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BRASIL

Aulas presenciais: crônica de uma tragédia anunciada

Marcelo Sitcovsky, de João Pessoa, PB*
Filipe Araujo / Fotos Públicas

Ato público em 2020, contra a volta às aulas presenciais em SP.

Fico acompanhando as questões em votação no Congresso Nacional, que “qualifica como atividade essencial” a educação e que, também, pretendem proibir o direito de greve da categoria docente.

Duas questões se colocam imediatamente importantes para uma reflexão sobre os projetos em votação: primeiro, a baixa taxa de vacinação da população brasileira, o que, concretamente, ameaça a vida de membros das comunidades acadêmicas, pois, mesmo que docentes e servidores técnicos-administrativos sejam vacinados, estudantes – nosso público alvo – e trabalhadores terceirizados (frequentemente os responsáveis pelos serviços de limpeza e segurança), ao que parece, não entrarão nessa fila de prioridades das “atividades essenciais” ao mesmo tempo.

A outra questão refere-se ao fato de não haver, neste movimento em que acontece a votação no Congresso Nacional pretendendo decretar a educação como um “serviço essencial”, nenhuma ação concreta para reverter a política de cortes e contingenciamentos orçamentários enfrentada pelo setor. Muito menos uma proposta de ampliação orçamentária para que escolas públicas (em todos os níveis) possam adaptar suas instalações no sentido de assegurar condições de biossegurança reais que garantam o trabalho e o ensino nesses locais sem colocar em risco a vida das pessoas. 

É preciso garantir condições objetivas. Isso significa recursos financeiros e não apenas “cartas de intenção”. Já diz um ditado popular que “papel aceita tudo”. Refiro-me aos rebuscados planos de biossegurança elaborados em vários espaços acadêmicos. Não se pode negligenciar que as adequações físicas, absolutamente necessárias, e a compra de equipamentos e materiais de consumo indispensáveis para proteção contra a COVID-19 exigem recursos financeiros em quantidade suficiente para proteger todas as pessoas envolvidas na prática educacional. 

O que aparentemente se apresenta como uma preocupação na defesa do acesso ao ensino e da qualidade na formação, que está flagrantemente prejudicada com a modalidade de aulas remotas, revela ter outro objetivo. A iniciativa que conquistou maioria entre deputados e segue para o Senado Federal está amparada no atendimento à pressão do poder econômico, representada principalmente pelo empresariado de escolas e faculdades privadas. Um setor que obtém lucros extraordinários explorando esse direito fundamental para uma sociedade, que é a educação.

Os números de docentes vítimas da SarsCov-2 estão sendo ignorados. Estudos e pesquisas que revelam as alterações do vírus, que adquiriu, inclusive no Brasil, maior capacidade de transmissão, não servem como referência nas decisões dos(as) nobres deputados(as). O negacionismo, a postura anticiência vão encontrando caminhos para se espraiar.

Não posso deixar de me referir aos membros de comunidades acadêmicas que se associam aos discursos e práticas negacionistas, buscando legitimar propostas que têm um enorme potencial de colocar em risco outras vidas. Por vezes, durante esse difícil período de crise sanitária, que se desdobra numa crise humanitária, escutei ou li comentários vagos, do tipo: “não há comprovação que o isolamento e/ou distanciamento social seja a melhor forma de combater a pandemia” ou “existem estudos que demonstram eficiência de tratamento precoce”… 

Para aqueles que usam esse tipo de argumento – que, por vezes de forma velada e outras, aberta, flerta com as fake news, o negacionismo e o terraplanismo -, quando contrariados, a resposta é quase sempre a mesma: “Mas essa é a sua perspectiva!”

A ciência – e a própria imposição da realidade – vem demonstrando que isolamento e distanciamento social têm por objetivo evitar colapso dos serviços de saúde, o que vem garantindo relativo sucesso quando corretamente acionado. O único tratamento preventivo cientificamente comprovado é a vacina, que, no Brasil, está a passos lentos e, estrategicamente, sem rumo. O Ministério da Saúde não possui vacinas suficientes por absoluta falta de planejamento e por atos deliberados daquele que ocupa o cargo da presidência da República, além dos seus comandados.

