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CULTURA

Por que os filmes Hollywoodianos sobre repressão política sempre têm um agente arrependido?

Por Arthur Gibson*

Nos últimos anos renovou-se o interesse pelos movimentos sociais de contestação que agitaram os Estados Unidos entre os anos 1950 e 1970. Este interesse pode ser notado na literatura, na produção acadêmica, na vida política e, também, nos filmes.

São muitos os filmes recentes que retratam este período, suas lutas, os grandes personagens e, claro, a intensa repressão política levada a cabo pelo Estado. Nestes filmes também é notável a presença recorrente de um personagem muito comum: o agente da repressão atormentado e arrependido por seus atos. Embora estejam em contextos narrativos diferentes e tenham também diferentes graus de fidelidade histórica, ainda assim, é impossível não notar como é constante a presença de personagens com estas características em filmes deste tipo.

Em Os 7 de Chicago ele é um dos promotores do caso; em Os Estados Unidos Contra Billie Holiday é um agente do FBI que se infiltra na cena do jazz; em Seberg Contra Todos é o agente do FBI encarregado de vigiar a atriz Jean Seberg; até mesmo em Judas e o Messias Negro o militante infiltrado pelo FBI no Partido Pantera Negra se mostra atormentado e arrependido.

Os Estados Unidos Contra Billie Holiday

Personagens assim parecem querer representar uma espécie de “consciência moral” propriamente americana. Uma força ideológica fundacional que se faz presente mesmo nas situações políticas e institucionais mais adversas, com o objetivo de lembrar que as reservas políticas do sistema americano são capazes de se regenerar e corrigir o curso de sua história.

Incapazes por sua condição de momento de se impor, o desconcerto dos agentes arrependidos nos indica que aqueles erros do passado serão corrigidos no futuro e que os oprimidos do momento serão reabilitados no futuro por seu próprio opressor. Neste sentido, servem para reforçar as mitologias que entendem a história dos EUA como um caminho linear de melhoramento na construção da liberdade e da democracia, de sua fundação aos dias de hoje.

Os 7 de Chicago

É um tipo de visão que tende a incorporar e homogeneizar todos os projetos e lutas políticas nos Estados Unidos como partes de uma mesma “tradição americana” que teria se atualizado e refinado ao longo do tempo. Com isso, perde-se de vista que existiram vários projetos americanos de nação, muitas vezes opostos entre si, e que o sistema precisou antes derrotar seus opositores para depois poder os celebrar. 

*Arthur Gibson é professor e historiador. Estuda as relações entre história, política e cultura pop; e escreve sobre estes temas no Instagram (@artugibson)

  

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