Todo ser humano que ama a liberdade deve ao Exército Vermelho mais do que conseguirá pagar em uma vida.
Ernest Hemingway
Há 76 anos, no 8 de maio 1945, ocorreu a derrota formal da Alemanha nazista para os aliados na Segunda Guerra Mundial. Havia um acordo entre os aliados de que o dia 9 de maio de 1945 seria o dia da celebração, no entanto, jornalistas ocidentais divulgaram a notícia da rendição alemã mais cedo do que era previsto, precipitando as celebrações. A URSS manteve as celebrações para a data acordada, por isso o fim do conflito, conhecido na Rússia como a Grande Guerra Patriótica, é celebrado no dia 9 de maio. Já a vitória aliada sobre o Japão é comemorada no dia 15 de agosto de 1945.
A Segunda Guerra Mundial deixou uma destruição nunca vista até então. As mortes chegaram a um total estimado de 70 a 85 milhões de seres humanos, contando-se os que morreram por fome e doenças como resultado direto da guerra, ou seja, mais de 3% da humanidade (1). Dezenas de cidades foram reduzidas a escombros. Recursos capazes de nutrir, vestir, garantir moradas, saúde, educação e trabalho para sanar a pobreza foram usados para fins puramente destrutivos. O meio ambiente, em vários locais, com florestas e campos cultiváveis foi reduzido às cinzas. Tal devastação atingiu o próprio comportamento e subjetividade humanos: com violência generalizada e massacre sistemático de populações. O morticínio desenvolveu-se em escala industrial. Exemplo disso foram os campos de concentração nazistas, o bombardeio da cidade alemã de Dresden e as duas bombas atômicas lançadas no Japão já derrotado.
As raízes estruturais dessa catástrofe estão presentes na própria natureza competitiva do modo de produção capitalista que se acirra com o capitalismo monopolista. O imperialismo eleva a competição para o nível político-econômico tomando uma dimensão crescentemente militar-econômica pela divisão do mundo entre as potências imperialistas. Os Estados e suas forças armadas participam das disputas entre poderosos grupos industriais e financeiros. As guerras mundiais foram produto da tendência do sistema imperialista ao expansionismo agressivo.
Após a primeira guerra interimperialista (1914-1918), os levantes revolucionários que se seguiram foram suficientemente poderosos para impedir a restauração do capitalismo na antiga Rússia imperial. Porém, o fato de não ocorrerem novas vitórias enfraqueceu o proletariado soviético. O Estado operário (expropriação da burguesia, monopólio do comércio exterior e economia planejada) sobreviveu, mas de maneira deformada, com a emergência do domínio da burocracia e de sua expressão política: o stalinismo.
De fato, a Segunda Guerra Mundial não foi uma luta entre democracia e fascismo, mas uma disputa entre potências imperialistas pela hegemonia mundial. O imperialismo alemão não era diferente dos outros imperialismos: sobre todos eles pesam crimes contra a humanidade. Porém, o imperialismo alemão sob a bandeira do nazismo desencadeou a guerra mundial com a agressão à Polônia em 1º de setembro de 1939.
Depois de vencer a guerra no Oeste europeu, com vitórias nos Países Baixos e França em 1940, a máquina militar nazista voltou-se, em 1941, para seu objetivo central: a destruição do Estado operário soviético, o que significava uma contrarrevolução em grande escala. Em 22 de junho de 1941, iniciava-se a Operação Barbarossa. Para destruir o Exército Vermelho, Hitler arregimentou pelo menos 152 divisões alemãs, incluindo 19 divisões panzer e 15 divisões de infantaria motorizada, além de 15 divisões finlandesas e 14 divisões romenas. Em termos de equipamentos, as forças alemãs somavam cerca de 3.350 tanques, 7.200 peças de artilharia e 2.770 aeronaves que representavam 65% da força aérea de primeira linha (GLANTZ; HOUSE, 2009).
Foi um verdadeiro desastre para os soviéticos. Um desastre plenamente evitável. Mesmo possuindo 39 mil canhões e morteiros, mais de 9 mil aviões e 11 mil blindados, depois da primeira semana de batalhas, restou pouca coisa.
A invasão alemã da União Soviética em junho de 1941, juntamente com a sabotagem stalinista do Exército Vermelho (liquidação de seus generais, recusa em preparar o país para o ataque alemão e o bloqueio da resistência nos primeiros dias da invasão), praticamente levaram à destruição da URSS em 1941 (COGGIOLA, 2015, p. 178-179).
No entanto, depois de uma série de derrotas colossais, os soviéticos detiveram os nazistas às portas de Moscou, numa batalha que oficialmente durou de 30 setembro de 1941 até 20 de abril de 1942, apesar do número excessivo de erros de Stalin. Hitler, num evento em Berlim, no dia 4 de outubro de 1941, chegou a afirmar que o avanço para Moscou estaria em seus estágios finais, sendo a maior batalha da história e que, uma vez morto, o dragão soviético nunca mais se levantaria (NAGORSKI, 2015). O custo foi altíssimo para o Exército Vermelho: 1.896.500 perdas entre mortos, desaparecidos, prisioneiros e hospitalizados. É importante destacar que, devido ao tratamento dispensado pelos nazistas aos prisioneiros soviéticos, a maioria deles foi condenada à morte.