Os estudos e pesquisas amplamente divulgados em todo o mundo sinalizam os riscos da situação da pandemia no Brasil. A tendência ao decretar a abertura das instituições de ensino é termos os já dramáticos números de contágio e mortes ampliados de forma a sufocar o sistema de saúde. As notícias de falta de insumos para os procedimentos necessários ao atendimento dos casos graves da doença, assim como os relatos de esgotamento físico e mental das equipes de saúde estão sendo ignorados pelos congressistas, que já aprovaram o projeto na Câmara de Deputados.

Não posso deixar de comentar a iniciativa, igualmente preocupante, de impedir que docentes exerçam o direito de greve, que está previsto no Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” da Constituição Federal de 1988. Trata-se, portanto, de direito fundamental. Segundo o artigo 9º da Constituição Federal, ainda em vigor, “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Portanto, toda tentativa de impedir que a categoria docente exerça esse direito implica, na nossa avaliação, em um ataque frontal aos direitos e garantias fundamentais, o que significa ser uma ato inconstitucional. 

Ressalto que o direito de greve, combinado ao direito à vida, como no caso da proteção contra a pandemia, ao meu juízo, oferecem argumentos irrefutáveis. Ao longo da história, a classe trabalhadora recorre ao instrumento da greve como forma de explicitar suas necessidades, reivindicações e pressionar para que sejam adotadas medidas que as contemplem. Algumas categorias já foram obrigadas a recorrer à greve como instrumento para forçar a inclusão nas prioridades de vacinação, já que estão sendo obrigadas ao trabalho presencial.

Um rápido comentário sobre a natureza das atividades educacionais. Professores e professoras exercem suas funções apoiadas no trabalho de outros profissionais que são fundamentais para que as práticas pedagógicas tenham sucesso. Portanto, qualquer medida que seja adotada para proteção contra a COVID-19 deve abarcar todos(as) os(as) profissionais da educação. Além disso, como já anteriormente observado, os(as) estudantes precisam de igual proteção, pois, do contrário, teremos as instituições de ensino transformadas em espaços de cultivo e disseminação do vírus. Embora insatisfeitos com o ensino remoto, com a dificuldade de dar continuidade a estudos e pesquisas em algumas áreas, especialmente nas universidades públicas, docentes de todo o país têm se dedicado ao enfrentamento da pandemia. Desde o início da crise sanitária, nas universidades e institutos federais, estaduais e municipais, as comunidades acadêmicas têm colocado à disposição da sociedade sua expertise, fruto de anos de estudos e pesquisas, na produção de equipamentos, instrumentos, procedimentos e metodologias para auxiliar os governos no enfrentamento da pandemia e seus desdobramentos. Isso sem esquecer das aulas remotas. Concretamente, isso significa que docentes e técnicos-administrativos estão trabalhando. 

Nas escolas, institutos técnicos e instituições de ensino superior, sejam públicas ou privadas, temos contabilizado as perdas para a COVID-19. O clima é de permanente luto na sociedade brasileira, que contabiliza, no final de abril de 2021, quase 400 mil vidas perdidas, dilacerando famílias e deixando vazios nos locais de trabalho. Essa dor parece não estar importando. Muitos sequer tiveram a oportunidade de enterrar amigos e familiares, o que somente amplia a dificuldade de enfrentar o luto. Parece-me apropriado afirmar que aqueles que estão defendendo a reabertura forçada das instituições de ensino, sem a devida vacinação em massa, estão nos conduzindo para o adoecimento e a morte. 

Não vejo outro caminho que não seja a defesa da vida – de nossas vidas e das vidas de todas as pessoas. Expressar nossas posições contrárias ao que pretendem esses senhores da República, enfrentar aquilo que se coloca com grande potencial contra nossas vidas me parece uma necessidade de primeira ordem. Não temos tempo a perder. A sociedade não pode ficar à mercê de um vírus potencialmente mortal, sem respirar, esperando a morte chegar à sua porta. Basta! Vacinas para todos(as)!

*Marcelo Sitcovsky é Prof. do Departamento de Serviço Social da UFPB