Dia 1º de maio é também conhecido como o dia internacional do trabalho. Em terras brasileiras, antes disso, em homenagem ao ilustre escritor José de Alencar, concorde à data de seu nascimento – 1º de maio de 1885 –, foi intitulado dia da literatura brasileira. Desde que se teoriza a literatura, perguntas como estas aparecem: O que é literatura? Tem alguma função?
A literatura foi vista por muito tempo como uma constitutiva da identidade nacional, principalmente nas Américas, a partir dos períodos de independência. Terry Eagleatron – em, O que é Literatura? – traz importantes proposições: ‘’A literatura, no sentido de uma coleção de obras de valor real e inalterável, distinguida por certas propriedades comuns, não existe.’’. Ademais, complementa ele, ‘’ Não existe uma obra ou uma tradição literária que seja valiosa em si, a despeito do que se tenha dito, ou se venha a dizer, sobre isso. ‘Valor’ é um termo transitivo: significa tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas em situações específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos.’’
Em outras palavras, podemos dizer que os tema, as formas, os olhares e outros fatores constitutivos ou correlatos à literatura reconfiguram-se de acordo com o tempo e espaço em que se produz literatura. Hoje, no Brasil, urge nos estudos literários a Literatura Afro-brasileira ou Literatura Negra. Sabemos que a maioria da classe trabalhadora do Brasil é constituída pela população negra, sendo o trabalhador e suas relações de trabalho cada vez mais precarizadas. Dessa forma, a literatura afro-brasileira torna-se essencial para analisar a relação entre o trabalho e a literatura. Dá-se ao sujeito racializado e trabalhador, o protagonismo tanto como autor quanto como personagem.
Sobre a literatura afro-brasileira, afirma Duarte: ‘’ Enfim, essa literatura não só existe como se faz presente nos tempos e espaços históricos de nossa constituição enquanto povo; não só existe como é múltipla e diversa.’’. Ademais, complementa o mesmo autor: ‘’A partir, portanto, da conjunção dinâmica desses cinco grandes fatores – temática, autoria, ponto de vista, linguagem e público – pode-se constatar a existência da literatura afro-brasileira em sua plenitude.’’. Essa literatura dá-nos a capacidade de apreender outros olhares sobre a relação trabalho e literatura, permitindo-nos ir da insigne escritora Conceição Evaristo, literatura negra ou afro-brasileira, a Euclides da Cunha. A imersão do sujeito no mundo do trabalho e suas relações nele, são observadas e apreendidas de forma diferentes por sujeitos de épocas e espaços sociais distintos. O que se segue é uma tentativa de expor um pouco tais representações.
Narrativas do trabalho nas obras de Jorge Amado
O aclamado escritor baiano Jorge amado sempre utilizou das suas abras como uma ferramenta de provocação social. É muito comum em suas obras vermos críticas a temas importantes, como a desigualdade social, o racismo, o machismo estrutural e a intolerância religiosa. As críticas presente nas suas obras, tais quais em Jubiabá, é a prova material da sua constante luta contra as opressões, nesse caso, a exploração da mão de obra dos trabalhadores e suas constantes lutas contra os regimes que visavam lucrar com a exploração. Em Jubiabá, um homem negro chamado Antônio Balduino, protagoniza o retrato do trabalhador dos anos 1930. Explorado em todas as funções que por ventura viesse a ocupar, ele se revolta ao atingir uma compreensão da realidade que o cerca e de seu lugar nela. A obra Jubiabá traz temas caros para a literatura de Jorge Amado: a força da cultura afro-baiana e do trabalhador contra a opressão política e as injustiças sociais.
Narrativas do trabalho presentes na obra de Carolina Maria de Jesus
Carolina Maria de Jesus foi a primeira autora negra brasileira a atingir reconhecimento nacional e internacional como escritora. Sua obra mais importante “Quarto de Despejo” traz à luz a realidade da vida sofrida dos moradores das comunidades, mais precisamente na Favela do Canindé, na cidade de São Paulo. Mãe solteira, catadora de recicláveis e lavadeira, Carolina retratava em seu diário seu dia a dia de dificuldades e lutas. Em seu famoso livro, ela descreve a exaustão dos seus dias ocasionadas pelo excesso de trabalho e sua desvalorização naquela sociedade enquanto mulher negra e catadora. Também faz lúcidas críticas ao sistema desigual que a obrigava a viver aquela realidade miserável que ela teimava em não aceitar. Ela sonhava com o dia em que daria dignidade aos seus filhos e moraria em uma casa de tijolos. A resistência da sua vida contada em sua obra a levou do Canindé para o mundo.
