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BRASIL

Marx, a crise e a solidariedade de classe

Luciano Mendonça de Lima*, de Campina Grande, PB
Cartaz colado na rua, com a frase: "A FOME VOLTOU!" abaixo: $$$$$ BOLSOCARO $$$$$. Um homem passa e observa o mural.
Roberto Parizotti / Fotos Públicas

Cartaz na Avenida Paulista. (16/04/2021)

Pouco antes de entregar aos trabalhadores, e ao público em geral, a primeira parte de sua Magnum opus (O Capital: crítica da economia política, Livro 1), Karl Marx aproveitou a ocasião para compartilhar a boa nova com um seu conterrâneo velho de guerra, de nome Siegfried Meyer, que naquele momento amargava o exílio nos EUA. Com tal propósito escreveu uma carta ao amigo, datada de 30 de abril de 1867. 

Do conteúdo, destacamos o seguinte trecho: “Rio-me das pessoas pretensamente ‘práticas’ e da sua sabedoria. Se se deseja comportar-se como um animal, pode-se evidentemente voltar as costas aos tormentos da humanidade e preocupar-se apenas com a própria pele”. 

Transcorridos 154 anos de sua redação, o que essa passagem epistolar ainda tem a nos ensinar? Muito, especialmente vinda de alguém que sacrificou a saúde, a felicidade pessoal e a vida familiar por uma causa maior: colocar o melhor de si, em termos de energias físicas e mentais, para entender o mundo em suas múltiplas contradições e assim transformá-lo radicalmente.

Numa quadra histórica em que o capitalismo demonstra sua face mais pestilenta, com seu cortejo triunfal de morte, fome e sofrimento, é preciso redobrar o esforço para não sucumbir ao medo, ao individualismo, à indiferença perante o outro e ao ceticismo paralisante de matriz pequeno-burguesa. 

Karl Marx. Ilustração de Charles BurnsNesse sentido, as palavras do “Mouro” (como Marx era carinhosamente conhecido entre familiares e amigos mais próximos) devem ser encaradas como um alento para reforçar nossos vínculos de companheirismo e camaradagem, cercando de solidariedade os setores sociais mais fragilizados e duramente penalizados pela crise. E, acima de tudo, nos fazer lembrar que temos um dever de justiça para com os nossos mortos insepultos. 

Para que isso aconteça, não podemos adiar, por um dia sequer, a aposta em derrubar o governo genocida e a infame ordem social que o sustenta. Dure o tempo que durar, sejam quais forem os meios necessários. Realidade essa responsável por produzir e reproduzir, cotidianamente, tamanhas monstruosidades, a ponto de constatarmos até aqui quase 3 milhões de vidas ceifadas pela Covid-19 no mundo, dentre as quais mais de 358 mil só no Brasil. 

O fundador do materialismo histórico e dialético nos diria que não é hora de pensar em salvar a própria pele, sucumbindo aos instintos mais mesquinhos da espécie. Pelo contrário, essa é a hora de priorizar o olhar sobre a humanidade trabalhadora, seriamente ameaçada diante de tamanha catástrofe civilizatória. Para isso a história exige, como nunca antes, que sejamos humanos, em atos e em palavras, generosamente humanos, diante de tempos tão bárbaros e sombrios. 

*Professor de História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).