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BRASIL

Os crimes de Ricardo Salles: entenda as razões da operação da PF no Meio Ambiente

Considerado um dos últimos bastiões da chamada “ala ideológica” do governo Bolsonaro, Ricardo Salles está sendo finalmente investigado, com outros nomes à frente do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA, pelos crimes recorrentes que comete na Amazônia. Pode ser o fim do anti-ministro.

Matheus Hein Souza*, de Porto Alegre, RS
José Cruz/Arquivo Agência Brasil

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na Câmara dos Deputados

Nesta quarta-feira (19/05) o ministro do STF Alexandre de Moraes autorizou uma operação que investiga a exportação ilegal de madeira para os Estados Unidos e Europa. Foi autorizada a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ministro Ricardo Salles, um dos principais alvos da operação. Ao todo são 35 ordens judiciais com mandados de busca e apreensão, mobilizando cerca de 160 agentes da PF e contando com 10 outros investigados que foram afastados dos seus cargos públicos, incluindo o presidente do Ibama, Eduardo Bim (1). A operação está ocorrendo em São Paulo, Pará e Distrito Federal.

A operação Akuanduba — nome de uma entidade indígena responsável pela proteção das florestas e punição daqueles que cometem excessos contra a natureza — tem seu início em janeiro, quando a PF começou a investigar informações que indicavam desvios de conduta de servidores públicos em ações na Amazônia relacionadas a exportação de madeira. (2) A PF investiga os crimes de corrupção, advocacia administrativa (quando se favorece interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário público), prevaricação e facilitação de contrabando que teriam sido praticados por empresários do ramo madeireiro em aliança com agentes públicos, incluindo Salles. (3)

Outra medida de Alexandre de Moraes foi suspender um despacho do IBAMA de fevereiro de 2020. Neste despacho, o órgão autorizava a exportação de produtos florestais sem a emissão de uma autorização mais rigorosa. Na prática, o despacho facilitava a exportação de produtos sem origem legal reconhecida, principalmente a madeira. (4) O despacho tinha sido emitido a pedido de associações ligadas ao setor madeireiro do Pará e Rondônia e foi duramente criticado por especialistas e organizações ambientais exatamente porque a medida abriria as portas para a exportação ilegal, basicamente legalizando o desmatamento e obstaculizando a fiscalização sobre estas atividades. 

A Polícia Federal, no documento enviado ao STF e que baseia a operação de hoje, diz ter encontrado provas de três crimes de Salles: atrapalhar a fiscalização ambiental, advocacia administrativa e embaraçar investigação destinada a combater uma organização criminosa.(4)  Sua gestão também é acusada de perseguir e transferir servidores que se opunham às ações do grupo à frente do Ministério e no IBAMA.

Polícia Federal
Madeira ilegal, apreendida na operação Handroanthus

O choque com o delegado Alexandre Saraiva

Esta operação pode ser o fim da linha para Ricardo Salles, mas não se trata da primeira vez em que o ministro é acusado por relações escusas com o setor madeireiro e outras operações ilegais na Amazônia. Há pouco mais de um mês, no dia 14 de abril, o então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, apresentou notícia-crime(4) contra Salles, após uma visita do ministro à Região Amazônica, em 06 de abril, para verificar uma das maiores apreensões de madeira ilegal na história do país: mais de 130 mil m² de madeira em tora, um estimado de R$ 55 milhões em madeiras apreendidas. Na ocasião, o ministro exibiu a documentação de duas toras de madeira – entre 40 mil apreendidas – e em seguida reuniu-se com um grupo de madeireiros e políticos locais. Ao final, anunciou que o resultado da análise dos documentos seria anunciado “em uma semana”. O delegado Saraiva criticou publicamente a ação do ministro, vista como interferência: “É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma operação contra o trabalho escravo”, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo. E completou: “Não vai ter boiada na PF”.

A ficha corrida do ministro Salles

O ministro também já foi alvo de pedidos de afastamento do cargo: em abril deste ano o MP pediu o afastamento de Salles com base na notícia-crime anteriormente mencionada; (5)  em julho do ano passado o MPF entrou com pedido de afastamento por improbidade administrativa. O MPF apontou quatro conjunto de atos que justificariam o afastamento: “desestruturação normativa (quando decisões assinadas por Salles teriam contribuído para enfraquecer o arcabouço de leis ambientais); desestruturação dos órgãos de transparência e participação (como no episódio do esvaziamento de conselhos consultivos); desestruturação orçamentária; e desestruturação fiscalizatória, que diz respeito ao desmonte de órgãos de fiscalização ambiental, como o Ibama e o ICMBio”; (4) por último, o MP pediu que Salles perdesse a sua função pública em decorrência de uma condenação que o ministro recebeu em 2018.(6)

De todas as acusações, apenas a de 2018 levou a condenação até o momento. Na ocasião, Salles foi condenado por improbidade administrativa em um caso de fraude no processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, em 2016, quando estava à frente da pasta do Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin (PSDB). (7) Salles alterou mapas elaborados pela USP com a intenção de beneficiar projeto de mineradoras integrantes da FIESP, além de ter alterado minuta do decreto do plano de manejo e promovido perseguição a funcionários da Fundação Florestal. A lista de acusações durante seu período como Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo também inclui tentativa de beneficiar um amigo na compra de um prédio público;(8) tráfico de influência em relação a projetos de construtoras(9); investigação por enriquecimento ilícito. (10)

Fora Salles!

Fica evidente que o anti-ministro possui um longo histórico de ações ilícitas e favorecimento do setor privado em projetos danosos ao meio ambiente. O que se nota é o aumento na dimensão: quanto maior o cargo que Salles galga, maior o crime e o impacto ambiental. É gravíssimo que alguém claramente alinhado a interesses destrutivos esteja tanto tempo na pasta, ainda mais com os catastróficos eventos que vêm ocorrendo na Amazônia e em outros biomas brasileiros. Salles é um inimigo do meio ambiente e um criminoso. Que dessa vez, se faça justiça! Fora Salles!

*Pós-graduando em Filosofia pela PUC-RS e militante do Afronte e da Resistência/PSOL do Rio Grande do Sul.

 

NOTAS

1 – https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2021/05/ricardo-salles-e-ministerio-do-meio-ambiente-sao-alvo-de-operacao-da-pf-ckovbmac100060180u8ejeswr.html

2 – https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/05/19/operacao-da-pf-investiga-esquema-de-exportacao-ilegal-de-madeira-para-eua-e-europa.ghtml

3 – https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2021/05/alexandre-de-moraes-do-stf-autoriza-quebra-de-sigilos-bancario-e-fiscal-de-salles-ckovi6ziu002c0180l345mtdx.html

4 – https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57173176

5 – https://www.poder360.com.br/governo/ministerio-publico-junto-ao-tcu-pede-afastamento-de-ricardo-salles/

6 – https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/01/26/mp-pede-a-justica-que-ministro-do-meio-ambiente-deixe-pasta-devido-a-condenacao-em-1a-instancia.ghtml

7 – https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/12/19/justica-de-sp-condena-futuro-ministro-do-meio-ambiente-por-improbidade-administrativa.ghtml

8 -https://vejasp.abril.com.br/blog/poder-sp/ricardo-salles-ja-foi-acusado-de-tentar-vender-predio-publico-para-amigo/

9 -https://congressoemfoco.uol.com.br/meio-ambiente/salles-e-investigado-por-trafico-de-influencia-em-sp-diz-site/

10 -https://www.poder360.com.br/governo/mp-investiga-evolucao-patrimonial-de-ricardo-salles/

 

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