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A agenda de Lula deve ser pelo Fora Bolsonaro

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

As dificuldades são como as montanhas.
Elas só aplainam quando avançamos sobre elas.
Sabedoria popular japonesa. 

 

  1. Nos últimos dois meses vimos a confirmação de um novo momento na conjuntura. Não mudou ainda a situação, mas abriu-se um novo momento com uma inflexão na relação política de forças que incidiu, também, na relação social de forças de forma mais favorável para a resistência a Bolsonaro. Um novo momento exige, também, uma nova tática. A hora exige a agitação de Fora Bolsonaro. É pela vacinação de emergência, pelo auxílio de R$600,00, mas a linha de corte é o Fora Bolsonaro, nada menos do que isso. A esquerda, a juventude, a negritude, os trabalhadores, as mulheres, os indígenas e ambientalistas, os LGBT’s e todos os movimentos populares devemos elevar o tom com ações corajosas de vanguarda, ainda que simbólicas. Vamos ter que voltar às ruas, responsavelmente, cuidando dos riscos sanitários. Há um calendário de lutas unificado, para as próximas duas semanas, aprovado pelas Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo. Esse é o terreno mais promissor da unidade da esquerda e deve ser nossa aposta.
  2. Os neofascistas, diante da CPI, saíram, defensivamente, às ruas no 1º de maio. Levaram alguns poucos milhares de “amarelinhos” para a Avenida Paulista e Copacabana. Fizeram um desfile de mil motociclistas, provavelmente, uma maioria de policiais e militares na Esplanada dos Ministérios. O agronegócio pretende mover outros tantos para o sábado dia 15. É hora de sangue frio, mas firmeza. A extrema-direita não será derrotada sem medição de forças. Temos jornadas de luta para construir e elas devem ser o centro, também, para os partidos de esquerda. O lugar de Lula deve ser nestes Atos pelo Fora Bolsonaro, ao lado daqueles que o defenderam quando estava preso, e não daqueles que apoiaram, ou se calaram diante do impeachment de Dilma Rousseff. Não é a hora de reuniões de negociação em Brasília para articular alianças para 2022. Queremos uma aliança agora pelo Fora Bolsonaro. 
  3. A turbulência aumentou nas “alturas” do regime, e o governo entrou em clara dinâmica de enfraquecimento. Em primeiro lugar, caíram Pazuello na Saúde e Ernesto Araújo no Itamaraty, dois ministros estreitamente associados ao que a mídia denomina como ala ideológica, o eufemismo jornalístico para denominar a ala neofascista. Ricardo Salles, o ministro que defende grileiros, madeireiras e mineradoras na devastação da Amazônia tremeu e ainda não caiu somente porque o agronegócio o sustenta, mas parece ter os seus dias contados. As diferenças internas entre membros do primeiro escalão passaram a ser, pela primeira vez depois da ruptura de Sergio Moro e da ala lavajatista, tensões públicas entre as quatro alas do governo de extrema direita. Não se trata somente de nuances de gestão de conflitos administrativos. A ala do centrão enfrentou Paulo Guedes em torno da liberação de verbas para o orçamento de 2021, e conseguiu impor as emendas parlamentares encobertas como emendas do relator para o Ministério da Integração Nacional, e precipitaram-se demissões no ministério da Economia. O desentendimento de Bolsonaro com o ministro da Defesa levou a demissão dos três comandantes das Forças Armadas. Eles estão se dividindo.
  4. Estas tensões internas ao governo foram condicionadas, também, pela mudança de patamar dos conflitos abertos entre o Planalto e o STF e o Senado. As duas principais instituições do regime se moveram contra Bolsonaro de forma duríssima, estabelecendo limites para o governo de extrema direita.  As votações no STF da incompetência da 13ª Vara de Curitiba para julgar Lula e, portanto, a anulação das condenações e, na sequência, a suspeição de Sergio Moro foram derrotas históricas para a operação LavaJato. A decisão do Senado de abrir uma CPI sobre a gestão da pandemia atinge o governo no seu flanco mais frágil.  
  5. Mas a fragilização do governo aumentou porque os conflitos gerados pela gestão da pandemia precipitaram a iniciativa do manifesto dos 500, o mais claro posicionamento crítico da fração capitalista mais poderosa do país. Foi um alerta “amarelo” para o Planalto. O núcleo duro da burguesia exigiu do governo um compromisso com um plano de vacinação de emergência, entre outras medidas, sem o qual não poderá ocorrer uma retomada plena da vida econômica. Não existe ainda um setor da classe dominante disposto a dar luz verde para a abertura de um processo de impeachment. Sem esse deslocamento ou, em contrapartida, uma mobilização de massas em escala “colombiana”, ou seja, de centenas de milhares, que no Brasil teriam que ser alguns milhões, não há qualquer possibilidade, infelizmente, de uma maioria no Congresso Nacional aprovar o impeachment. Nenhuma. 
