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MUNDO

Portugal: Convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL) quer abrir caminho para a extrema-direita no país

Tiago Castelhano
Sábado.pt

Durante dois dias desta semana está a decorrer a convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL). Este movimento é um grupo de pessoas ligadas à direita mais reaccionária, sobretudo ao grupo de comunicação social do Observador. Este tem como seu maior accionista Luís Amaral, que em 2019 estava entre os 10 mais ricos de Portugal. Se tivermos atenção aos oradores da convenção, reparamos que muitos dos nomes fazem parte do Observador, como é o caso de Rui Ramos, José Manuel Fernandes, Helena Matos, Jaime Nogueira Pinto, Alexandre Homem Cristo, João Marques de Almeida e Vítor Cunha[1].

Sabemos que o projecto do Observador é mais do que ser um órgão de comunicação social. Na verdade, o Observador tem uma agenda política de uma direita que pega em temas “trumpistas”, tais como: “a ditadura do politicamente correto”; o “domínio cultural da esquerda radical”; “limites à liberdade pela ditadura socialista”. A estes oradores juntam-se ainda figuras sinistras da direita como Camilo Lourenço, Fátima Bonifácio e João Miguel Tavares. A estes juntam-se todos os líderes dos partidos de direita – PSD, CDS e Iniciativa Liberal (IL) – e ainda o neofacista Chega. Além destes oradores, o MEL convidou ainda algumas “personagens” da ala mais à direita do Partido Socialista (PS), como Luís Amado, Álvaro Beleza e Sérgio Sousa Pinto. Estas “personagens” fazem o papel de idiotas úteis a favor da direita para que esta possa passar a ideia de que shá pluralidade.

O presidente do MEL é Jorge Marrão, gestor e responsável pela área do imobiliário da consultora Deloitte e costuma escrever também na comunicação social, mais especificamente no Jornal de Negócios, algumas das ideias “trumpistas”, como a “falta de Liberdade a quem é de direita” e do domínio socialista na comunicação social. Pelo elencar destes oradores dá bem para ver como a direita é “silenciada” nos meios de comunicação social e como o seu “mimimi” faz todo o sentido. Nos últimos dias, Jorge Marrão multiplica-se em declarações, nas quais tenta apresentar a III Convenção do MEL como um encontro de debates plural e sem qualquer tipo de interesse partidário ou politico.[2]

É uma tentativa vã e ao mesmo tempo cínica, dado que é evidente o intuito político da convenção tendo em conta os convites a todos os partidos da direita, incluindo o de extrema-direita. É verdade que, segundo as sondagens, a direita está longe da possibilidade de voltar ao poder. Contudo, o objectivo do MEL é preparar um ambiente que torne possível um futuro governo formado pela unidade das várias direitas, inclusive, da extrema direita que, entre outras propostas, defende a prisão perpétua, castração química e a perseguição da comunidade cigana. Não por acaso, há um dia, André Ventura veio avisar Rui Rio que para uma eventual coligação nas eleições legislativas, o Chega não vai abdicar de defender a prisão perpétua, a castração química e as posições racistas sobre a comunidade cigana e minorias.[3]

Estamos a assistir a uma recomposição à direita devido ao surgimento da IL e do Chega. As lideranças de Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos estão a ser questionadas. Toda a direita, e extrema-direita, sonham com a possibilidade da volta de Pedro Passos Coelho à política activa. Não por acaso, Pedro Passos Coelho está presente na Convenção do MEL embora não como orador.

O sonho da direita é ter um governo ultra liberal comandado por Passos Coelho, que junte todas as direitas. Não esqueçamos que a governação de Passos Coelho teve como apoiantes todos os oradores presentes na Convenção do MEL, mesmo que tenham diferentes sensibilidades. O governo de Passos Coelho unificou a direita em Portugal. Por outro lado, não esquecemos que foi Passos Coelho quem lançou André Ventura para a primeira experiência “trumpista” em Portugal, como candidato à Câmara de Loures, em 2017. Não esqueçamos os ventos que vêm de Madrid, com a vitória de Ayuso, do Partido Poupar (PP), na Comunidade de Madrid, com ideias próximas ao “trumpismo”[4].

Desta forma, a Convenção do MEL é mais um passo na normalização da extrema-direita em Portugal com a perspetiva futura de vir a necessitar do Chega para voltar ao poder. Este processo ocorre em vários campos, sobretudo, na comunicação social, pela mão e voz dos oradores que marcam presença nesta convenção. Todos eles vão escrevendo artigos ou fazendo comentário politico em que se desvaloriza o perigo da ideias da extrema-direita. Muitas vezes fazem-no comparando o Chega ao Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista Português. Infelizmente, este processo de normalização do Chega vai intensificar-se nos próximos tempos, dado a sede de poder das várias direitas.  A tentativa de naturalizar as ideias de extrema-direita por parte das direitas, comunicação social e até do PS não é sinónimo de que o processo seja vitorioso. Há na esquerda partidária, BE e PCP, e no mundo sindical e movimentos sociais (Feminista, Anti-Racista, LGBT, Climático), forças para derrotar este processo, sobretudo, se soubermos juntar forças.

*Publicado originalmente em Semear o Futuro


NOTAS

[1] https://www.publico.pt/2021/05/01/opiniao/noticia/mel-problema-pegajoso-1960755

[2] https://www.publico.pt/2021/05/24/politica/noticia/mel-quer-debate-politico-nao-partidario-reconstrucao-pais-1963759

[3] https://www.publico.pt/2021/05/24/politica/noticia/ventura-avisa-rio-chega-mantem-posicoes-comunidade-cigana-minorias-1963893

[4] https://semearofuturo.com/2021/05/05/eleicoes-em-madrid-a-vitoria-da-direita-trumpista/amp/