“O que peço no momento é silêncio e atenção.
Quero contar o sofrimento que eu passei sem razão.
O meu lamento se criou na escravidão…
Que forçado passei.” (Cordeiro de nanã – Os Ticoãs)
As datas comemorativas sempre são um momento que utilizamos para chamar a atenção de algum fato histórico importante que marcam o nosso caminho enquanto povo. Nesse texto buscamos disputar essa memória coletiva. Dizer que “Brasil, o teu nome é Dandara/ E a tua cara é de Cariri/Não veio do céu/ Nem das mãos de Isabel/ A liberdade é um dragão no mar de Aracati”.
Falar da história do Brasil é contar a história de violência e resistência imposta às populações indígenas dessa terra e aos negros trazidos de outras terras. O 13 de maio é lembrado na história oficial como o dia da libertação dos negros através da assinatura da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil. Isso é o que a história oficial nos conta, porém, a realidade é muito mais complexa. O Brasil é o país que recebeu cerca de 43% de todos os negros traficados para América, o último país da América a abolir a escravatura e o primeiro país a negar a existência do racismo, apoiado na ideia de uma democracia racial. Em um primeiro momento parece lógico comemorar a data de libertação dos negros. O grande problema disso é que essa data é um marco da história oficial que busca apagar a história real de luta pela libertação.
Apagamento histórico é um dos elementos que caracterizam a experiência do racismo e fortalece a ideia de um povo sem história, afirma que o chicote que batia lá atrás não bate mais, logo não precisamos lutar por reparação histórica. Infelizmente a realidade nos atravessa quando assistimos a execução de 28 pessoas na periferia do Rio de Janeiro. A chacina de Jacarezinho é parte da realidade que prova que o Estado ainda mata os pretos desse país, seja através do chicote, pela falta de políticas públicas ou pelo braço armado. Precisamos ser enfáticos em afirmar que o caminho das populações negras no Brasil é permeado por uma história de ressurgimentos, ressignificações e resistências.
A abolição da escravatura no Brasil foi resultado de séculos de resistência ao processo colonizador, atrelado a fixação/adequação do Brasil ao sistema capitalista. O 13 de maio de 1888, aparece como a data da abolição da escravatura no Brasil, que coloca como centro desse processo a “benevolência” de uma princesa branca oriunda de um país responsável pela colonização e escravização de diversos povos, construindo uma narrativa da história na qual aparecem como “abolicionistas” justamente aqueles que são responsáveis por toda materialização da violência racista.
Muito antes de 1888, podemos falar de um 1595 com o surgimento do Quilombo dos Palmares que existiu por um século como espaço de resistência liderado por Dandara e Zumbi; De 1807 da revolta dos Malês em Salvador, liderada por Luiza Mahim; De 1873 da greve dos padeiros organizada pelo escravizados livres do Rio de Janeiro (termo utilizado para falar dos escravos alforriados) para lutar pelas alforrias de muitos negros escravizados; De 1884 da Greve dos Jangadeiros no litoral do Ceará que liderada por Tia Simoa e Dragão do Mar, greve que libertou os negros que chegavam dos tumbeiros (navios negreiros). O ano de 1884 também foi o ano em que Manaus, dois meses antes do estado do Amazonas, alforria todos os negros. Ou seja, 1888 não pode apagar e substituir essa história de resistência e luta que é a base da abolição/libertação do povo negro.
Toda essa resistência negra que conta a história de levantes, insurgências e fugas das senzalas para os quilombos, resulta em um 1888 que em meio a uma colônia em crise com o império e a existência de um movimento abolicionista organizado que buscava reparação histórica para a população negra.
Nesse Brasil, isso significava questões relacionadas ao direito ao trabalho, vinculada a luta por terra com a defesa da Reforma Agrária e de Direitos para os trabalhadores, em meio a formação da classe trabalhadora, que no Brasil possui um aspecto racial indiscutível, classe quase como sinônimo de negro/indígena. Por sua vez, havia reivindicações associadas as liberdades de expressões culturais e religiosas, vinculadas a preservação de parte da história do povo negro – criminalizado por muito tempo –, e por ultimo, o papel das matriarcas como cuidadoras, centro da luta contra o apagamento da história desse povo.
O 13 de maio de 1888 foi resultado de uma dupla força política. Dos de baixo, que se organizavam cada vez mais e lutavam por terra para produzir e viver, em um Brasil colônia (rural) que possuía a maior quantidade de negros escravizados da América e uma população negra e indígena muito maior que os colonizadores, uma verdadeira América negra que colocava em risco o império. Vide que em 1804 tivemos a primeira revolução negra que tomou o poder contra seus colonizadores franceses, a Revolução Haitiana, e muitas outras colônias que iniciavam suas libertações pela independência na América. E a força política dos de cima, já que, uma parcela da elite que buscava fazer um pacto social para garantir o desenvolvimento social/econômico do país a partir da adequação do Brasil ao sistema capitalista que ali nascia.
Segundo Lélia Gonzalez (2020) “o 13 de maio libertou apenas 10% da população de cor do Brasil” , uma vez que os outros 90% já viviam em estado de liberdade”, o que nos permite afirmar que a grande questão em torno do 13 de maio se dava em torno de como não quebrar o direito fundamental à propriedade privada. A lei áurea declarou a extinção da escravatura e sua proibição sem ter absolutamente nenhuma política de reparação histórica. O 13 de maio de 1888 significa o primeiro passo na tentativa de enterrar uma primeira reparação histórica do povo preto, ou seja, é a data que busca apagar historicamente a luta pela liberdade e uma primeira reforma agrária no Brasil.
A política de apagamento da história do povo negro e indígenas desse país é um projeto que tem suas bases nesse passado que estrutura o racismo. Tem como projeto tentar apagar as responsabilidades do Estado sobre o extermínio que essas populações sofrem com o racismo, é um projeto que ainda permanece com o intuito de não dar brecha para qualquer insurgência negra que busque uma verdadeira liberdade nos dias atuais, assim como foi no passado.
Esse projeto que se materializa, hoje, numa política de segurança pública que é responsável por um verdadeiro extermínio da juventude negras nas periferias, como o que ocorreu na última semana no Jacarezinho. 28 assassinatos feito pela arma do Estado, validado nas declarações do governo Bolsonaro e do delegado da polícia civil do Rio de Janeiro após a chacina.
Essa ações mostram que a política atual de extrema direita do atual governo federal e seus apoiadores defende o extermínio do povo negro, negando 11 pedidos de compra de vacinas que seriam capaz de salvar a maior parte desse mais 400 mil mortos pelo Covid-19, com a negativa de um auxílio emergencial de 600 reais até o final da pandemia, que coloca uma grande quantidade de pessoas em situação de miséria e fome.
Nesse 13 de maio de 2021 em que vivemos um momento de crise social e sanitária, a luta por liberdade é sinônimo de luta pela vida. É uma luta que necessita se unificar em torno do combate a política de morte do Governo Bolsonaro. Por isso fazemos um chamado para que nesse 13 de maio construamos a resistência junto aos atos nas capitais desse país contra o genocídio negro. Recontamos nossa história de resistência para saber de onde viemos e buscar o nosso horizonte de vida e liberdade. Nem Bala, Nem Vírus, Nem Fome, Basta de Genocídio.
Referências:
Abolição e Reforma Agrária – Manuel Correia de Andrade
Por um feminismo Afrolatino Americano – Lélia Gonzalez
O Negro na América Latina – Henry Louis Gates Jr
*Ohana Pageú é militante da Resistência/PSOL
Comentários