  6. A pandemia está derrotando Bolsonaro. O contexto do novo momento está determinado pela hecatombe sanitária e agravamento da crise social que desaba de forma ineludível sobre o governo Bolsonaro. A estratégia de perseguir, desde março de 2020, a qualquer preço, o contágio acelerado e a imunidade de rebanho, subestimando o perigo da pandemia, foi genocida. Nada pode explicar a obtusidade, a idiotice, a estupidez do atraso na aposta de compra de diferentes vacinas. A nação se comoveu com a morte de Paulo Gustavo, o artista popular que simbolizou o luto emocionado pelo meio milhão de óbitos, quando considerada a subnotificação. A vacinação evolui em ritmo muito lento pela falta de vacinas, agravada por interrupções da segunda dose que são resultado dos desatinos da “logística” de Pazuello. Estima-se que 20 milhões de pessoas estão passando fome. Há um ano temos pelo menos metade da população em idade ativa fora do mercado de trabalho. A suspensão do auxílio emergencial em dezembro deixou as massas populares desamparadas diante da segunda onda. Mas não fosse toda esta tragédia o bastante tivemos a chacina policial no Jacarezinho no Rio de Janeiro. 
  7. O DataFolha de 13 de maio com entrevistas presenciais, depois de muitos meses de pesquisas de opinião por telefone, revela duas tendências um pouco diferentes das pesquisas por telefone de outros institutos. A pesquisa indica que não há mais empate técnico entre Lula e Bolsonaro. O apoio a Bolsonaro caiu, e o apoio a Lula subiu. Aprovação caiu para 24% e rejeição subiu para 45%. Lula tem um amplo favoritismo no nordeste, entre os que ganham até dois salários mínimos e menos instrução, entre os jovens com menos de 24 anos, nas mulheres e negros, que são todos setores muito massivos. Ainda falta, evidentemente, muito chão para 2022. Isso significa que é muito perigoso dar tempo ao “azar”. 
  8. Não existem somente dois campos político-sociais em luta no Brasil. São três campos. A oposição liberal de direita está atravessando um momento de crise política, apesar de ter saído relativamente, fortalecida das eleições municipais do ano passado. Estão muito divididos e sem candidato. As ambições de João Dória inspiram insegurança diante do desenlace imprevisível de prévias no PSDB contra Leite e Tasso Jereissati. O DEM de ACM Neto está se dissolvendo. O MDB se transformou em um apêndice do Centrão. Luciano Huck e Sergio Moro não devem ser candidatos. Mas o que explica as dificuldades da oposição de direita liberal, em primeiríssimo lugar, é que não podem levantar a bandeira Fora Bolsonaro. São conscientes que um impeachment de Bolsonaro incendiaria a esperança de um governo de esquerda no coração de dezena de milhões de explorados e oprimidos. Estão de mãos atadas com o ajuste econômico-social que está sendo conduzido por Paulo Guedes. Mas controlam os governos estaduais e municipais mais importantes e mantém relações orgânicas com as frações mais poderosas da burguesia.
  9. Bolsonaro não está ainda, politicamente, liquidado e pode se recuperar. A extrema-direita mantém a cumplicidade da massa da burguesia, reservas importantes de apoio nas camadas médias, e a insegurança social e confusão política não foram superadas na classe trabalhadora. Mesmo na pior hipótese, que seria a imunização da vacina só se completar em 2022, não podemos descartar que, em algum momento, se dissemine alguma sensação de alívio quando as condições deixarem de ser tão graves. E devemos aprender algo sobre o impacto que o auxílio emergencial de 2020 teve na popularidade do governo. A lenta, mas ininterrupta experiência que dezenas de milhões estão vivendo, dramaticamente, como relâmpagos e trovões que produzem saltos na consciência é uma oportunidade. Nada é mais importante que o Fora Bolsonaro. Acontece que nenhum setor da burguesia quer derrubar Bolsonaro. A CPI é uma caixa de ressonância contra Bolsonaro, mas não haverá impeachment sem mobilizações de massas. E enganam-se aqueles que pensam que já estão maduras condições para mobilizações de massas em grande escala. Oxalá fosse possível uma greve geral contra o governo. O desafio é com perseverança, mas também, lucidez, construí-las. Não podemos nos deixar dominar pelo ansiedade e desespero. Tampouco podemos fazer proclamações que seriam um ultimato às massas. 
  10. A questão central da conjuntura é a aposta estratégica. A tática é a luta pelo Fora Bolsonaro. Derrotá-lo antes de 2022 seria extraordinário e, se a oportunidade se abrir, e ela pode se abrir, seria imperdoável desperdiçá-la Mas a estratégia é a luta por um governo de esquerda com um programa de esquerda. A esquerda não deve “construir uma escada” para levar uma fração da burguesia ao poder. Os setores mais moderados da esquerda apostam em uma reedição da tática de 2002 privilegiando a ampliação de alianças com setores da burguesia. A fórmula seria apresentar Lula como o candidato da democracia contra o fascista, da civilização contra a barbárie. Os setores mais revolucionários desconsideram a importância da unidade da esquerda para derrotar Bolsonaro. Ambos estão equivocados. Precisamos da unidade da esquerda e de um programa anticapitalista.