,56
19975,2205,2215,28
19981,6601,6617,19
19998,9408,9427,67
20005,9705,9735,29
20017,6207,6245,6
200212,5317,5-4,9739,44
20039,309,352,41
20047,607,663,99
20055,6910-4,3157,57
20063,148-4,8650,48
20074,464,5-0,0450,42
20085,94,51,452,44
20094,314,5-0,1952,16
20105,914,51,4154,21
20116,54,5257,17
20125,844,51,3459,18
20135,914,51,4161,33
20146,414,51,9164,28
201510,675,65,0772,17
20166,2906,2983
20172,9502,9588,39
20183,7503,7595,45
20194,3104,31103,87
20204,5204,52113,09
Acumulado346,69109,63113,09113,09
Fonte: RFB; IBGE [Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional]

Segundo pesquisa publicada pelo Ipea, os 10% mais ricos no país pagam um total de tributos de 21% se comparada a sua renda, enquanto que os 10% mais pobres pagam o equivalente a 32%. Ao mesmo tempo, de acordo com estimativas realizadas pelo Sindifisco Nacional, o reajuste integral demonstrado na Tabela 1 traria aproximadamente 10,576 milhões de pessoas para a faixa de isenção. Vejam que uma coisa reforça a outra. 

Enquanto o governo empurra milhões dos de baixo para pagar mais impostos sobre a renda, ignora sumariamente a necessária criação de novas alíquotas para que os mais ricos paguem tanto imposto quanto no resto do mundo. Mas se para os formuladores da reforma tributária de Guedes e Bolsonaro mais ricos pagarem menos impostos do que mais pobres não é um problema, o que poderemos esperar?