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BRASIL

Deputados aprovam PL que facilita imposição de retorno a aulas presenciais

da redação
plenário da Câmara
Pablo Valadares / Câmara dos Deputados

Apesar dos recordes diários de mortes e novos casos de contágio pela covid-19, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira, 21, o Projeto de Lei 5595/20, que proíbe a suspensão de aulas presenciais. O texto, aprovado por 276 votos, contra 164 contrários, segue para o Senado. Se aprovado, irá facilitar a imposição da reabertura de escolas e universidades, apesar das orientações contrárias de entidades científicas e autoridades sanitárias mundiais, que afirmam que o momento exige isolamento social e apontam o impacto da retomada de aulas presenciais.

Joice Hasselman, relatora do PL. Foto: Pablo Valadares /Câmara dos Deputados

O projeto de lei é uma iniciativa das deputadas Paula Belmonte (Cidadania-DF) e Adriana Ventura (Novo-SP), apresentada no dia 17 de dezembro do ano passado. O texto aprovado na terça-feira, 20, foi o substitutivo elaborado pela deputada Joice Hasselman (PSL-SP), relatora do projeto na Comissão de Educação. A discussão e votação demoraram cerca de sete horas até a aprovação no plenário, após superar a obstrução da votação feita pela oposição. O texto segue agora para tramitação no Senado Federal.

O PL 5595/20 distorce o caráter fundamental do direito à Educação para justificar a imposição do retorno às aulas presenciais. O texto considera em seu artigo segundo que “a educação básica e a educação superior, da rede pública e privada de ensino, em formato presencial, são reconhecidas como serviços e atividades essenciais, inclusive durante enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade pública”. Com esse texto, as atividades de ensino presencial passam a ser incluídas entre aquelas que não podem ser interrompidas durante a pandemia. No texto da justificativa da relatora é ainda mais absurdo, questiona os riscos de contágio e apresenta a educação em modo presencial como essencial, que precisa ser mantida diante da pandemia ou de outros “problemas momentâneos que a sociedade esteja enfrentando”.

“Aqui, lamentavelmente, aqueles que agora dizem, fingem dizer, que acham a educação essencial são os mesmos que corroboram com 70% a menos do Orçamento para educação. Temos um dos menores orçamentos do MEC para educação básica. Sinceramente, isso é conversa para boi dormir, é colocar nossos alunos para morrerem nas salas de aula”, criticou a deputada Talíria Petrone, líder do PSOL. 

Além de colocar em risco a vida de todos e todas da comunidade escolar e universitária, a proposta ameaça também a autonomia de estados, municípios e universidades, contrariando a Constituição. Governadores, prefeitos e reitores até poderão determinar que as aulas permanecerão remotas, mas precisarão justificar e provar os riscos de contágio, para poder decidir pela suspensão das aulas presenciais. Outro projeto em discussão sobre o tema transferia a decisão de abrir ou não as escolas e universidades aos gestores.

“O que precisamos, com urgência, é de vacina para todas e todos, de um lockdown nacional para conter o número de contágio e mortes, amparado por um auxílio emergencial digno, acima de 600 reais, que permita que as pessoas fiquem em casa sem passar fome. Quanto mais rápido imunizarmos a população, mais rápido poderemos retomar as atividades presenciais sem riscos”, afirma Rivânia Moura, presidenta do ANDES-SN.

O PL, se aprovado no Senado, também é uma ameaça a todas as greves pela vida e futuras greves da educação. Sendo considerado um setor essencial, sindicatos e professores poderão ser impedidos judicialmente de realizar paralisações e greves, ameaçando a liberdade sindical de uma das categorias que mais enfrenta e é perseguida pelo bolsonarismo.