O ponto de virada estratégico se deu com a derrota nazista em Stalingrado, em fevereiro de 1943. Caso vencesse, o imperialismo alemão sairia fortalecido tanto no plano estratégico como econômico, tendo possibilidades para lançar uma ofensiva contra Moscou, o Oriente Médio e, até mesmo, a Grã-Bretanha. No entanto, dos poderosos 6º Exército e 4º Exército de Blindados nazistas de 330 mil homens, restaram apenas 91 mil soldados esfomeados e exaustos, dentre eles 22 generais que se renderam em 2 de fevereiro de 1943. Tal vitória soviética foi consolidada com outra no maior confronto de blindados numa guerra: a Batalha de Kursk, entre julho e agosto de 1943. A partir desse evento, Hitler não reuniu mais condições de uma grande ofensiva contra a URSS, dedicando-se apenas às batalhas defensivas para adiar a derrota final. Do ponto de vista militar, a derrota do exército nazista na União Soviética foi decisiva para a derrocada do III Reich, pois
[…] durante o verão europeu de 1942, o alto comando alemão havia concentrado 70% do contingente de suas forças armadas contra a URSS, ou seja, 179 divisões, sem contar as 71 divisões de seus aliados (22 divisões romenas, 14 finlandesas, 10 italianas, 13 húngaras, 1 eslovaca e 1 espanhola). Assim, naquele verão, 250 divisões – cerca de 3 milhões de homens – lutavam contra as forças soviéticas (WERTH, 2015, p. 16).
As melhores tropas alemãs estavam na Frente Leste e não, na Ocidental, além disso, o Exército Vermelho infringiu 75% das baixas ao exército do Terceiro Reich na guerra (COGGIOLA, 2015). Para tentar desvirtuar a importância fundamental do Exército Vermelho para o fim da barbárie nazista, criou-se a mitologia de que a derrota alemã foi causada pelo número e não pela habilidade, sendo a vitória soviética obtida ao preço de rios de sangue, enquanto os generais e marechais nazistas foram endeusados por terem lutado com poucos recursos e muita inteligência, podendo ter vencido, não fosse a liderança desastrosa de Hitler.
Na verdade, a marcha vitoriosa do Exército Vermelho foi um evento de consequências revolucionárias, indo além do aspecto militar. Vassily Tchuicov, o Marechal que comandou as forças soviéticas no aniquilamento do III Reich, assim retrata esse movimento progressivo.
As vitórias do Exército Soviético ajudaram a luta pela libertação nacional nos países europeus ocupados pelos nazistas. Essa luta foi liderada pelo Partido Comunista e outros partidos operários, que uniram centenas de milhares de patriotas. Com o avanço do Exército Soviético em direção ao Dniestre e à porta de entrada para os Balcãs, o movimento antifascista se tornou mais ativo nos países satélites da Alemanha. Na Bulgária e na Romênia, os exércitos sublevados e de libertação nacional cresceram em número. Naquele verão, as unidades búlgaras de partisans totalizavam cerca de 30 mil combatentes, que imobilizaram o exército monarquista. Em maio a Frente Húngara, foi formada por iniciativa dos comunistas da Hungria e, na Romênia, formou-se um bloco nacional-democrático, que organizou um levante armado antifascista.
Na Iugoslávia, na Albânia e na Grécia, sob a liderança dos comunistas, os partisans lutaram com muita bravura contra os invasores fascistas em batalhas que mantiveram 19 divisões fascistas ocupadas e imobilizadas.
O povo polonês, independentemente da política traidora de Mikolajczyk e de seu governo no exílio, intensificou a luta armada contra os invasores nazistas (TCHUICOV, 2017, p. 15).
A bandeira da URSS tremulando em Berlim significou a vitória das conquistas da Revolução de Outubro de 1917, apesar da deformação stalinista e da barbárie nazista. A derrota do Terceiro Reich abriu possibilidades emancipatórias para o conjunto da humanidade, desde os movimentos de libertação nacional nas nações oprimidas à luta pelos direitos civis nos países capitalistas avançados.
Viva os 76 anos da derrota do nazismo! Viva o Exército Vermelho!
*Frederico Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO).
NOTAS
(1) A população mundial, em 1940, era estimada em 2,3 bilhões de pessoas.
Referências
COGGIOLA, Osvaldo. A Segunda Guerra Mundial: causas, estruturas, consequências. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.
GLANTZ, David M. & HOUSE, Jonathan. Confronto de titãs: como o Exército Vermelho deteve Hitler. São Paulo: C&R Edditorial, 2009.
NAGORSKI, Andrew. A Batalha de Moscou: a luta sangrenta que definiu os rumos da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2013.
TCHUICOV, Vassily. A conquista de Berlim: 1945: a derrota dos nazistas. São Paulo: Contexto, 2017.
WERTH, Alexander. Stalingrado 1942: o início do fim da Alemanha nazista. São Paulo: Contexto, 2015.
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