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Colunas

Antes das urnas, a guerra

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Creio que não passava na cabeça de ninguém da esquerda na Paris de 1943 a indagação acerca de quem deveriam ser os candidatos para um futuro pleito eleitoral após uma possível queda de Vichy. Lula, aliás, declarou que a pandemia no Brasil equivale a uma guerra, e nisso tem razão. Ocorre que, pela “força do hábito”, por assim dizer, porta-se como se estivéssemos em paz, e como se os ponteiros da história tivessem um belo dia estacionado no horário eleitoral para de lá nunca mais sair.

Se há alguém por aqui que de fato confia nas instituições, mesmo que esta confiança não lhe seja de modo algum recíproca, e mesmo que estas mesmas instituições adulterem eleições, este alguém é Lula, para quem eleição, moderação e colaboração – mesmo com aqueles que podem, quem sabe, se desgarrar de Pétain – constituem uma espécie de panaceia para todo o mal, incluindo um genocídio. No ano que vem, Lula, com efeito, será o candidato de todos aqueles e aquelas que querem, de verdade, derrotar Bolsonaro, e assim o será porque muito provavelmente tratar-se-á de um pleito plebiscitário, a favor ou contra Bolsonaro, a favor ou contra o genocídio, e só Lula tem eleitoralmente chances de fazer as vezes do “contra”.

Mas não estamos no ano que vem. Não ainda. A luta é agora, e Bolsonaro tem que ser parado o quanto antes, pois com ele no poder as horas se medem em covas. Esperar, quieto, por uma redenção eleitoral, como fazem Lula e os dirigentes petistas, é assumir uma postura passiva diante da história, e o argumento de que o espaço para ação é pequeno minimiza, mas não elimina a responsabilidade dos grandes sujeitos políticos – sobretudo quando foram estes mesmos sujeitos que instilaram nas massas a noção de que votar é melhor do que lutar, e de que esperar é melhor do que transformar.

E a hora, agora, é de lutar, ao menos de tentar lutar. Não desistir, ao menos não sem tentar – afinal, o pra sempre de muita gente já acabou nesses tempos. Primeiro lutemos, e depois votemos. Assim, do ponto de vista tático, a crítica ao eleitoralismo de Lula e dos dirigentes petistas não pode ser feita antecipando, mesmo que “à esquerda”, o próprio debate eleitoral. Afinal, em meio ao um genocídio, a uma guerra, os socialistas devem se concentrar em lutar, e não em se pré-candidatar.