Veja o texto aprovado, na íntegra:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 5.595, DE 2020 
Reconhece a educação básica e a educação superior, em formato presencial, como serviços e atividades essenciais e estabelece diretrizes para o retorno seguro às aulas presenciais. O Congresso Nacional decreta: 
Art. 1º Esta Lei reconhece a educação básica e a educação superior, em formato presencial, como serviços e atividades essenciais e estabelece diretrizes para o retorno seguro às aulas presenciais. 
Art. 2º A educação básica e a educação superior, da rede pública e privada de ensino, em formato presencial, são reconhecidas como serviços e atividades essenciais, inclusive durante enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade pública. 
Parágrafo único. É vedada a suspensão das atividades educacionais em formato presencial, exceto nas hipóteses em que as condições sanitárias do Estado, do Distrito Federal ou do Município, aferidas com base em critérios técnicos e científicos devidamente publicizados, não o permitirem, o que deverá constar em ato do respectivo chefe do Poder Executivo. 
Art. 3º As diretrizes e as ações decorrentes da estratégia para o retorno às aulas presenciais em cada sistema de ensino, serão adotadas a partir do exercício da pactuação entre os entes da Federação, em regime de colaboração e respeitarão as orientações das autoridades sanitárias brasileiras, em especial as do Ministério da Saúde e suas autarquias e fundações vinculadas. 
§ 1º A organização da estratégia, em cada esfera federativa, será feita com a participação dos órgãos responsáveis pela educação, saúde e assistência social. 
§ 2º A partir das diretrizes pactuadas, Estados, Distrito Federal e Municípios criarão seus protocolos de retorno às aulas, que deverão ser observados pelas escolas na elaboração de seus próprios procedimentos. 
Art. 4º A estratégia para o retorno às aulas presenciais observará os seguintes princípios e diretrizes: 
I – estabelecimento de critérios epidemiológicos para a decisão sobre o funcionamento das escolas; 
II – prioridade na vacinação de professores e funcionários das escolas públicas e privadas; 
III – prevenção ao contágio de estudantes, profissionais e familiares pelo novo coronavírus; 
IV – igualdade e equidade de condições de acesso ao aprendizado; 
V – equidade para o estabelecimento de prioridades na alocação de recursos e ações voltadas ao retorno às aulas; 
VI – participação das famílias e dos profissionais da educação; 
VII – parâmetros de infraestrutura sanitária e disponibilização de equipamentos de higiene, higienização e proteção, incluindo máscaras, álcool em gel 70% (setenta por cento), água e sabão, nos momentos de aulas, de recreio, de alimentação e no transporte escolar. 
VIII – parâmetros de distanciamento social e ações de prevenção que devem ser observados na abertura das escolas; 
IX – avaliação diagnóstica de aprendizado e ações de recuperação, no âmbito das unidades escolares;  
X – critérios para a eventual validação de atividades não presenciais como atividades letivas oficiais na rede de ensino no período de suspensão das aulas presenciais, sem prejuízo dos educandos que não têm acesso frequente aos meios tecnológicos de comunicação; 
§ 1º Os sistemas de ensino, a partir das informações e diretrizes do sistema de saúde acerca da situação epidemiológica, poderão adotar estratégias de:
 I – alternância de horários e rodízio de turmas, de forma a viabilizar o distanciamento físico; 
II – adoção de sistema híbrido, com atividades pedagógicas presenciais e não presenciais; 
III – manutenção dos vínculos profissionais e liberação de atividade presencial aos profissionais da educação que integrem grupo de risco ou que residam com pessoas que integrem tais grupos, devendo os sistemas de ensino e escolas definir formas pactuadas de trabalho. 
§ 2º O calendário de retorno não necessariamente será unificado, podendo ser definidas diferentes datas e ritmos para cada uma das escolas, tendo em consideração a situação epidemiológica de sua localidade. 
Art. 5º Os sistemas de ensino, com a efetiva participação de pais e profissionais da educação, adotarão ações pedagógicas em caso de faltas dos estudantes cujos familiares integrem grupo de risco de contágio pela COVID-19 e acompanharão os educandos nas atividades de educação não presencial. 
Art. 6º É direito dos pais dos alunos, de quatro a dezessete anos, ou seus responsáveis, optar excepcionalmente pelo não comparecimento de seus filhos e pupilos às aulas presenciais: 
I – enquanto durar o estado de pandemia, de emergência e de calamidade pública, conforme previsto no art. 2º; 
II – se os educandos ou seus familiares integrarem grupo de risco de contágio pela COVID-19, desde que devidamente comprovado. 
§ 1º A opção referida no caput: 
I – não constitui descumprimento de dever inerente ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda; 
II – não caracteriza crime de abandono intelectual. 
III – não ensejará suspensão ou perda de acesso a mecanismo condicional de transferência de recursos, advindos de programas de transferência direta de renda, direcionados às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. 
§ 2º As escolas manterão contato com os educandos cujos pais optarem por seu não comparecimento e lhes proporcionarão atividades não presencias para acompanhamento dos conteúdos curriculares, enquanto durar o estado de pandemia, de emergência e de calamidade pública, conforme previsto no art. 2º. 
§ 3º Os educandos cujos pais optarem pelo não comparecimento presencial, enquanto durar o estado de pandemia, de emergência e de calamidade pública, não são dispensados, salvo por falta de acesso a meio tecnológico, das atividades não presenciais oferecidas pelas escolas. 
§ 4º Observadas as normas de segurança e segurança sanitária, os sistemas de ensino que adotarem a educação híbrida poderão, conforme suas capacidades financeiras e meios tecnológicos à disposição das escolas, proporcionar aos educandos o uso de equipamentos da escola e o acesso à internet para realizar seus estudos e tarefas. 
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
Art. 8º As diretrizes e ações previstas nos arts. 3º e 4º serão regulamentadas pelos entes federados em até 30 (trinta) dias da publicação desta Lei. 
Sala das Sessões, em de de 2021.
Deputada JOICE HASSELMANN
Relatora

Baixe o texto aprovado e o parecer da relatoria