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OPRESSÕES

Conheça as três propostas absurdas do bolsonarismo que ameaçam a saúde da mulher

Neste dia 28 de maio, dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e também o Dia Nacional de Combate à Mortalidade Materna, nada temos a comemorar.

Morena Marques(1), do Rio de Janeiro, RJ
freestocks.org / Pexels

Se a nossa luta vem de longe, hoje, mais do que nunca, temos todos os motivos para priorizar esta pauta. É que o avanço reacionário e neoconservador sobre o direito das mulheres adquiriu status de legitimidade para o governo Bolsonaro. Isto é, tornou-se estratégica a criminalização dos direitos das mulheres para o sustento deste governo junto à sua base de apoio – o arraigado percentual de 24% da população. Assim, direitos sexuais e reprodutivos (e com eles a própria Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher) tornam-se um dos alvos privilegiados do bolsonarismo.

Se o subfinanciamento crônico do SUS e a precariedade no acesso aos serviços já não fossem elementos que em muito dificultam a vida das mulheres, possuímos hoje uma série de Projetos de Lei que visam impedir qualquer perspectiva de autonomia e humanização em saúde a este público. Vejamos os exemplos mais sórdidos, cujo intuito imediato é suprimir o direito ao aborto legal garantido no país, e uma portaria higienista do Ministério da Saúde2:

1. PDL n.271/2020 suspende ações de prevenção e tratamento de vítimas de estupro

de autoria do deputado federal Filipe Barros (PSL/PR), um dos integrantes mais afincos ao chamado “gabinete do ódio” presidencial. O principal objetivo deste projeto é suspender as ações de prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes.

Em mesmo sentido, também visa sustar a aplicação da Norma Técnica do Ministério da Saúde intitulada “Atenção Humanizada ao Abortamento”; e as ações ao “Acesso à saúde sexual e saúde reprodutiva no contexto da pandemia da COVID” (nota Técnica n.16/2020 do Ministério da Saúde). Para isso, os argumentos não poderiam ser piores: a ideia de que a rejeição do povo brasileiro à legalização do aborto é tão intensa que o parlamento foi incapaz de descriminalizar a prática, inclusive durante os anos em que um partido explicitamente defensor do abortamento livre esteve à frente da Presidência da República”. Ou que “o governo brasileiro usa o dinheiro do contribuinte por meio do Sistema Único de Saúde para financiar a criminosa eliminação de bebês em gestação”3.

2. PL nº 5.435/2020: o “Estatuto da Gestante” visa inviabilizar aborto em qualquer situação

No mesmo sentido do anterior “Estatuto do Nascituro”, o objetivo desse PL de autoria do senador Eduardo Girão (PODEMOS-CE) é atribuir status de cidadania ao feto que agora intitula-se uma “criança por nascer” e inviabilizar qualquer iniciativa de interrupção da gestação por parte da mulher. Como no “Conto da Aia” a mulher é reduzida à função biológica da reprodução. Em seu conteúdo alguns artigos chamam a nossa atenção:

Art.4, inciso 3 – O SUS promoverá políticas de apoio e acompanhamento da gestante vítima de violência para auxílio quanto à salvaguarda da vida e saúde da Gestante e da criança por nascer.

Art. 11º Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos de um salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, ou até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em Lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento.

3 – Ministério da Saúde publica Portaria higienista

Se, de um lado, obrigar mulheres vítimas de violência sexual a conduzir uma gestação e, até mesmo, receber pensão do seu agressor, já nos parece o ápice do sadismo; de outro, o governo intuita inviabilizar a gestação daquelas consideradas “desviantes”. É o que determina a portaria n.13 do Ministério da Saúde (publicada em 19 de abril de 2021)4 que trata da decisão de incorporar o implante subdérmico de etonogestrel em mulheres em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose, de modo a inibir a gravidez não planejada.

Mais discriminatório e higienista impossível, não?

Mortalidade materna aumentou na pandemia

Enquanto o governo vitimiza as mulheres a partir de sua pauta anti-aborto e restringe o acesso à direitos sexuais e reprodutivos, a verdade é que somos o campeão mundial da mortalidade materna durante a pandemia de COVID-195. O que também não significa que a nossa situação anterior era muito animadora. Se o objetivo do milênio traçado pela ONU em 2015 era o máximo de 35 óbitos maternos por cada 100 mil nascidos vivos; o Brasil no ano de 2017 alcançava quase o dobro dessa expectativa – uma média de 64,5 óbitos e, em cidades como o Rio de Janeiro, 84,7 óbitos6. Porém, dados do Observatório Obstétrico brasileiro COVID-19 (OOB Covid-19)7 vão demonstrar que a partir da pandemia a mortalidade materna tornou-se exponencial. Falamos de uma média de 10,5 gestantes e puérperas que morreram por semana em 2020, chegando a um total de 453 mortes em 43 semanas epidemiológicas. Já em 2021, a média de óbitos por semana chegou, até 10 de abril, a 25,8 neste grupo, totalizando 362 óbitos neste ano durante 14 semanas epidemiológicas”. Ao passo que na população em geral o aumento da taxa de morte semanal foi de 61,6% em 2021, entre gestantes e puérperas este aumento foi de 145,4%! E, quando se trata das mulheres negras, este quadro consegue ser ainda mais grave: gestantes negras possuem o dobro de chances de morrer quando comparadas às gestantes brancas.

Em resumo, é parte do projeto do governo Bolsonaro o descarte das mulheres consideradas “sobrantes”: em sua maioria trabalhadoras, negras e usuárias do Sistema Único de Saúde. Enquanto nos transformam em dados de um longo obituário, a base bolsonarista segue legitimando-se através da criminalização da sexualidade e da autonomia das mulheres sobre os seus corpos. Por isso gritamos: pelas nossas vidas, Fora Bolsonaro! Nenhuma a menos!

 

NOTAS

1  Professora da Escola de Serviço Social da Unirio e militante da Resistência/PSOL.

2  O aborto legal é garantido no país e ofertado pelo SUS em apenas três circunstâncias: em caso de violência sexual, risco à saúde da mulher e anencefalia do feto.

3  Cf. <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1903363>

4  Cf. <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-sctie/ms-n-13-de-19-de-abril-de-2021-315184219>

5  Cf. <https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/noticias/brasil-e-o-pais-com-mais-mortes-de-gestantes-por-covid-19>

6 Cf.<https://revistacrescer.globo.com/Voce-precisa-saber/noticia/2019/07/mortalidade-materna-brasil-esta-cada-vez-mais-longe-da-meta-internacional.html>

7  Fontes: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/04/17/mortes-de-gravidas-e-de-maes-de-recem-nascidos-por-covid.ghtml>; <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-04/covid-19-mortes-de-gravidas-e-puerperas-dobram-em-2021#:~:text=Uma%20m%C3%A9dia%20de%2010%2C5,ano%20durante%2014%20semanas%20epidemiol%C3%B3gicas.>