Narrativas do trabalho presente na obra de Graciliano Ramos
Não é possível fazer uma relação da exploração do trabalho nas obras presentes na literatura brasileira e não citar o clássico “Vidas secas”. O contínuo relato de exploração retratado por Graciliano Ramos em sua obra, escancara o descaso social e a exploração humana do trabalho. A triste vida sertaneja ali retratada busca mostrar as contínuas relações de dominação de homem sobre o homem. As vidas ali apresentadas não se secaram pelo chão tórrido impelido pelo sol escaldante, mas filosoficamente secas pelo resultado de toda uma vida cercada pelo sofrimento causado por um processo sistemático de exploração, humilhação e alienação. Sem dúvidas “Vidas secas” em sua contemporaneidade reproduz a tirana da realidade presente no Brasil da época que foi escrito, mas que continua sendo em muitos sentidos um relato atual da relação em que se constitui o trabalho e o trabalhador brasileiro.
Narrativas do trabalho presente na obra de Conceição Evaristo
Em suas obras Conceição Evaristo busca através da sua “escrevivência”, retratar aspectos sobre a vida tanto dos seus ancestrais quanto da sua. Ela traz através da sua “memória” o resgate das vivências dos que lhe antecederam, relatando principalmente suas lutas e opressões. A vida dos seus antecedentes explorados pelo trabalho escravo e a luta contemporânea dos seus para se libertar das opressões que ainda se mantêm vivas até hoje, é o que torna suas obras registros de resistência nos dias atuais. O resgate da sua identidade através dos seus escritos poéticos, traz o cerne da sua compreensão a respeito da realidade de opressão do povo negro através da exploração da sua força de trabalho. A sensibilidade das suas obras não é capaz de ocultar as denúncias e chamados de aquilombamento que é o que faz da literatura de Conceição Evaristo um retrato fiel da resistência do seu povo.
Narrativas do trabalho presentes na obra de João Cabral de Melo Neto
Escritor de “Morte e Vida Severina”, João Cabral de Melo Neto utilizava da sua obra também como objeto de denúncia social. Em “Morte e Vida Severina” a saga de um retirante em busca de um ambiente passível de sobrevivência é narrada e suas constantes frustrações abarcadas por várias negativas no decorrer do seu caminho. Severino é o retrato da miséria, fome e desemprego. As críticas presentes nessa obra são muitas, porém a relação do nordestino com a sua autorretratada da sua terra em busca de melhores condições de vida através do trabalho na cidade grande é sem dúvidas a mais marcante.
Como podemos observar, a literatura nunca absteve de se utilizar como uma ferramenta de crítica social. Indo na contramão disso, ela sempre foi um dos mais importantes meios de denúncia contra as injustiças e contra as opressões sofridas pelos povos que vivem a margem. Na literatura brasileira, autores importantes como Jorge Amado e Castro Alves utilizaram das suas obras para denunciar os respectivos sistemas opressivos vigentes na época em que eram contemporâneos. O escritor baiano Jorge Amado por exemplo, chegou a ser duramente perseguido e teve suas obras queimadas em praça pública durante o período da ditadura do estado novo. Esses autores, assim como vários outros, direcionavam a suas literaturas a fim de cumprir um papel central na captação da consciência dos leitores em que a obra era direcionada.
Assim, a literatura, ao longo dos anos, têm cumprido um papel central enquanto ferramenta de denúncia que desnuda os aspectos de uma sociedade onde as opressões são encobertas ou romantizadas ao ponto de serem naturalizadas. Em outras palavras, o papel das obras literárias socialmente críticas é fundamental para que o leitor possa refletir sobre as problemáticas do sistema em que vivem e a partir disso, atuar para transformar sua realidade. Por isso, nesse dia 1º de maio, dizemos: Viva aos trabalhadores e trabalhadoras! Viva a literatura brasileira!
Referências:
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Trad.Waltensir Dutra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 31, p. 11-23, jan./jun. 2008. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9430>
KIYOMURA, Leila. Obra de Graciliano Ramos retrata o drama de uma família nordestina, comum ainda hoje no Brasil. “Vidas Secas” denuncia o descaso social e a exploração humana”. Disponível em: <https://jornal.usp.br/cultura/vidas-secas-denuncia-o-descaso-social-e-a-exploracao-humana/>
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