O que é mandar um e-mail para uma geração de alunos que nasceu conectada umbilicalmente ao Facebook, Instagram e Twitter? A resposta mais honesta para essa questão fundamental para a estrutura educacional é um flagrante equívoco geracional. Afinal, a crise da pandemia nos compeliu a um novo mundo, um lugar que pensávamos ser familiar às necessidades sociais mais básicas dos estudantes atuais. Porém, isso foi um terrível engano, pois as necessidades são governadas por contradições e essas últimas são impostas pela falta ou abundância de poder. Entramos no mundo das telas, das lives e palestras gravadas, cônscios do que os jovens poderiam fazer, mas comprometidamente cegos em relação ao que podiam tentar. Iniciamos o caminho do ensino remoto perdidamente e agora, defronte a encruzilhada do nosso caótico fracasso, nos vemos sem saber qual caminho tomar para remediar um quadro fatal. No desespero, as vozes castradas de bom senso nos dizem para voltar todo o caminho. É o momento de voltar para a sala de aula.
Os professores que são a torre do saber devem recuar no tabuleiro escolar, retornando para a sala de aula sob os auspícios do moralismo cínico das autoridades públicas, alienadas do seu ofício e dos perigos correlatos ao mesmo na atual conjuntura. Vacinados? Não estão. Protegidos? Não estão. E os protocolos? São mais embutidos na matéria da fé, na religiosidade do lucro e da abstenção parental do que no rigor do pragmatismo político e científico, qualidades faltosas a administrações pretensamente decentes, especialmente no âmbito da escola pública.
Quando um aluno não sabe como mandar um e-mail, não responde às atividades, deixa os seus docentes dialogando com ícones mudos numa tela, há muitos culpados.
De fato, o ensino remoto fracassou. Todavia, seu fracasso é a síntese de contradições políticas multipolares, na qual a parcela de omissão e negação está democraticamente distribuída entre as estruturas político-institucionais que regulam a educação e os grupos sociais presentes em seus quadros. Em verdade, quando um aluno do Ensino Médio não sabe como mandar um e-mail, não responde às atividades, deixa os seus docentes dialogando com ícones mudos numa tela, há muitos culpados. Não há professor, com ares de Platão, cujos ombros são suficientemente largos para carregar ônus moral dessa conduta estudantil. Dos pais, dentro de suas casas, aos ministros da Educação, que vêm e vão no ritmo dos delírios lá na capital do país, a lista de responsáveis por nos compelir ao ponto que estamos agora é evidentemente longa. E é esta coluna de sujeitos que se colocam na corrida frenética pelo retorno às aulas presenciais, tal como um rebanho de animais amedrontados tentando salvar a própria pele na presença de um predador faminto. Nesse tumulto, alguns caminharão direto para a boca das feras, entretanto isso para alguns de nós, providos de um senso animalesco sobre a vida humana, é um preço aceitável e passível de ser pago com sangue.
Sim, a escola é fatal. E se alunos e professores morrerem, haverá bestial justeza. Tendo em vista que o compromisso é com a ordem social desigual na qual vivemos e não com as possibilidades do saber. Os alunos continuam sem saber mandar um e-mail. Alguns deles estão trabalhando, porque hoje em dia precisam mais disso do que estudar. Sem dúvida, a escola é uma existência nominal na periferia e o Covid-19 ajudou a catalisar esse processo, mesmo assim hoje apelam que nós retornemos a essa instituição cadavérica, talvez para ajudá-la a terminar de morrer. E aqueles confinados em casa, meramente por conta da pouca idade, continuam miseravelmente solitários. Alimentando as esperanças de encontrar os professores, ou a liberdade do livre contato humano, no final de um horizonte romântico, divorciado da realidade, prometido pelo poder público. Trata-se de um problema atravessado por um dilema político estúpido, ao menos para governos honestamente preocupados com educação. Mas quem se importa? A escola da nossa sociedade é fatal. Nós já vivemos na barbárie.
*Professor de História na Educação Básica.
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