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Colunas

O escorpião e o sapo

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/ Fotos Públicas

O presidente do STF, Luiz Fux, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente Jair Bolsonaro, durante declaração após reunião com ministros e governadores.

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

Todo mundo conhece a história do escorpião e do sapo. Na fábula, o escorpião convence o sapo a lhe levar nas costas para atravessar o rio. Temendo ser picado pelo animal com fama de traiçoeiro, o anfíbio hesita, mas cede ao argumento de que uma ferroada mataria os dois. No caminho, o sapo sente o ferrão nas costas, escutando o escorpião lhe dizer que não pôde controlar sua natureza.

Fábulas são feitas para ensinar, mas só aprende quem quer. A história do escorpião e do sapo teria muito a dizer para quem acredita que Bolsonaro pode controlar a sua natureza. A impressão de normalização se acentuou depois que Arthur Lira (PP-AL) disse que estava acendendo o sinal amarelo “para quem quiser enxergar”. Era um recado direto para Bolsonaro, que ainda ouviu o presidente da Câmara falar em “remédios amargos”, uma mensagem clara de que não deseja se afogar com o presidente que conduz de modo desastroso a maior crise sanitária de nossa história. Ainda assim, tanto Lira, como Pacheco, presidente do Senado, aceitaram que o chefe do Executivo lhe subisse nas costas.

Com média diária de mortes superior a três mil, Bolsonaro não tem a mínima ideia sobre como proceder diante da pandemia, que negou desde o princípio, alegando tratar-se de uma gripezinha. Nessa altura, articula com quem pode para sepultar uma CPI no Senado, autorizada por Barroso, ministro do STF. O tema será votado no plenário da Corte na quarta, mas o desespero de Bolsonaro é do tamanho da sua culpa pela tragédia, mas menor do que a cauda em cuja ponta se encontra o ferrão venenoso.

O escorpião da fábula é como o agitador fascista que não pode controlar sua natureza maligna. Não há nenhuma chance de normalizar o fascismo e a necropolítica enquistada num governo cuja liderança máxima tem um currículo marcado pela exortação ao ódio e a tortura, homenagens a milicianos, a práticas de corrupção pelos esquemas de rachadinha, além do constante discurso de ódio pelo outro, que pode, inclusive, ser o sapo que lhe transporta.

Quem acredita que é possível levar Bolsonaro até 2022 sem que isso implique na destruição do que resta do país, apenas porque os habituais operadores políticos reocuparam centro do palco e empresários voltam a acreditar nas fantasias de Guedes, devia estudar a história.

Ninguém será capaz de dobrar Bolsonaro, que segue mobilizando suas bases na expectativa da catástrofe, disposto a arrastar a todos para o fundo do rio. Em contrapartida, não haveria mais Bolsonaro se aqueles que lhe sustentam lhe deixassem na mão. Como isso parece altamente improvável, o consolo, se pode haver algum, é que, na fábula, quem sucumbe por acreditar no impossível é tanto o escorpião quanto o sapo. Enquanto o rio que tudo arrasta e que se diz violento, que só entrou na história como coadjuvante, eu prefiro acreditar, com Brecht, que seguirá seu curso sem se importar com as margens que o oprimem.

** Publicado originalmente em A Tarde no dia 13/04/2021